Aplicação de Botox (AFP/Mario Vedder/AFP)
Agência O Globo
Publicado em 1 de maio de 2022 às 09h32.
É cada vez maior a procura do grande público por procedimentos estéticos com injetáveis para prevenir rugas ou “harmonizar as expressões”. Na esteira dessa demanda crescente, redes de clínicas dedicadas a oferecer aplicações de toxina botulínica, ácido hialurônico e bioestimuladores de colágeno estão se expandindo de forma agressiva, transformando-se em grandes cadeias do ramo.
Entre os exemplos estão a Botoclinic e a Botocenter, que inauguram pontos comerciais em shoppings e fazem pacotes de “assinaturas de botox”, em que o cliente paga uma mensalidade e pode fazer várias aplicações da toxina ao ano, além de descontos e promoções.
Com preços que partem de R$ 600 para aplicação de botox, que paralisa regiões do rosto para atenuar marcas de expressão e evitar o surgimento de rugas, essas redes evitam contratar médicos para fazer os procedimentos e priorizam o trabalho de outros profissionais habilitados da área da saúde a fim de popularizar o acesso a tratamentos estéticos e à chamada harmonização facial com preços mais baixos.
Nessas clínicas, os procedimentos são commodities: o paciente contrata a aplicação sem necessariamente saber quem será o profissional que fará o serviço, mas costuma pagar menos do que no consultório de dermatologistas ou nas clínicas especializadas mais exclusivas.
A maior empresa do setor hoje é a Botoclinic, que tem 178 unidades em 25 estados. Fundada em 2019 em Porto Alegre pela dentista Cristina Bohrer e seu marido, o investidor Rafael Estevez, a empresa já nasceu com o plano de se tornar uma grande franqueadora de procedimentos de harmonização facial.
Um ano depois, o casal vendeu o controle da empresa por R$ 100 milhões para o fundo de private equity da XP. À época, a empresa já tinha cem clínicas.
Cristina, que permaneceu no negócio como executiva até o fim do mês passado, afirma que a marca manteve ritmo acelerado de crescimento mesmo durante a pandemia, particularmente com a abertura de pontos próprios. Hoje, são 68 clínicas da companhia e 110 franqueadas. O preço médio de uma aplicação de botox é R$ 1.190.
A dentista gaúcha explica que, desde o início, a Botoclinic contrata profissionais que não são médicos para a realização dos procedimentos.
— Os conselhos de medicina não permitem que os médicos anunciem promoções e preços, como podem fazer os farmacêuticos e enfermeiros, por exemplo — explica.
Procurada pela reportagem, a nova gestão da Botoclinic não quis dar entrevista.
A possibilidade de profissionais de saúde que não são médicos realizarem procedimentos estéticos com injetáveis é objeto de uma batalha antiga entre os conselhos de medicina e os órgãos reguladores de profissões como biomedicina, enfermagem, odontologia e farmácia.
A disputa pela mina de ouro da vez na indústria da beleza está nos tribunais há anos. O Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) movem uma série de processos nos quais reivindicam que apenas médicos formados possam fazer quaisquer procedimentos com seringas.
O argumento é o de que apenas médicos estariam capacitados para lidar com eventuais complicações dos resultados. Os órgãos de classe das outras profissões contestam e, por enquanto, têm assegurado seu lugar ao sol.
Para Ricardo Matiusso, diretor executivo da rede Botocenter, criada em Recife em 2019 e que tem 25 unidades em 11 estados, a realização de procedimentos por profissionais não médicos capacitados é uma forma segura de democratizar o acesso à harmonização facial. A estratégia de crescimento da marca dele mira o público da classe C.
— Nossa ideia é ter um bom custo-benefício e produtos de primeira linha. Nossos profissionais são dentistas, e não pensamos em contratar médicos. Vemos a atual situação de mercado como uma espécie de Uber da estética. Os taxistas podem não gostar, mas os profissionais novos são capacitados e atendem a uma demanda antes desassistida por questões de preço e falta de capilaridade — afirma Matiusso.
A Botocenter tem forte atuação em estados do Norte e Nordeste. Recentemente lançou um modelo de miniclínicas que podem ser instaladas dentro de outros pontos comerciais, como salões de beleza, por exemplo. A primeira unidade do tipo foi inaugurada em abril no Venice Hair, na Alameda Santos, em São Paulo.
— As consumidoras de salões de beleza são pacientes em potencial, há grande possibilidade de sinergia entre os negócios — diz Matiusso.
A empresa pernambucana também oferece procedimentos com ácido hialurônico. A substância é injetada nos procedimentos chamados de preenchimentos, principalmente na face, com o intuito de dar volume a certas regiões, como lábios, ou atenuar rugas mais profundas.
Desde sua fundação, a Botocenter oferece um serviço de “assinatura” de aplicações do botox. O cliente paga uma mensalidade e tem direito a se submeter ao procedimento a cada quatro meses. A toxina botulínica promove o seu efeito no rosto paralisando músculos. A substância é reabsorvida pelo corpo, de modo que cada aplicação costuma durar de três a seis meses.
Para Raquel Ferreira Chaves, delegada do Conselho Regional de Biomedicina da 1ª Região, responsável por Rio e São Paulo, as redes de franquias do setor são importantes centros de formação de profissionais da área:
— Essas redes oferecem oportunidades de treinamento para que o atendimento seja padronizado e promovem emprego para diversas categorias de profissionais em áreas que antes eram restritas. No caso da biomedicina, a área da estética (e a possibilidade de realização de procedimentos com injetáveis) está regulamentada pelo Conselho desde 2010.
Mais do que uma briga sobre reserva de mercado, a questão sobre quem pode ou não fazer procedimentos com injetáveis envolve também uma discussão sobre riscos à saúde.
Para o Conselho Federal de Medicina (CFM), aplicações de substâncias no corpo de pacientes são procedimentos invasivos e só poderiam ser realizados por médicos.
— Farmacêuticos, biomédicos, bioquímicos, enfermeiros, dentistas e outros profissionais que aplicam injetáveis para fins estéticos fazem atos médicos para os quais não têm conhecimento necessário. Há risco para pacientes. Embora complicações não sejam frequentes, há casos de lesões definitivas e até morte por erro — diz Salomão Rodrigues Filho, conselheiro do CFM.
A recomendação do órgão é que os pacientes procurem sempre médicos com formação específica. Salomão critica ainda a publicidade e promoções feita por clínicas. Os conselhos de medicina vetam a publicidade para médicos, bem como quaisquer anúncios no estilo “antes e depois” que exponham pacientes.
— A medicina é sacerdócio, isso não é compatível com a publicidade exagerada nem com promessa de resultados — diz o conselheiro.
Já o médico Diogo Rabelo, que diz fazer cerca de mil procedimentos estéticos por ano, afirma não ser contra a atuação de profissionais de outras áreas no ramo da estética:
— O sol brilha para todos. A mão de obra de médicos é mais cara, mas a formação também é mais completa.
Dentistas costumam alegar que fazem na faculdade um conhecimento profundo dos músculos da face. Para Raquel Ferreira Chaves, do Conselho Regional de Biomedicina da 1ª Região, biomédicos estão aptos a fazer os procedimentos.
— O curso de biomedicina dá embasamento para o profissional atuar na área, e os serviços de estética são complementares aos da medicina — ressalta Raquel.
Apesar de ser mais permissivo quanto às peças de divulgação do que o CFM, o órgão de classe dos biomédicos também é contra o que Chaves chama de “mercantilização” do ofício:
— Não somos profissionais do embelezamento, mas da área da saúde. Não se deve escolher o serviço por uma oferta de preço, e sim pela confiança no profissional. Por isso, desde 2020 proibimos a divulgação de preços.