Ângelo Gama, CEO da Angola Cables, defende a criação de um eixo Sul–Sul de conectividade entre África e América do Sul. (Rita Gazzo/Reprodução)
Repórter
Publicado em 29 de outubro de 2025 às 13h32.
Última atualização em 29 de outubro de 2025 às 13h49.
*LISBOA | As redes de fibra óptica que cruzam oceanos continuam a definir o mapa do poder digital. Mas uma nova geografia começa a ganhar forma. No Atlantic Convergence, evento promovido pela alemã DE-CIX nesta quarta-feira, 29, em Lisboa, executivos africanos mostraram como o continente quer deixar de ser apenas um destino final de cabos e se tornar parte estratégica das rotas que conectam o Sul global — especialmente com a América do Sul e o Brasil.
“Dois anos atrás, construímos nosso próprio internet exchange chamado ASICS”, contou Mohamad Ibrahim, CEO da Networks. “Instalamos para dois terabits por segundo e disseram que era loucura. Agora já não é suficiente".
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A fala resume um dilema regional: a infraestrutura de conectividade na África cresce rápido, mas ainda aquém da demanda. Ibrahim disse que 45% do tráfego da empresa já é local, e o objetivo é chegar a 70% — o que exige mais data centers e redes de distribuição de conteúdo (CDNs).
“Nosso sistema é redundante até no mar, porque cabos se rompem no mar. E quando isso acontece, países como o Congo ficam isolados — só têm um cabo.” A alternativa, explicou, foi criar rotas paralelas que conectam Kinshasa, Abidjan, Namíbia e Angola, chegando até o Brasil antes de seguir à Europa. “É um caminho longo, mas é o único redundante que temos.”
Essa rota, chamada informalmente de Sul–Sul, coloca a África e a América do Sul em uma posição inédita: como corredores complementares às tradicionais rotas que passam pelo Atlântico Norte. A ligação direta entre os dois continentes não é nova — mas só recentemente ganhou protagonismo na arquitetura da internet global. O primeiro cabo submarino de alta capacidade entre o Brasil e a África, o South Atlantic Cable System (SACS), foi inaugurado em 2018, conectando Fortaleza (CE) a Luanda (Angola).
Com cerca de 6.200 quilômetros de extensão, o SACS foi liderado pela Angola Cables e marcou a primeira rota transatlântica direta entre a América do Sul e o continente africano, reduzindo a latência das comunicações em até 60% em relação às conexões que antes precisavam passar pela Europa ou pelos Estados Unidos.
Para Ângelo Gama, CEO da Angola Cables, essa transformação não é apenas técnica, mas estratégica. “O que vemos agora é o início de um eixo alternativo às rotas do Norte. Nós conectamos a África à América do Sul, a América do Sul à América do Norte e ao Portugal. E isso com links de baixa latência.”
Gama afirmou que, mesmo sem processamento de IA em larga escala no continente, a pressão por rotas mais rápidas e diversificadas já vem de parceiros globais. “Alguns já pedem caminhos diferentes entre África e Europa. O que estamos construindo no eixo Sul–Sul vai garantir que encontremos o verdadeiro valor da IA na África.”
A presença de líderes africanos no Atlantic Convergence mostra que o debate sobre infraestrutura digital e soberania tecnológica já não se limita ao Norte global. O Atlântico Sul começa a se firmar como um território de cooperação e baixa latência, onde África e América do Sul compartilham não apenas cabos submarinos, mas também uma ambição de autonomia digital.
O jornalista viajou a convite da DE-CIX