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A psicologia por trás das notícias falsas

Vieses cognitivos ajudam a explicar o clima da nossa mídia polarizada

Fake news: pode parecer como se estivéssemos vivendo uma era distópica inteiramente nova, com cada ciclo de notícias ou coletiva de imprensa nos mandando cada vez mais para um poço sem fundo (AndreyPopov/Thinkstock)

Fake news: pode parecer como se estivéssemos vivendo uma era distópica inteiramente nova, com cada ciclo de notícias ou coletiva de imprensa nos mandando cada vez mais para um poço sem fundo (AndreyPopov/Thinkstock)

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Da Redação

Publicado em 4 de maio de 2017 às 15h53.

Nos dias de hoje, é difícil se aventurar on-line ou sintonizar em qualquer canal de TV a cabo sem se deparar com discussão exaltada sobre “notícias falsas”.

Fatos e números básicos, que vão desde o tamanho da multidão em manifestações até resultados de enquetes dizendo se choveu ou não, parecem agora estar em negociação.

Para muitos consumidores da mídia, pode parecer como se estivéssemos vivendo uma era distópica inteiramente nova, com cada ciclo de notícias ou coletiva de imprensa nos mandando cada vez mais para um poço sem fundo.

No entanto, embora o termo “notícias falsas” reflita nosso conturbado momento político, o fenômeno não é nada novo, assim como não é a psicologia que explica sua persistência.

“Há uma tendência as pessoas dizerem, 'Bom, com os canais de redes sociais que temos hoje, estas coisas podem se espalhar mais rapidamente e causar um efeito jamais visto antes”, diz Adam Waytz, professor associado de gestão e organizações na Kellogg School.

“Porém as coisas não são tão simples assim. Muitos de nós lembramos quando os meios de comunicação mais importantes do planeta relataram que o Iraque poderia ter armas de destruição em massa. Isso aconteceu antes de existir Facebook e Twitter”.

Para entender como as pessoas de um mesmo país, ou mesmo de uma mesma família, podem ter ideias tão vastamente diferentes da realidade, Waytz sugere que deveríamos nos concentrar não no papel das redes sociais, mas no papel da psicologia social, em particular, o viés cognitivo que decorre de nossas mentalidades tribais.

Para Waytz, antes de podermos aprender a lidar com nossa divisão, é importante entendermos suas raízes.

“Há uma suposição de que as notícias falsas agravam a polarização”, diz Waytz. “Mas pode ser que a polarização seja o que agrava as notícias falsas".

Os diversos sabores da verdade

Para ajudar a explicar nossa suscetibilidade duradoura a notícias falsas, Waytz aponta para dois conceitos psicológicos bem conhecidos.

O primeiro é o “raciocínio motivado”, a ideia de que somos motivados a acreditar no que confirma nossas opiniões.

“Se estiver motivado a acreditar em coisas negativas sobre Hillary Clinton, você está mais propenso a confiar em histórias ultrajantes sobre ela que podem não ser verdadeiras”, diz Waytz. “Com o tempo, o raciocínio motivado pode levar a um consenso social falso”.

O segundo conceito é o “realismo ingênuo”, nossa tendência em acreditar que nossa percepção da realidade é a única visão precisa, e que as pessoas que discordam de nós são necessariamente desinformadas, irracionais ou tendenciosas.

O realismo ingênuo ajuda a explicar a discrepância em nosso discurso político: em vez de não concordarmos com nossos adversários, nós os difamamos.

É por isso também que algumas pessoas rapidamente rotulam qualquer relato que desafia sua visão de mundo como falso.

“Isso acontece em todo o espectro político”, diz Waytz, apontando para o falso rumor, disseminado pelos liberais, de que o presidente Trump mudou a Declaração de Direitos com a redação “cidadãos”, em vez de “pessoas”.

“Todos nós acreditamos rapidamente naquilo que estamos motivados a acreditar e chamamos muitas coisas de 'notícias falsas' simplesmente porque elas não se conformam à nossa própria visão da realidade”.

Grande parte da nossa suscetibilidade às notícias falsas está relacionada com a forma das conexões em nossos cérebros.

Gostamos de pensar que nossas convicções políticas correspondem a uma verdade superior, mas o fato é que elas podem ser menos robustas e mais maleáveis do que imaginamos.

Até certo ponto, diz Waytz, nossas crenças políticas não são tão diferentes das nossas preferências em relação à música ou comida.

Em um estudo inédito, Waytz e seus colegas apresentaram aos participantes uma série de declarações.

Elas compreendiam declarações fatuais que poderiam ser comprovadas ou refutadas (tal como “o primeiro cone de waffle foi inventado em Chicago, Illinois”), declarações de preferência que as pessoas poderiam avaliar subjetivamente (tal como “qualquer sabor de sorvete tem um gosto melhor quando servido em um cone crocante de waffle”) e declarações de crença moral-política que as pessoas poderiam avaliar em termos de certo ou errado (tal como "não é ético as empresas promoverem produtos açucarados para crianças").

Em um estudo foi solicitado a um grupo de participantes que lessem e avaliassem as declarações como semelhantes a um fato, uma preferência ou uma crença moral.

Em um segundo estudo, um grupo de participantes teve seus cérebros escaneados usando fRMI ao ler cada declaração e avaliar o quanto concordavam ou não com o que leram.

Após a leitura, responderam às mesmas perguntas do primeiro estudo: se cada afirmação se assemelhava a um fato, uma preferência ou uma crença moral.

Waytz e seus colegas descobriram que, nos dois grupos de participantes, as pessoas processaram as crenças morais-políticas mais como preferências do que como fatos.

Não só os participantes avaliaram diretamente as crenças morais-políticas como “preferências”, como também, diz Waytz, “quando leem declarações morais-políticas ao terem seus cérebros escaneados, os exames mostraram um padrão de atividade comparável ao das preferências”.

Realidade por consenso social

Embora possa parecer desconcertante que nossos cérebros tratem as crenças políticas como sabores de sorvetes, isto também sugere que determinadas crenças, como algumas preferências, são passíveis de mudança.

“Todos nós já tivemos a experiência em que, a princípio, não gostávamos de um grupo musical, mas depois nos tornamos seus fãs”, diz Waytz, “e sem dúvida nosso gosto por determinados alimentos evolui ao longo de nossas vidas”.

Isto é especialmente verdade para crenças para as quais o consenso público é misto. Uma crença do tipo “trabalho infantil é aceitável”, contra a qual o consenso é alto, é processada de forma muito parecida a um fato.

Mas as crenças mais controversas, como “corridas de cães são inaceitáveis”, são mais suscetíveis à persuasão e à mudança de atitude e são esmagadoramente um produto do consenso social dentro de uma comunidade específica.

É por isso que as “notícias falsas” não se tratam apenas de redes sociais ou nossa tendência de selecionar as notícias, embora, de fato, sites como Twitter e Facebook fornecem desinformação aos canais, que as espalham a um ritmo inédito, e cerca de seis em cada dez americanos somente leem as manchetes.

Qualquer que seja a fonte da notícia, os efeitos combinados do raciocínio motivado, realismo ingênuo e consenso social ou tribalismo impedem as pessoas de chegar a conclusões objetivas.

De acordo com Waytz, é por isso também que desafiar as falsidades on-line pode ser uma tolice.

Embora as pessoas sintam satisfação em corrigir as imprecisões ou mentiras deslavadas publicadas ou tuitadas por adversários políticos — como o caso do “Massacre de Bowling Green”, que ofereceu um desses momentos de galvanização para os liberais — aceitar os fatos oficiais não muda a dinâmica social subjacente em jogo.

“Uma das coisas que estamos aprendendo”, diz Waytz, “é que os argumentos baseados em fatos nem sempre funcionam”.

Tomemos, por exemplo, um estudo de 2014 de Brendan Nyhan, professor de ciência política da Dartmouth.

O estudo de Nyhan constatou que, mesmo apresentando aos pais evidências científicas contundentes de que as vacinas não causam autismo, isto não influenciou em nada tentar convencer os pais que já tinham essa crença.

Uma solução possível

Assim, como podemos superar preconceitos ideológicos e neutralizar a polarização que alimenta as “notícias falsas”? Waytz diz que a psicologia social também aponta para um caminho a ser seguido.

Um fato encorajador é que há provas de que, quando alertamos as pessoas sobre seus preconceitos, elas tendem a sucumbir menos a eles.

Um estudo envolvendo israelenses e palestinos — dois grupos que são notoriamente entranhados em um realismo ingênuo — demonstraram que, quando o conceito de realismo ingênuo foi explicado a eles, os grupos se tornaram menos hostis um com o outro.

“Quando foi dito a eles: 'Ei, existe este viés', até os mais radicais entre eles se tornaram mais conciliadores”, diz Waytz.

Outros estudos têm mostrado que as pessoas podem superar o realismo ingênuo ao legitimar um dos pontos legítimos (ou semi-legítimos) do adversário.

“Se um democrata e um republicano se reunirem e pedirmos a cada um deles para oferecer um único argumento do lado adversário, isto os torna mais abertos à ideia de que sua realidade não é a única”, diz Waytz.

Curiosamente, os estudos mostraram que, quando as pessoas recebem um incentivo financeiro para refletir sobre as opiniões contrárias às delas, elas se tornam ainda menos tendenciosas nos julgamentos que fazem sobre os que pensam diferente.

Waytz também aponta que este nível de discórdia política não pode ser eterno, pelo menos quando se trata de problemas que afetam o cotidiano das pessoas.

Isso ocorre porque somos mais suscetíveis a muitos vieses cognitivos quando processamos informações apenas superficialmente.

“Sabemos que as pessoas processam as informações de forma mais profunda quando há a possibilidade de saírem perdendo”, diz ele.

Mas fazer a ponte entre duas visões opostas da realidade pode exigir um envolvimento mais profundo, com um conjunto mais diversificado de dados e fontes de notícias além do que o Twitter e o Facebook têm a oferecer.

“O maior perigo não é, na verdade, a notícia falsa, mas sim o tribalismo”, diz Waytz. “A despolarização só ocorre quando alguém tem a coragem de contestar sua tribo”.

Texto originalmente publicado no site da Kellogg School of Management.

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