Revista Exame

Yahoo tem uma última jogada - e ela precisa funcionar

Marissa Mayer tentou revitalizar uma das pioneiras da internet, mas tudo deu errado. Seu fracasso mostra como é difícil se reinventar no mundo digital


	 Marissa Myer, do YAHOO: o esforço não foi suficiente e o Yahoo acabou vendido à operadora Verizon por 4,8 bilhões de dólares
 (Bloomberg)

Marissa Myer, do YAHOO: o esforço não foi suficiente e o Yahoo acabou vendido à operadora Verizon por 4,8 bilhões de dólares (Bloomberg)

DR

Da Redação

Publicado em 6 de agosto de 2016 às 05h56.

São Paulo — Desde que assumiu a direção do yahoo há quatro anos, a americana Marissa Mayer viu cada decisão sua ser comentada e escrutinada. A pergunta que estava sempre no ar: será que uma das mulheres mais influentes do Vale do Silício, ex-vice-presidente do Google, conseguiria salvar uma das empresas mais encrencadas da internet?

A resposta veio no fim de julho, quando foi anunciado que a empresa de telecomunicações Verizon havia aceitado comprar as divisões de buscas, serviços online e de mídia do Yahoo por 4,8 bilhões de dólares — uma decisão que a presidente tinha feito de tudo para combater. Super-Marissa havia falhado miseravelmente.

Culpa dela? Ou prova de que raramente o mundo da tecnologia oferece uma segunda chance a quem perdeu o bonde da história? Suor não faltou. Em quatro anos na companhia, Marissa promoveu uma reestruturação geral nos negócios.

A engenheira cortou produtos custosos que atraíam poucos usuários, como um serviço de mapas, e fez uma mudança completa em outras ferramentas populares, como o site de foto­grafia Flickr e o serviço de e-mail. Investiu na melhoria da tecnologia de buscas e criou uma divisão de negócios batizada de Mavens (um acrônimo para mobilidade, vídeo, publicidade nativa e redes sociais, em inglês).

Marissa também comprou uma série de startups para usar sua tecnologia dentro do Yahoo e conseguir atrair mais usuários. Ao longo de quatro anos foram 53 aquisições. A maior e a mais conhecida é a do site de microblogs Tumblr, comprado em 2013 por 1,1 bilhão de dólares. Nos primeiros anos, parecia ser um bom plano para colocar o Yahoo na ro­ta de crescimento.

De julho de 2012 a dezembro de 2014, o preço das ações saiu da faixa dos 16 dólares para 50 dólares. Como sempre ocorre no mercado financeiro, os investidores tenta­vam se antecipar. Diante de alguns nú­meros positivos, apostaram que o Yahoo poderia voltar a seus dias de grande estrela da tecnologia.

De 2012 a 2015, as contas registradas no ­Tumblr subiram de 62 milhões de visitantes por mês para 220 milhões. Porém, nos últimos tempos, ficou claro que se tratava de um voo de galinha. As operações do Yahoo e as aquisições passaram a consumir muito dinheiro sem trazer os resultados financeiros es­perados.

Em 2015, o Yahoo faturou 4,9 bilhões de dólares, exatamente a mesma quantia obtida em 2012, quando Marissa assumiu a presidência. Pior: passou a perder muito dinheiro. Em 2012, as operações geravam um lucro de 565 milhões de dólares. Em 2015, tiveram prejuízo de 287 milhões. Os investidores, que já não estavam contentes com o desempenho da empresa, perderam a pa­ciên­cia de vez e exigiram mudanças.

Criado em 1994 por Jerry Yang e David Filo, então dois estudantes de graduação na Universidade de Stanford, o Yahoo começou como um catálogo de páginas na internet. Numa época em que os buscadores tipo Google não existiam, era por meio de serviços como o Yahoo que as pessoas encontravam os sites que desejavam acessar.

No Brasil, um dos que faziam esse trabalho era o antigo site Cadê, comprado justamente pelo Yahoo em 2002. Aos poucos, a empresa incrementou sua página para se tornar um portal de destino na internet, reunindo uma série de serviços: e-mail, notícias, resultados esportivos, previsão do tempo, perguntas e respostas e informações financeiras.

Desde o começo, o negócio principal sempre foi baseado na venda de espaço publicitário para a variedade de ferramentas online oferecidas. Isso fez a empresa deslanchar na virada dos anos 2000, quando chegou a valer 128 bilhões de dólares. Mas não foi o suficiente para evitar que outras tecnologias tomassem seu lugar.

Quando o Google surgiu, em 1998, o Yahoo demorou a perceber a ameaça que os mecanismos de busca representariam a seu negócio. O buscador do Yahoo só surgiria em 2003, quando a expressão “dar uma googada” já começava a ficar popular. Esse padrão se repetiria nos anos seguintes.

“O Yahoo perdeu a batalha das buscas, perdeu a batalha das redes sociais e nunca teve muito sucesso em se tornar um grande desenvolvedor de aplicativos. O que sobrou foi apenas seu negócio original, que é a venda de publicidade”, diz Sinan Aral, professor de marketing e tecnologia da informação na Sloan School of Management, a escola de negócios do Massachusetts Institute of Technology.

De 2011 a 2016, a receita com publicidade digital do Yahoo caiu de 3,4 bilhões para 2,8 bilhões, aproximadamente 1,5% do mercado como um todo. Enquanto isso, concorrentes como o Google e o Facebook se consolidaram na liderança. 

Viral

Uma teoria frequentemente usada para explicar o sucesso de empresas de tecnologia é chamada por estudiosos de “efeito da rede”. Segundo esse princípio, o valor de um serviço ou tecnologia pode ser medido pela quantidade de pessoas que fazem uso deles em determinado intervalo de tempo.

Se um site tem 1 000 usuários em certo mês e chega a 2 000 no mês seguinte, significa que seu valor quadruplicou. Isso porque cada usuário tem o potencial de atrair pelo menos mais uma pessoa ao serviço. O Yahoo, mesmo com 1 bilhão de visitantes por mês em todos os seus serviços, luta há tempos para fazer esse número crescer.

E ele não cresce porque o Yahoo nunca conseguiu se estabelecer como um líder num nicho específico. Os mecanismos de busca hoje são dominados pelo Google. As redes sociais, pelo Facebook. Os aplicativos de mensagens, pelo WhatsApp. E por aí vai.

“Os maiores concorrentes do Yahoo têm uma proposta central muito clara. O Yahoo, com suas dezenas de serviços online, não”, diz Gyanee Dewnarain, vice-presidente de pesquisas da consultoria Gartner, especializada no setor de tecnologia.

“Marissa tinha mesmo uma tarefa muito difícil: recuperar uma empresa que já estava em declínio há tempos”, diz Michael Cusumano, pesquisador de estratégia empresarial na Sloan School of Management.

Se nem Marissa nem os sete presidentes que a antecederam deram um jeito no Yahoo, a pergunta que fica é: por que a Verizon se interessou pela compra, que só deverá ser concluída em 2017? A Verizon é a operadora líder em telecomunicações nos Estados Unidos e vende assinaturas de banda larga, TV a cabo e celular no país. Ao todo, são mais de 125 milhões de assinantes, somando todos os serviços.

Para parte dos analistas, faz mesmo sentido a Verizon ter o Yahoo. A empresa pode combinar a base de dados de seus milhões de usuários de telecomunicações com as plataformas de anúncios na internet. Dessa maneira, seria possível oferecer anúncios mais precisos e personalizados às pessoas que visitam os serviços online do Yahoo.

Outro caminho para se beneficiar é usar a base de assinantes de banda larga, TV e celular para promover os serviços online do Yahoo.

“O que precisa acontecer para que a Verizon se torne competitiva é criar uma plataforma de venda de anúncios centralizada que integre os diferentes sites do Yahoo e da também recém-adquirida AOL, dona de sites de notícias, como o Huffington Post e o Techcrunch”, diz Martín Utreras, analista sênior da consultoria de marketing digital eMarketer.

Se a Verizon conseguir reinventar e salvar o Yahoo, terá dado sobrevida a um dos dinossauros da rede. Caso contrário, o Yahoo entrará para os livros de história da internet. Até agora não se sabe ao certo se Marissa ficará na direção da empresa depois da conclusão do negócio. De qualquer forma, os quatro anos de Yahoo já renderam mais de 200 milhões de dólares à sua já vasta conta bancária.

Acompanhe tudo sobre:Edição 1118EmpresasEmpresas americanasEmpresas de internetInternetMarissa MayerMulheres executivasYahoo

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda