William Chin, diretor de commodities da bolsa de valores de Singapura, e um dos maiores especialistas em logística do mundo, diz que esse mercado deve continuar tão volátil quanto o de criptomoedas. (Leandro Fonseca/Exame)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 22 de março de 2024 às 06h00.
Interrupções nas cadeias de logística, com falhas e atrasos nas entregas de produtos, se tornaram notícia comum nesta década. O problema começou na pandemia, em 2020, quando fábricas fecharam as portas e faltavam trabalhadores em portos, galpões e nas cabines de caminhões. Depois vieram outros entraves, como a guerra na Ucrânia, a partir de 2022, e o conflito entre Israel e o Hamas, que se intensificou nos últimos meses e afetou indiretamente o tráfego de navios no Canal de Suez, no Egito, uma das rotas navais mais movimentadas do planeta.
Com tantas variáveis, a volatilidade dos custos de logística ficou tão alta quanto a das criptomoedas, compara William Chin, diretor de commodities da SGX, a bolsa de valores de Singapura. Ele veio ao Brasil no começo de março conversar com produtores brasileiros e investidores em commodities. Um dos pontos que mais interessam a ele é o minério de ferro, que ganha destaque no mercado por causa da transição energética, na qual será ainda mais necessário. O Brasil é o segundo maior produtor do item, atrás apenas da Austrália, e tem reservas de alta qualidade. Na conversa com a EXAME, Chin falou ainda sobre os riscos geopolíticos e como o Brasil ficou para trás no movimento de nearshoring.
Nos últimos anos, houve vários problemas com a logística global. Como isso tem afetado o mercado de commodities?
Isso começou na época da covid-19, quando houve rupturas nas cadeias de suprimentos. Mais de 90% do comércio global atualmente trafega pelo mar, e o maior desafio é que uma pequena variável, como um congestionamento no Canal de Suez ou no do Panamá, leva a um grande problema. Para nós, o grande foco como bolsa de valores é criar formas de gerenciar a volatilidade dos preços. Alguns investidores apreciam especular com criptomoedas, porque elas são muito, muito voláteis, e a navegação está atualmente muito volátil também. Com isso, a necessidade de gestão de risco se torna muito real.
Quais são as principais mudanças da cadeia logística?
Há alguns movimentos diferentes em andamento. Um deles é o nearshoring, no qual as empresas, dadas as considerações geopolíticas, pensam: “Como eu olho para minha cadeia de suprimentos e garanto que haverá formas de minimizar rupturas?”. O nearshoring traz algumas coisas. Há uma ideia de que quando você adota o nearshoring precisa de menos navegação, mas não é realmente verdade, porque ao fim do dia você ainda tem de levar os produtos até os consumidores, e essa “última milha” ainda pode ser crítica. Será muito importante pensar no gerenciamento de riscos de transporte, porque hoje os consumidores não pensam sobre isso como um custo separado, ao comprar móveis, um televisor ou outras coisas. O custo de transporte é embutido nos preços, e se torna muito importante encontrar um modo de trazer visibilidade a isso, porque os custos de transporte têm um grande potencial para subir e descer muito rapidamente. Antes de ter um tablet, por exemplo, há muito material usado em sua fabricação que precisará ser transportado ao redor do mundo. Então boa parte do transporte é silenciosa. Quando você pensa em mercados e commodities, todo mundo entende que energia é importante, mas as pessoas não pensam sobre o transporte. Achamos que o desenvolvimento do transporte de mercadorias vai se tornar algo de valor tão grande quanto as maiores commodities globais.
Como avalia as capacidades logísticas do Brasil atualmente?
Quando desenvolvemos um mercado de commodities, não se trata apenas da estrutura física, mas de como se pode ajudar na transparência da precificação. A logística, por exemplo, é um mercado muito opaco por causa da quantidade de papeladas e intermediários necessários para levar um produto do ponto A ao B. Uma das coisas que tentamos fazer, como bolsa de valores, é trabalhar com os parceiros para trazer visibilidade à precificação. Com isso, você pode ser mais eficiente ao alocar recursos e saber qual é o modo mais eficiente de levar sua carga. Quando você é capaz de gerenciar riscos, consegue reduzir a volatilidade nos lucros e gastos e ser uma empresa muito mais eficiente. Geralmente, não olhamos para mercados individuais, mas, se olhamos para os mercados de transporte como um todo, a quantidade de trabalho manual envolvido significa que não é um mercado digitalizado. A logística é um dos mercados que estão muito direcionados para a digitalização. É uma tendência que deve continuar no futuro próximo.
Como vê a posição do Brasil no movimento de nearshoring?
É um processo que afeta diferentes indústrias de diferentes formas. Se um país produz muito, mas consome muito, não é necessário nearshoring porque há consumo doméstico. Focamos o comércio marítimo, o que é exportado. O Brasil é um grande país agrícola, que exporta muita soja, minério de ferro, e parte do nearshoring é difícil de implantar porque sua produção está aqui e o consumo está a milhares de quilômetros de distância, em outra parte do mundo. Isso traz um desafio. Muitos países tentam criar valor na indústria, e com isso a habilidade de aproximar alguns aspectos da produção é mais forte. Se você apenas exporta materiais simples, isso é mais difícil.
Quais riscos geopolíticos têm chamado mais sua atenção?
Se você olhar para as grandes economias, como Estados Unidos, China e Índia, elas estão se desenvolvendo muito rápido e começaram a exercer certa influência sobre como querem atuar e como devem ser as regras do comércio. Isso traz um desafio natural para a ordem mundial, que estava muito acostumada a certo modo de fazer as coisas. A China tem um estilo específico de negociar no comércio global, a Índia tem seu estilo, e então há pontos naturais de fricção, pois há ideologias e abordagens diferentes. As coisas vão mudar, e há uma evolução contínua nessa direção. Espero que, ao fim do dia, o senso comum prevaleça e as pessoas entendam que o propósito de como as coisas são desenhadas é para melhorar a vida de cidadãos como nós.
O Brasil hoje é o segundo maior produtor de minério de ferro do mundo. O país teria chance de chegar ao primeiro lugar?
Nunca fomos muito focados na escala de produção. Não é sobre a quantidade, mas sobre a qualidade. O que é realmente impressionante sobre o Brasil é o depósito de minério de ferro de alto nível que há no solo aqui. E a questão de preparo para o futuro é importante, como em termos ESG, de sustentabilidade ambiental. Qualquer empresa que fizer isso direito vai se tornar uma líder nesse cenário.
A China tem registrado uma desaceleração na economia. Como isso pode afetar o mercado de commodities e o Brasil?
Alguma desaceleração na China vai afetar a demanda, mas, quando você analisa a história e o mercado de minério de ferro, vê que haverá períodos de demanda forte e períodos de demanda mais fraca. São ciclos econômicos naturais. Quando você olha para o que há no horizonte para os próximos dois a cinco anos, muito do foco dos investidores estará em como os mineradores e as companhias pensam na agenda de ESG e sustentabilidade. Isso trará novas oportunidades. Quando pensamos no ferro para a produção de aço, usado no desenvolvimento de infraestrutura, da construção civil, imóveis, é potencialmente muito interessante o fato de que há novas dimensões para os negócios, como o processo de transição energética. O minério de ferro e o aço são materiais importantes nesse processo, e isso criará bolsões de demanda na economia.
E como vê o desenvolvimento do chamado aço verde?
O jogo da produção de aço teve um grande desenvolvimento de mercado com a evolução do aço verde. As questões fundamentais que terão de ser respondidas quando se fala sobre aço verde é quem está disposto a pagar a diferença por isso. Como consumidor, quanto eu estou disposto a pagar por um aço limpo, que demanda mais gastos com pesquisas? Caso sim, haverá mais recursos para o aço verde. Há a transição energética e toda a discussão sobre os créditos de carbono, pegadas de carbono etc. Levará algum tempo para essas discussões se resolverem e os passos acontecerem.
Avalia que as empresas estão mais dispostas a pagar esse valor extra?
A precificação é um reflexo da capacidade de pagamento e das perspectivas econômicas. Um desafio geral em relação ao clima é que, quando as companhias estão indo bem, elas têm menos problemas para pagar um valor extra. Quando não estão bem, há um foco mais intenso em cortar gastos. Mas está ficando muito claro que o ambiente está em perigo. Quando falamos de disposição para pagar, há muitos componentes. Um deles é ter de fazer isso porque meus acionistas esperam que eu faça, ou porque há uma taxa de carbono. E há ainda uma natureza das pessoas em fazer isso porque elas querem o bem para o meio ambiente e, ao longo do tempo, vamos ver mais e mais disso acontecendo. Algumas vezes, uma mudança de mentalidade é um caminho longo. Hoje em dia você pode comprar um produto e pagar uma taxa para compensar sua pegada de carbono. Ao longo do tempo, mais e mais pessoas têm feito isso voluntariamente. É uma mudança comportamental, e isso deve ocorrer também com o aço verde.