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"A busca estará em toda a parte"

Para John Batelle, autor do livro "A Busca", que trata do modelo de negócios do Google, no futuro, tudo o que tiver valor estará indexado nas ferramentas de pesquisa online, até mesmo a localização de nossos filhos

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 12h37.

O Google trouxe mudanças significativas ao modo como as empresas estruturam suas estratégias de marketing. Ao realizar buscas em uma ferramenta online, o usuário está exibindo também suas preferências e comportamento de consumo. O principal problema, porém, é como manter a credibilidade do conteúdo gerado pelos portais como o Google no caso, os resultados das pesquisas sem perder a oportunidade de ganhar dinheiro com links patrocinados e outras formas de patrocinar os serviços.

Segundo John Batelle, autor do livro "A Busca", sobre o Google, no futuro, todos os conteúdos que tiverem algum valor estarão indexados nas ferramentas de pesquisa. Ao "googlar" seus filhos, por exemplo, será possível encontrar sua localização imediata. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida a EXAME:

EXAME Qual é o significado do Google?
John Batelle O Google é uma espécie de procurador para tudo aquilo que esperamos, tememos, desejamos desse vasto universo da web. E isso é um peso muito grande para qualquer empresa carregar.

EXAME De que modo eles mudaram o modo como os negócios e as pessoas se relacionam? Como eles trazem valor para a economia?
Batelle Há muitas coisas nessas perguntas. A primeira coisa que o Google trouxe para a mesa em termos de deslocar a realidade dos negócios é como as empresas encontram seus clientes. Não é uma idéia nova, mas o Google a trouxe com massa crítica para o mercado. A abordagem da busca ao conectar os clientes aos mercadores é no instante da declaração de intenção. Quando você vai a um site de busca e digita o que está procurando, está declarando sua intenção, de um carro novo, uma minivan, uma pesquisa escolar, uma janela, um livro novo ou qualquer coisa. As pesquisas mostram que um grande percentual das buscas que fazemos são motivadas por desejos comerciais e um percentual ainda maior é motivado por desejos de informação que podem acabar em desejos comerciais. Ambos são muito valiosos para quem está vendendo. Quando você declara sua intenção e a página se refaz com anúncios relacionados a essa intenção, você está num estado de compra muito mais próximo de um estado de conteúdo. Isso é uma mudança significativa na forma como o marketing é feito. É extremamente eficiente e funciona muito bem. Permite que centenas de milhares de empresas tenham modificado a maneira como gastam em marketing, para gastá-lo de modo mais eficiente. Isso tem impacto significativo na economia em termos de produtividade e eficiência. As pessoas ainda não notaram isso ainda, mas dê alguns anos e você verá isso nas estatísticas de produtividade em qualquer país que tenha uma economia de busca, o que com certeza inclui o Brasil.

EXAME Isso também adiciona dinheiro aos orçamentos de publicidade, pois gente que nunca teria sido capaz de comprar um anúncio pode pagar por links patrocinados, não?
Batelle Exato. Isso traz um monte de editores e anunciantes para um mercado onde eles nunca poderiam atuar.

EXAME O Google tem uma divisão entre conteúdo editorial e anúncios, como uma editora convencional, enquanto o Yahoo! tem uma abordagem mais fluida. Como você compararia as duas abordagens? Será que essa divisão vai importar no futuro?
Batelle Tanto Google quanto Yahoo! afirmam ter pureza nos resultados da busca e que os anunciantes não têm influência na ordem da resposta da busca na parte orgânica da página. A distinção que o Google tenta frisar todo dia é que o Yahoo! tem uma forma de anúncio chamada "inclusão paga" e o Google não. Ela é uma forma de ter certeza que o sistema de busca indexa suas páginas com regularidade. De acordo com o Yahoo!, isso não afeta a posição do site no resultado da busca. Isso é uma questão de confiar neles, e o Google sempre enfatiza esse ponto.Com respeito à separação entre anúncios e conteúdo, tão bem compreendida e sagrada no mundo da mídia antiga, primeiro é preciso dizer que, segundo pesquisas, pelo menos por enquanto a maioria das pessoas que usam os motores de busca nem sabe a diferença entre as buscas pagas ou não. Os links que são mostrados na primeira página normalmente são mesmo pagos e marcados em cores diferentes ou como links patrocinados. Se for isso o que as pessoas buscam, elas vão clicar sem se preocupar se são pagos ou não, dando dinheiro a todos. O Google sofre com isso tanto quanto todos os demais. Ele vem de um mundo em que havia uma grande confusão, acrescendo a isso o fato de o GoTo.com que depois virou Overture e foi vendido ao Yahoo! era um mecanismo de busca comercial, no qual os resultados eram misturados e ordenados de acordo com quem pagava mais, num modelo parecido com as Páginas Amarelas. Então o Google se diferenciou desse modelo de um modo bastante enfático no final dos anos 90, mas essa diferenciação se perdeu.

"A pessoa que cria o conteúdo precisa estar em um diálogo aberto e transparente com quem consome esse conteúdo."

EXAME Como a audiência se comportará diante disso?
Batelle A questão importante aqui é o que significa exatamente essa linha divisória entre "igreja" e "estado", por que ela existe e como ela deve mudar ao longo do tempo à medida que a mídia se tornar fluente de verdade no ambiente online. Acho que haverá deslocamentos. Será que a audiência vai confiar e respeitar a integridade de um autor? Será o autor honesto e transparente com a audiência? Esse é o elemento chave na relação com a mídia. A pessoa que cria o conteúdo precisa estar em um diálogo aberto e transparente com quem consome esse conteúdo. É um meio cuja forma se aproxima muito mais de uma conversação, portanto o autor tem a habilidade de conversar e discutir o que está acontecendo com a audiência. Se ele tiver um conflito ou tiver recebido dinheiro, pode declarar isso. Dá para ver o que acontece nos blogs, quando alguém diz que tem um novo patrocinador, digamos a Microsoft, e afirma estar bastante feliz que eles estejam subindo a bordo e que não fala da Microsoft, mas que, quando falar, é importante que todos saibam, enfim, isso dá um trabalhão. A audiência pode ler isso e dizer que entende que pelo menos o cara está sendo aberto. Mas você nunca verá o New York Times escrever algo em tom tão próximo de uma conversa. Eles sempre dizem que recebem o dinheiro pelos anúncios e que nunca, de modo algum, isso vai afetar o modo como fazem seu trabalho. Isso é bobagem. E qualquer um que afirma isso não está prestando atenção. Temos essa falsa sensação de segurança criada pela separação entre "igreja" e "estado". Acho possível que, na nova mídia, você confie que a audiência seja capaz de entender as várias agendas dos autores. Os autores de Boing Boing têm um problema muito sério com as tecnologias DRM, usadas pelas empresas de mídia para proteger o conteúdo e escrevem sobre isso todo o tempo. Tivemos uma briga sobre aceitar ou não anúncios de uma empresa que usa DRM. Decidimos que não, porque não queremos apoiar esse uso.

EXAME O Google também confia demais no software, enquanto o Yahoo! está produzindo conteúdo, se aproximou das agências e tenta mergulhar na nova mídia com uma agenda próxima da velha. Como você compararia essas duas abordagens e qual você acha que está certa?
Batelle Não estou seguro de que haja alguém certo ou errado a essa altura. Eles adotam abordagens bem diferentes. O Google aposta em um modelo de negócios de fornecer a receita dos provedores de conteúdo por meio da plataforma de anúncios deles. Eles querem tornar o índice deles tão grande quanto o mundo. Eles querem cada pedaço de conteúdo, seja livro, peça, programa de TV, revista, blog, álbum de fotos, correio eletrônico ou a localização dos seus filhos. Querem cada pedaço possível de conteúdo no índice deles. O negócio que eles querem montar é plugar isso numa plataforma de anúncios capaz de crescer maciçamente, ou talvez numa plataforma de comércio capaz de crescer maciçamente, que funciona por meio de microtransações. O que o Yahoo! quer fazer é isso , mas também querem estar no negócio de ser donos de conteúdo e de criar conteúdo e de lucrar com o valor de ser dono e de criar conteúdo. Falei com todos os lados dessa questão e o que Eric Schmidt [presidente executivo do Google] diz é que há um negócio em fazer conteúdo, só não é um negócio em que eles estejam interessados. Isso permite que eles escapem de alguns conflitos inerentes a criar conteúdo.

"O Google pede perdão. O Yahoo! pede permissão."

EXAME Quais?
Batelle O maior conflito é que você tenderá a exibir o próprio conteúdo quando for feita uma busca. Por exemplo, se eu fizer uma busca pelo músico Usher, no Yahoo! a resposta trará a página do músico no Yahoo! e eles tentarão vender um álbum dele, por meio do Yahoo! Music. Eles dizem que essa é uma oportunidade de ganhar dinheiro com busca. Se você está buscando CDs do Usher, temos para oferecer. O Google não faz isso, portanto eles não têm um conflito quando chegam para as gravadoras e sugerem que elas coloquem todo o conteúdo no índice do Google. Não estamos tentando ganhar dinheiro com esse conteúdo além dos anúncios, portanto vocês devem confiar na gente, não o Yahoo!, que quer tocar a música no serviço deles, em vez do iTunes, do records.com ou do de vocês. Há um conflito potencial ao jogar dos dois lados no mundo do conteúdo e da distribuição. E o Google quer jogar no modelo da distribuição. Porém eles têm uma abordagem de trazer conteúdo ao próprio índice, afirmando ter o direito de indexar toda e qualquer coisa. O Yahoo! não julga ter esse direito e diz que é preciso pedir permissão. As duas empresas têm táticas muito diferentes para trazer conteúdo para dentro do índice. O Yahoo! pede permissão. O Google não. É o que está acontecendo com o Google Print. O Google tem uma abordagem pró-ativa. O Yahoo! tem uma abordagem reativa. O Google pede perdão. O Yahoo! pede permissão. As duas estratégias são no fundo motivadas pelo fato de eles quererem ou não ser donos de conteúdo. Quem quer ser dono age como dono. E donos de conteúdo querem que se peça permissão. O Google não é dono de conteúdo. É uma empresa de tecnologia inovadora. Eles pensam em pedir desculpas. Não têm nenhum outro interesse no conteúdo a não ser indexá-lo.

EXAME Se, como investidor, eu for olhar para essa empresa do Vale do Silício onde todos vivem como se a bolha de internet não tivesse estourado, será que não há nenhuma razão para suspeita? Eles não têm nenhum ponto fraco?
Batelle Têm sim. Eles têm uma linha de receitas, a que vem do AdWords e do AdSense. Tudo o que puder reduzir essa linha de receitas pode destruir a empresa. Houve um momento no ano passado em que as fraudes de cliques tinham esse potencial. Agora, eles se livraram disso como um problema. Há também a questão da confiança. Agora, com o Google como uma grande empresa e um grande alvo, alguém dentro da empresa pode usar informação de má-fé numa escala que pode pôr em xeque a marca e a confiança nela, e criar um êxodo significativo de usuários para outros sistemas de busca. Eles estão trabalhando de forma muito diligente para ter certeza de que não vão fazer um uso ilegítimo de dados pessoais. Outra fragilidade é que a indústria está amadurecendo e há dois grandes atores que estão tentando se tornar melhores do que são, Yahoo! e Microsoft. E há outros tentando chegar perto, como Barry Diller [presidente da Interactivecorp]. Não acho que seja um mercado em que o vencedor levará tudo. Por enquanto, o mercado tem agido de modo relativamente racional. A empresa tem crescido insanamente rápido e tem margens que todo o mundo inveja. As margens brutas, na casa dos 60%, estão sendo recompensadas por Wall Street de modo até inferior ao de outras empresas. Eles são avaliados em algo como 25 a 30 vezes a receita do próximo ano, enquanto outras empresas já foram avaliadas em até 60 vezes. Portanto, há um desconto em ação, acredite se quiser.

EXAME Qual o tamanho da ameaça que o Google representa para a Microsoft?
Batelle Conversei com Eric Schmidt recentemente sobre essa mesma questão e ele me disse que não estava interessado em conquistar o espaço da Microsoft, pois é um espaço já bastante definido. O que, dito de outro modo, pode significar que eles estejam interessados em saber como será a próxima versão desse espaço e em viver lá.

EXAME No seu livro, você argumenta que a abordagem do Google à interface homem-máquina é a primeira revolução desde o Macintosh. Como?
Batelle Eles se aproximaram da forma como normalmente entendemos, pensamos e achamos as coisas: verbalmente. Eles encontraram a palavra. Como naquele poema chamado A Palavra. Nós damos sentido ao mundo por meio da linguagem e assim nos tornamos quem somos. A busca faz a mesma coisa, o que é uma metáfora bastante diferente do Windows. E foi por isso que a busca se tornou uma metáfora melhor para como entendemos o universo informativo da web a busca, porque é com palavras. Também é possível se movendo para a palavra falada e tem gente trabalhando muito duro para fazer isso em outros lugares além do Google e da Microsoft. Mas acredito que a cultura humana, em termos dos artefatos que criamos, das coisa e ferramentas que fazemos, aquele que estamos criando com a busca não apenas aquela caixa branca na sua frente, mas a ferramenta criada pelo uso da web, como uma base de dados de intenções , esse é um extraordinário artefato da cultura humana que está apenas começando a ser mantido e entendido. A busca paga é a primeira expressão dele, que deverá somar um mercado de 25 bilhões de dólares em dez anos. Esse é apenas o primeiro uso. Isso deve crescer ainda muito mais.

"A busca é uma forma de achar e entender toda a informação disponível e de navegar pelo mundo"

EXAME Como você descreveria o futuro da busca?
Batelle A coisa mais verdadeira sobre isso é que a busca estará em toda a parte. Se você considerar verdadeira a premissa de que tudo o que tiver valor estará de alguma forma representado no índice...uau! O que tem valor? Por exemplo, saber a diferença de preços numa área local. Quero saber se uma garrafa de vinho custa 10 dólares aqui, 11 ali e 15 acolá. Dá para imaginar que o preço do vinho numa loja local vai acabar um dia no índice. Também tem valor saber onde estão seus filhos. Você quer ter certeza de que eles estão seguros. Se eles tiverem celulares e um pequeno chip ou etiqueta inteligente no colar ou na mochila, você poderá "googlar" as crianças. Qualquer coisa de valor estará no índice de busca. Pense nisso e você verá a busca em toda parte, não apenas no computador. Estará no telefone, no carro, na televisão, em toda parte, pois é uma forma de achar e entender toda a informação disponível e de navegar pelo mundo. O que é uma idéia que parece vir de um livro de ficção científica. Só que está acontecendo. A outra idéia para responder à sua pergunta é que vamos ver cada vez mais coisas que não estão na web hoje serem conectadas a ela, como o Google Print. A idéia de busca como uma inteligência artificial, pessoal, local, dirigida pela voz está sendo desenvolvida por cada grande empresa, inclusive IBM e NCR, algumas que você não imagina como empresas de busca, mas que estão trabalhando muito duro. A busca vai conhecer você melhor, pois estará minerando todo o seu fluxo de cliques e de seus amigos, colegas e qualquer um com quem você se relacione.

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