Carros: em breve, a tecnologia deve permitir que o valor pago ao seguro pelo cliente seja personalizado de acordo com seu comportamento e padrão socioeconômico (Justin Sullivan/Getty Images)
Gian Kojikovski
Publicado em 26 de outubro de 2016 às 15h52.
Última atualização em 29 de junho de 2017 às 19h20.
Reportagem publicada originalmente em EXAME Hoje, app disponível na App Store e no Google Play.
Nos últimos anos, não foram poucos os mercados colocados de cabeça para baixo por ideias disruptivas vindas de startups, ou mesmo pela inovação interna feita em grandes empresas. Do Uber, que fez o mundo todo repensar a maneira que o transporte urbano está organizado, às fintechs, que começam a se mostrar competitivas contra os grandes bancos. Exemplos não faltam. Os guias destinados a empreendedores e interessados por inovação em várias áreas garantem que os próximos setores a serem atacados são os que ainda convivem com grande grau de ineficiência. Desses, o ramo de seguros é um dos poucos que ainda resiste a uma renovação total. Mas isso não deve ficar assim por muito tempo.
“Eu acho que o mercado de seguros hoje é o mercado de bancos de 15 anos atrás”, diz Alex Fabian Silva, vice-presidente de operações e finanças no Brasil da corretora Aon. “Mas se olharmos para as tecnologias que estão surgindo, o céu é o limite para as mudanças”. Silva se refere às transformações que o setor já está enfrentando por todos os lados – da maneira que novos seguros são vendidos à precificação para os clientes. Várias tecnologias, mas principalmente o big data, têm dado a tônica dos serviços que os consumidores vão ver no mercado em pouco tempo.
De todos os desafios da indústria de seguros, o mais complicado é a precificação, principalmente nos seguros automotivos, que respondem por um terço do total de seguros feitos no país, com exceção dos seguros de vida, previdência privada e de saúde. Isso porque existem vários fatores a serem analisados na hora de montar o risco de um cliente, como idade, local de residência, de trabalho, estado civil outras dezenas de perguntas, além, é claro, do modelo e da marca do carro. Tudo isso para tentar entender os riscos envolvidos no dia a dia do motorista. Com isso, as seguradoras montam perfis onde encaixam seus clientes de acordo com o risco que cada um tem de sofrer sinistros. O problema é que, mesmo com todos esses dados, esses perfis podem trazer inconsistências e, principalmente, serem injustos para uma boa porção de segurados.
A lógica atual diz que um jovem solteiro de 20 anos que possui um carro esportivo vai pagar mais caro pela sua apólice do que uma mulher de 35 anos com um carro popular, independente de como dirija esse veículo. E é exatamente isso que as seguradoras estão tentando mudar. A ideia é entender o comportamento das pessoas na direção, o que pode ser tão ou mais importante do que o perfil socioeconômico ou os locais dos deslocamentos feitos pelo veículo. “A precificação no Brasil já é uma das mais sofisticadas do mundo. Temos um mercado com malha viária complexa, com muitos acidentes e muitos roubos, a concorrência entre as seguradoras é grande e o ambiente econômico é pouco estável”, diz Murilo Riedel, vice-presidente técnico da HDI Seguros. “Ainda assim, temos muito a evoluir, principalmente para conseguir baratear preços para novos clientes que não se interessam hoje por seguros justamente por não serem um perfil de risco”.
Até pouco tempo, pensar dessa forma não era possível. Mas nos últimos anos, a evolução tecnológica passou a permitir que, captando mais dados, que vão desde as redes sociais dos clientes até a maneira como eles dirigem, as empresas possam fazer seu preço de uma maneira muito mais específica do que atualmente. “No futuro, a chance de que os preços sejam totalmente personalizados com base nas informações captadas e trabalhadas por algoritmos é grande”, diz Silva, da AON. Boa parte das seguradoras, seja internamente ou de forma terceirizada, já testa modelos de aprimorar sua precificação com base em big data. A HDI Seguros, por exemplo, tem 25 matemáticos que trabalham em melhorar algoritmos que calculam os riscos de cada proposta feita pela empresa para novos segurados.
Para conseguir captar mais dados, que serão utilizados na formação do perfil do consumidor, as seguradoras se utilizam de diferentes táticas. A mais nova delas são aplicativos distribuídos para a base de clientes. Com eles, é possível monitorar aceleração, frenagem, velocidade, ângulo de curva e outros pontos da direção. Com isso, as empresas podem desenvolver modelos matemáticos para o risco de cada pessoa. “Captar esses dados, todos estão fazendo, de uma forma ou outra. A diferença vai ser o modelo matemático de cada seguradora, que vai permitir encontrar o preço correto para cada usuário”. Assim, as companhias esperam atrair o chamado “risco bom”, que são os clientes que não causam problemas e não estão segurados.
Por outro lado, aumentar o número de bons clientes pode não ser tão simples quanto parece em termos de negócio. “O problema é que, aprimorando a seleção de risco, a empresa pode acabar criando uma antisseleção. Com um prêmio-médio menor, deixa de valer a pena ter alguns usuários dentro da base. E, para o motorista, pode deixar de valer a pena ele pagar pelo seu risco. Por isso, vai ser muito importante usar a tecnologia também para entender o mercado, não só para precificar a apólice”, diz Fabio Luchetti, presidente da Porto Seguros, líder no setor de seguros automotivos no país.
Em média, 80% dos motoristas fazem parte das categorias preferenciais de risco. Isto é, não tem propensão a apresentar muitos problemas. Dos 20% restantes, 2% apresentam um risco inaceitável – que é difícil até de ser precificado por modelos matemáticos. “Não é ruim tirar esse perfil de segurado do mercado, mas aí é preciso atrair novos cliente e aumentar a base”, diz Riedel, da HDI.
No Brasil, um terço da frota de veículos possui seguro, o que gerou um faturamento de 32 bilhões de reais em 2015. “Atuar sobre esse um terço que já faz seguro é evolutivo, o disruptivo mesmo será usar a tecnologia para acessar os dois terços que hoje não fazem”, diz Luchetti. Uma precificação mais personalizada poderia ser um passo importante. " Isso não significa eles não tenham risco ao patrimônio, mas principalmente porque os produtos são caros para esse público", afirma.
A tecnologia também pode ajudar aumentar o número de clientes criando novos serviços, melhorando a venda feita totalmente online, algo que já pode ser feito com os seguros de viagem, por exemplo. Por que não contratar de maneira pré-paga? Ou pagar só pelo quanto usa? Nas grandes seguradoras, modelos assim são menos comuns, mas algumas startups estão tentando mudar esse conceito. Nos Estados Unidos, a Metromile, que recentemente recebeu um investimento de pouco mais de 100 milhões de dólares de fundos de venture capital, cobra dos clientes de acordo com a distância percorrida.
Mas existe outra evolução tecnológica que as seguradoras estão de olho: o carro autônomo. Com carros mais seguros e que se envolvem menos em acidentes, o serviço fornecido pode se tornar dispensável aos poucos. “O fato de os carros estarem cada vez mais autônomos com certeza vai impactar o mercado. As pessoas também estão adquirindo menos automóveis, em geral. Ainda não dá para dimensionar isso na cadeia inteira, mas as mudanças serão gigantescas”, diz Silva, da AON. Se a evolução tecnológica tinha impactado pouco o setor de seguros até agora, não se pode dizer o mesmo sobre os próximos anos. E os desafios parecem estar só começando.
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