Revista Exame

O que a tecnologia de reconhecimento facial já pode fazer por você

Com o avanço da tecnologia, as pessoas estão fazendo cada vez mais coisas mostrando apenas a face

iPhone X: o celular deixou o reconhecimento facial mais próximo do consumidor (Edgar Su/Reuters)

iPhone X: o celular deixou o reconhecimento facial mais próximo do consumidor (Edgar Su/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 7 de junho de 2018 às 05h58.

Última atualização em 13 de junho de 2018 às 12h13.

Em 1993, um cartoon do ilustrador Peter Steiner, publicado na revista New Yorker, ficou famoso ao retratar com precisão o ambiente de anonimato possibilitado pela internet. Na ilustração, um cachorro sentado diante de um computador diz a outro cão: Na internet ninguém sabe que você é um cachorro. A frase se tornou emblemática das relações nos primeiros anos da vida digital. Vinte e cinco anos depois, ainda é difícil saber com segurança quando alguém é realmente quem diz ser online. Mesmo assim, a cada ano, a frase do personagem de Steiner perde o sentido graças ao avanço de tecnologias que passaram a fazer parte de nosso cotidiano sem muito alarde. Hoje, nossos celulares já sabem quem somos, reconhecendo rostos e impressões digitais. Agora é possível fazer pagamentos com uma selfie — até aeroportos já identificam passageiros em embarques internacionais apenas pelo rosto.

O mercado de reconhecimento biométrico está em franca ascensão e deverá alcançar 30 bilhões de dólares em 2021, segundo estimativas da empresa de pesquisa ABI Research. Dados da consultoria de tecnologia Tractica apontam que só com reconhecimento facial as empresas esperam faturar 882 milhões de dólares em 2024. “Novas gerações de consumidores valorizam a funcionalidade das coisas. Se a biometria facial for fácil de usar e deixar a tecnologia mais amigável, tem tudo para ser adotada”, afirma Luiz Arruda, diretor da Mindset, braço de consultoria do grupo britânico WGSN, a maior ferramenta de tendências do mundo.

Gigantes do mercado de tecnologia começam a trabalhar em aplicações de reconhecimento em seus aparelhos e softwares. A Microsoft oferece autenticação com fotos no sistema operacional Windows 10. A Amazon aplica o reconhecimento de voz à assistente pessoal Alexa. Startups correm para apresentar inovação nesse mercado, como a russa NTechLab e as chinesas Megvii e SenseTime — a startup de inteligência artificial mais valiosa do mundo, estimada em 3 bilhões de dólares. Desde o lançamento do celular iPhone X, da Apple, em setembro, com a tecnologia do Face ID, o reconhecimento de rostos está cada vez mais presente em nossa vida. E, consequentemente, a capacidade de as empresas identificarem quem somos.

Por aqui, startups começam a aplicar esse recurso para solucionar problemas bem comuns. A Acesso, companhia especializada em armazenar dados de pessoas para reduzir a burocracia com documentos, está montando uma base cadastral privada de brasileiros. Líder desse mercado no país, a empresa oferece a Acessobio, ferramenta de identificação facial que fornece uma base de dados para que outras empresas possam checar a identificação de um cliente, com o objetivo de evitar fraudes e roubo de identidade. Mais de um terço da população economicamente ativa do Brasil já está no banco de dados da Acesso, que consegue cadastrar entre 1 milhão e 2 milhões de pessoas por mês. A meta é que, nos próximos três anos, toda a população economicamente ativa do país esteja na base de dados, com nome, documentos e, claro, o rosto.

Entre os usos da biometria facial da Acesso estão a verificação de identidade para compras em sites de comércio eletrônico ou para uso de cartão de crédito e até mesmo a substituição de cartão nas compras em lojas físicas. Toda pessoa que solicita crédito ou compra num dos clientes parceiros da Acesso gera um novo cadastro na base biométrica, que alia à foto documentos como RG e CPF. Quando uma identidade precisa ser checada, uma foto da pessoa é enviada à Acesso, que fornece um score analisando a semelhança entre a foto tirada e seu registro. As imagens dos clientes não ficam em posse das empresas parceiras — é a própria Acesso que as mantém e é responsável pela segurança. O uso é autorizado pelo “dono do rosto” toda vez que uma nova empresa solicita acesso ao cadastro, seguindo normas como o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR, na sigla em inglês), que entrou em vigor na Europa em maio.

Check-in da Gol: a empresa aérea já embarcou mais de 1 milhão de passageiros com reconhecimento biométrico de rosto | Alf Ribeiro/AGB Photo

A Acesso diz fornecer tecnologia para 70% do mercado de fintechs (startups de finanças), incluindo a companhia de cartões de crédito Nubank, além de varejistas como Riachuelo e Via Varejo e operadoras de telefonia. “Nossa inspiração é o sistema público de identificação digital da Estônia, onde tudo, até mesmo o voto, é feito pela internet com base numa identidade online segura”, diz Diego Martins, fundador da Acesso. “Nossa ambição é construir essa identidade digital do brasileiro para que empresas possam reduzir a burocracia, evitar fraudes e aumentar as vendas.” Segundo um levantamento da Acesso, fraudes e falsidade ideológica elevam o custo para o consumidor em serviços financeiros — parte do spread bancário (a diferença entre o custo com que os bancos captam recursos no mercado e os emprestam aos clientes) decorre dos custos com fraudes por falsidade ideológica. Outro setor que pode se beneficiar da tecnologia de reconhecimento facial é o de serviços médicos, que enfrenta problemas para detectar casos de uso indevido de carteirinhas de plano de saúde.

Em alguns segmentos, o uso de tecnologias biométricas para resolver problemas de identificação se encontra em estágio avançado. Na área de meios de pagamento, a empresa de cartões de crédito Mastercard lançou em 2016, em parceria com bancos, uma solução biométrica que foi expandida durante o ano passado e já está no Brasil e em mais de 40 países. Segundo Renato Ottoni, diretor de segurança da Mastercard no Brasil, o processo rápido de verificação de identidade permite aumentar a conversão e a segurança das transações. “Os usuários preferem usar biometria porque é mais fácil do que usar senhas enviadas por SMS e porque agiliza o processo”, diz Ottoni. “Quanto mais complicado, menor a conversão de uma compra.”

Na esteira do reconhecimento facial, outras empresas começam a investir em mecanismos de segurança para verificar se o rosto capturado é real. A startup canadense Ooblex criou um sistema que detecta em tempo real falsificações em vídeo. EXAME esteve presente numa demonstração feita pela empresa em Toronto: o sistema reconhecia o momento em que o rosto de uma pessoa era transformado automaticamente no alaranjado presidente americano Donald Trump. A criação dessa máscara digital foi feita com apenas 8 horas de programação. “Imagine o que hackers não poderiam fazer com mais tempo? Poderiam se passar por outra pessoa numa conversa por videoconferência, por exemplo”, diz Steven Gans, presidente da Ooblex.

A companhia vende o sistema para bancos canadenses, autenticando transações e também conversas remotas entre gerentes e clientes. A ideia é oferecer o serviço também para empresas de mídia, para assegurar a identidade de entrevistados e de transmissões ao vivo na TV. “Como estamos no começo do desenvolvimento da tecnologia de reconhecimento facial, é preciso ter meios de dissipar dúvidas e autenticar a veracidade das imagens”, afirma Gans.

Enquanto a Acesso utiliza uma tecnologia de reconhecimento de terceiros, aprimorando-a internamente para garantir “prova de vida” (por exemplo, para evitar que o reconhecimento facial não seja burlado por uma fotografia), há startups trabalhando diretamente para desenvolver a tecnologia de reconhecimento por aqui. A FullFace, empresa acelerada pelo Cubo, espaço de fomento tecnológico do banco Itaú, consegue avaliar 1.024 pontos de uma face e criar uma espécie de “CPF facial” com 16.000 dígitos, armazenado em nuvem. Isso garante a criação de um banco de dados mais rápido e seguro, na medida em que não é possível fazer a “engenharia reversa” do dado, ou seja, não é possível recriar um rosto a partir do CPF atribuído a uma pessoa. “É muito difícil identificar pessoas no universo digital. Com nosso algoritmo, tentamos garantir mais segurança em controle de acesso e redução de fraudes financeiras”, diz Danny Kabiljo, fundador da FullFace. Segundo ele, a tecnologia é capaz de distinguir irmãos gêmeos, algo que nem o iPhone X faz bem. A empresa espera faturar 3,5 milhões de reais em 2018.

Entre os clientes da FullFace está a companhia aérea Gol, que implantou a tecnologia em seu aplicativo para que passageiros possam realizar o check-in utilizando reconhecimento facial — a Gol é a primeira empresa de aviação a fazer isso no mundo. “Sempre nos perguntamos como acelerar o embarque dos passageiros. Encontramos na biometria facial uma solução para problemas como lembrar o código localizador ou achar aquele e-mail com as informações de check-in”, afirma Maurício Parise, diretor de marketing da Gol. Desde que a solução foi adotada, há um ano, mais de 1 milhão de checkins foram realizados por reconhecimento facial.

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