AMAZON ECHO: alto-falante com a assistente pessoal Alexa / Divulgação (Amazon/Divulgação)
Da Redação
Publicado em 15 de maio de 2017 às 19h45.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h17.
David Cohen
Há alguns anos já se fala na próxima onda da era digital, a internet das coisas. Pois agora finalmente está começando a guerra pelos postos avançados nessa nova fronteira tecnológica: o mercado dos alto-falantes inteligentes, capazes de gerir os nossos objetos e programas domésticos.
Os grandes contendores desse novo mercado são os suspeitos de sempre: Apple, Amazon, Google, Microsoft. Mas a perspectiva é tão boa que outras forças estão se movendo, como o Facebook, a Samsung e, claro, um número incontável de startups e empresas menores.
Segundo uma projeção da consultoria Gartner, o mercado para esses alto-falantes atingirá 2,1 bilhões de dólares em 2020 — um crescimento de quase seis vezes em relação ao total de 2015 — quando pouco mais de 3% das casas nos Estados Unidos deverão ter um gerenciador desse tipo.
Se for contado o mercado mais amplo de aparelhos com sistemas de inteligência artificial embutida, o tamanho é bem maior: algo como 15 bilhões de dólares em 2020, de acordo com estimativa da RBC Capital Markets.
Essas previsões já justificariam os pesados investimentos nos aparelhos e, principalmente, nos sistemas de inteligência artificial que lhes dão substância. Mas há muito mais que isso em jogo.
“Estamos falando de um novo portal para a internet, para a publicidade, para o comércio digital, e por isso este mercado vai valer trilhões de dólares no futuro”, avalia Oren Etzioni, chefe do Instituto Allen para Inteligência Artificial.
Por enquanto, a Amazon tem uma folgada dianteira, com o Echo, um alto-falante capaz de receber comandos por voz para gerenciar diversos aparelhos na casa. Parece algo como tornar realidade a fantasia futurista dos Jetsons, desenho da década de 1960. (Segundo Jeff Bezos, o CEO da companhia, a inspiração foi outra série futurista, Jornada nas Estrelas, em que os tripulantes da nave Enterprise conversavam com o computador).
De acordo com uma previsão da consultoria eMarketer divulgada no início do mês, o Echo terá 70,6% do mercado de alto-falantes inteligentes este ano, muito à frente do Google Home (23,8%) e outros pequenos fabricantes, como Lenovo, LG, Harmon Kardon e Mattel (que terão, combinados, apenas 5,6%). A Amazon não divulga o número de unidades vendidas, e os cálculos variam entre 8 milhões e 11 milhões de casas com o Echo nos Estados Unidos atualmente.
Manter a liderança, porém, não vai ser tão fácil, porque os competidores acordaram. No último dia 9, a Microsoft anunciou para o segundo semestre o lançamento de seu Invoke, que acopla seu sistema de inteligência artificial Cortana ao aparelho de áudio da Harman Kardon (uma subsidiária da Samsung).
Além de permitir aos seus donos usar comandos de voz para ouvir músicas, ler notícias ou marcar compromissos na agenda, o Invoke será o primeiro desses aparelhos que — graças à conexão com o Skype, da Microsoft — permitirá realizar chamadas telefônicas e de vídeo.
Em março, a Samsung também entrou nessa arena, com o anúncio de que o smartphone Galaxy S8 terá a assistente Bixby, uma concorrente das assistentes virtuais da Amazon (Alexa), Apple (Siri), Microsoft (Cortana) e do Google (sem nome específico) em junho. A Baidu, companhia de serviços de internet da China, também está lançando sua assistente, a Little Fish.
E em abril o Facebook lançou a M, uma assistente para seu serviço de mensagens, o Messenger, um primeiro passo para entrar nesse mercado (Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, diz já ter um assistente pessoal em casa, que ele próprio codificou e que chamou de Jarvis).
Há também uma enorme expectativa em relação a um previsto alto-falante da Apple, talvez já em junho, com base na assistente virtual Siri. Segundo os rumores, seria uma alternativa premium. Porém, dado que a Siri, tecnicamente, ainda está aquém da Alexa, muitos analistas acreditam que a Apple esteja atrasada – talvez atrasada demais – nessa briga.
O jogo das 10.000 habilidades
A liderança da Amazon é um tanto inesperada, porque a companhia não tem um smartphone que dissemine a Alexa do modo como a Apple faz com a Siri ou o Google com o seu assistente sem nome. Até a Microsoft tem uma boa alavancagem para seu sistema de inteligência artificial: ela perdeu a guerra dos smartphones, mas seu sistema Windows é tão hegemônico nos computadores que dezenas de milhões de pessoas usam sua Cortana.
Para compensar essa desvantagem, a Amazon adotou uma estratégia ousada. Em 2015, ela abriu seu sistema para permitir que programadores independentes criassem melhorias para seu produto – e criou um fundo de 100 milhões de dólares para investir em startups que produzissem produtos em torno do Echo. A Amazon mais do que compensou a falta de um smartphone com a oferta de espaço e ferramentas de programação em sua gigantesca nuvem digital.
O resultado dessa estratégia é que a Alexa chegou em fevereiro ao recorde de 10.000 habilidades, numa evolução vertiginosa: eram 7.000 um mês antes, 5.400 em dezembro, 3.000 em setembro e apenas 1.000 em junho passado.
Essas habilidades incluem marcar uma corrida no Lyft ou no Uber, pedir pizza, encomendar um café no Starbucks, encontrar um telefone perdido ou fornecer o resultado do jogo do seu time favorito.
Em abril, a Amazon deu outro passo nessa direção. Está licenciando sua tecnologia de processamento de voz para outros fabricantes, que queiram embutir o Echo em seus produtos.
A ideia é que todos os aparelhos domésticos e até carros possam usar a Alexa como seu sistema de comunicação. Uma associação com a Whirlpool, no início do ano, vai facilitar a produção de geladeiras, secadoras, fogões e lava-louças que respondem a comandos de voz.
Entre as mais recentes associações com a Alexa estão uma lâmpada da GE, inúmeros termostatos, interruptores de luz e um aspirador de pó automático da Samsung.
Ante esse avanço tão rápido, no início do ano o Google acordou para esse mercado. Está apostando em uma estratégia parecida para que seu assistente virtual seja a alma dos aparelhos conectados da internet das coisas.
Um exemplo foi a recente parceria firmada com a Hyundai, que permite que os motoristas controlem algumas funções do carro através do alto-falante Home, do Google. Espera-se que esses alto-falantes também sejam, em breve, acoplados à próxima geração de TVs inteligentes.
Para o Google essa guerra é crucial – não simplesmente para conquistar uma nova fonte de crescimento para a empresa, mas porque essa tecnologia ameaça seu virtual monopólio da publicidade digital. Ante a possibilidade de os alto-falantes funcionarem como portais para a internet, todo o negócio principal do Google – as buscas de conteúdo que lhe trazem bilhões de dólares em anúncios – estaria ameaçado.
É como se o jogo do domínio digital entrasse em uma nova fase. Os alto-falantes são um negócio não tão atraente – as margens de lucro na venda de aparelhos são baixas – mas trazem a possibilidade de chacoalhar os mercados já estabelecidos.
A Microsoft, por exemplo, tem chance de se recuperar no mundo da comunicação. Não com os smartphones, mas com ligações de voz e vídeo a partir do Invoke, em casa ou no trabalho. Como no desenho dos Jetsons, você poderia usar a TV para falar com alguém.
A Apple tem uma base invejável com o iPhone, e graças aos alto-falantes voltaram os rumores de lançamento de uma iTV, que possibilite gerenciar uma gama de aparelhos domésticos.
O Facebook está na primeira infância dos aparelhos inteligentes, mas investe como poucos em sua recém-criada divisão secreta para desenvolvimento de inteligência artificial.
E a Amazon precisa manter-se alerta para não perder a dianteira que conquistou. É a companhia mais bem colocada para este jogo, até porque ele lhe alavanca os negócios existentes. Uma pesquisa recente atestou que 17% dos clientes usa a Alexa para fazer compras na Amazon. Com a disseminação do Echo, essa parcela tende a crescer, açambarcando mais clientes para a gigante do comércio.