Revista Exame

No México, um candidato populista promete peitar Trump

O populista de centro-esquerda Andrés Manuel López Obrador captura a insatisfação da população com a corrupção e a violência

O candidato mexicano López Obrador: ele tem 40% das intenções de voto | Servando Gomez Camarillo/Getty Images /  (Servando Gomez Camarillo/Getty Images)

O candidato mexicano López Obrador: ele tem 40% das intenções de voto | Servando Gomez Camarillo/Getty Images / (Servando Gomez Camarillo/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 21 de junho de 2018 às 05h00.

Última atualização em 21 de junho de 2018 às 05h00.

México realiza no dia 1o de julho sua eleição presidencial mais importante em duas décadas, tendo como pano de fundo um quadro contraditório. De um lado, o meio empresarial do país comemora os indicadores da economia mexicana, que acumula 33 trimestres de crescimento consecutivo. A aprovação de reformas pró-mercado em 2013 ajudou a atrair investimentos externos, a reduzir a taxa de desemprego (de apenas 3,4%) e a ampliar as exportações, que somaram 400 bilhões de dólares em 2017 — quase o dobro das brasileiras. Se a economia vai bem, por outro lado, o México parece uma nau à deriva em meio a escândalos de corrupção e uma violência descontrolada. De 2006 para cá, mais de 220.000 pessoas foram assassinadas no país.

Nesse cenário conturbado — que inclui ameaças do presidente americano, Donald Trump, de erguer um muro na fronteira entre os dois países e abandonar o Nafta, tratado de livre comércio responsável por metade das exportações mexicanas —, brilha um candidato populista que promete peitar Trump, combater a violência e enquadrar os corruptos: Andrés Manuel López Obrador, de 64 anos, oposicionista de centro-esquerda conhecido pelas iniciais de seu nome, AMLO.

Apontado pelas pesquisas como favorito, Obrador concorre pelo Movimento de Regeneração Nacional (Morena), partido que criou em 2014 e cujo nome exótico reflete sua principal bandeira, a luta contra a corrupção. Com o dobro das intenções de voto em relação ao segundo colocado, o conservador Ricardo Anaya, do Partido de Ação Nacional (PAN), Obrador ainda tem a favor o fato de a eleição ser disputada em apenas um turno. AMLO aparece com 40% nas pesquisas, com confortável vantagem sobre os 20% de Anaya. O candidato do governo, José Antonio Meade, do Partido Revolucionário Institucional (PRI), tem 13%.

Articulado e carismático, Obrador iniciou a carreira política liderando uma organização de apoio aos índios no estado de Tabasco, no sul do país, mas só ficou conhecido nacionalmente depois de ser eleito prefeito da Cidade do México em 2000. Marcou sua gestão pelo equilíbrio do orçamento. Durante o mandato, eliminou cargos supérfluos e deu o exemplo morando num apartamento modesto e dirigindo o próprio carro. Deixou o cargo em 2005 com 80% de aprovação.

Outros fatores explicam o favoritismo de Obrador, que concorre à Presidência pela terceira vez. Um deles é o desgaste enfrentado pelo atual presidente, Enrique Peña Nieto, do tradicionalíssimo PRI — partido que governou o México de 1940 a 2000, voltando ao poder em 2012 . Depois de costurar um acordo no Congresso para aprovar reformas que abriram a economia do país, Peña Nieto manchou seu mandato com escândalos de corrupção em série, incluindo a compra milionária de uma mansão de um empreiteiro ligado ao governo. Também fracassou nas promessas de acelerar o crescimento econômico e reduzir a violência. Com 69% de desaprovação, Peña Nieto tornou inviável a chance de Meade, o candidato do PRI.

Segundo analistas, a vantagem de Obrador nas pesquisas reflete o colapso do sistema político-partidário mexicano, afetado pela corrupção. A Justiça é omissa e o Congresso atua como um balcão de negó-cios, como no Brasil. De acordo com a ONG Trans–parência Internacional, o México es-tá na 135a posição entre os 180 países avaliados pelo índice de percepção de corrupção, situando-se entre os mais corruptos do mundo (o Brasil está em 96o). Para a cientista política mexicana Ivonne Acuña, da Universidade Iberoamericana, essa é a principal causa do sucesso de um candida-to populista como Obrador. “Partidos como PRI e PAN, que ocuparam o poder, per–de-ram a credibilidade a ponto de comprometer o crescimento econômico, a redução da pobreza e o combate à violência, as grandes preocupações da população”, diz Ivonne.

A cultura da propina ofuscou até as -boas iniciativas do presidente Peña Nieto, como as reformas econômicas. O pacote de 11 medidas pró-mercado teve impacto nos setores de energia, telecomunicações e educação. O novo modelo energético, incluindo o fim do monopólio da Pemex (a estatal de petróleo), deve atrair 175 bilhões de dólares em investimentos no setor nos próximos anos. Na área de telecomunicações, a nova regulamentação enfraqueceu o poder do magnata da telefonia Carlos Slim, dono da América Móvil: as tarifas de telefonia caíram pela metade e o número de mexicanos com acesso a banda larga móvel triplicou. Já a reforma educacional ampliou o investimento em escolas. Os feitos positivos de Peña Nieto terminam aí. As negociatas no Congresso para aprovar as medidas, incluindo distribuição de cargos, aliadas à má gestão fiscal, corroeram seu capital político.

Apreensão de armas no México: as políticas de combate à violência falharam | Alejandro Acosta/Reuters

Durante a campanha, AMLO explorou o desgaste dos últimos governos. Ele iniciou a campanha caprichando no discurso populista. Prometeu reduzir o próprio salário, vender o avião presidencial, transformar a residência oficial de Los Piños num parque público e “reavaliar” parte das reformas econômicas.

Depois de trocar farpas com grandes empresários ligados a Peña Nieto — acusando-os de fazer parte de uma “máfia do poder” —, Obrador baixou o tom. Ao melhor estilo “Lula paz e amor”, AMLO divulgou em abril uma Carta ao Povo Mexicano e prometeu liderar um governo com rigor fiscal e respeito à autonomia do Banco Central e à propriedade privada. “Obrador não deve alterar a política fiscal nem a monetária e dificilmente vai mexer nas reformas, no máximo vai colocar obstáculos para a implementação”, diz a economista Monica de Bolle, diretora do Programa de Estudos Latino-Americanos da Universidade Johns Hopkins, em Washington.

A GUERRA CONTRA OS CARTÉIS

Outra prioridade é o combate à violência, que cresce desde o início dos anos 2000, resultado do fortalecimento dos cartéis de drogas mexicanos. O problema se agravou em 2006 com a decisão do governo de Felipe Calderón de usar o Exército para combatê-los. “Se antes a violência era mais limitada à disputa entre os cartéis, Calderón abriu uma nova frente de confronto e os cartéis passaram a atacar o Estado”, diz o cientista político americano Benjamin Lessing, especialista em violência na América Latina da Universidade de Chicago.

Em 2008, Calderón foi além e decidiu priorizar a prisão dos chefões dos cartéis. A medida, visando enfraquecer o narcotráfico, criou um novo problema: sua fragmentação, com pequenos grupos tentando ocupar o espaço dos cartéis. Peña Nieto, que se elegeu em 2012 prometendo reduzir a violência, não conseguiu mudar o quadro. Antes de Calderón, havia apenas sete cartéis no país. Hoje são 400 grupos, que diversificaram as atividades para além do tráfico de drogas, com participação de policiais locais e milícias.

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Desde 2006, foram empregados 50 bilhões de dólares no combate à criminalidade, com poucos resultados — no ano passado foram registrados 27 000 homicídios, um recorde no país (no Brasil, foram 59 000). Os candidatos acenam com propostas vagas ou de difícil implementação. Anaya, por exemplo, prometeu “desmantelar, não apenas decapitar”, os cartéis. Obrador sugeriu uma anistia aos chefões do narcotráfico para reduzir as matanças. Diante da reação negativa, recuou e propôs um perdão a cultivadores de maconha e papoula e a traficantes não violentos. O que Obrador sugere é um tipo de acerto como o que foi feito com os cartéis da Colômbia nos anos 80: punir com mais rigor os assassinos e com menos o traficante que apenas vende drogas no varejo.

Com a vitória no horizonte, Obrador passou as últimas semanas negociando alianças com outros partidos, incluindo um evangélico, para assegurar maioria no Congresso. Seu objetivo é aprovar emendas constitucionais, entre elas para modificar parte da reforma energética e introduzir mecanismos de democracia direta, como o referendo para revogar o mandato do presidente a cada três anos — proposta vista como manobra para contornar o veto constitucional à reeleição. Questionado se pretende governar além do mandato de seis anos, Obrador apela ao populismo: “Faço apenas três promessas aos mexicanos: jamais vou roubar, jamais vou mentir e jamais vou trair o povo”. Ele não é o primeiro nem será o último líder latino-americano a fazer essas promessas. 

A VIOLÊNCIA E O VOTO

O debate sobre as políticas de segurança pública faz com que as eleições mexicanas se assemelhem à votação para o próximo presidente do Brasil, em outubro

Líderes latino-americanos na Cúpula das Américas: um ano de renovação política | Clauber Cleber Caetano/PR

Alguns temas que mobilizam o debate da eleição presidencial no México, como violência e polarização política, também estão presentes na campanha eleitoral de outros dois países latino-americanos que elegem um novo presidente neste ano, o Brasil e a Colômbia. A economista brasileira Monica de Bolle, da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, vê semelhanças no momento atual entre México e Brasil, como a preocupação com corrupção e violência, a frustração com o establishment político e o desejo de mudanças pela população. Mas não acredita que a eleição mexicana possa influenciar a brasileira. “O Brasil está tão polarizado que dificilmente vai olhar para fora para tirar alguma lição. Além disso, não temos nenhum candidato no centro político com pulso firme, principal característica do candidato favorito no México, López Obrador”, diz ela.

Em outros temas é possível traçar paralelos. No México e no Brasil, a violência aparece nas pesquisas como assunto prioritário na eleição, mas é abordada com pouca profundidade pelos candidatos. O cientista político americano Benjamin Lessing atribui isso ao fato de a violência ser um tema que foge da discussão ideológica entre esquerda e direita. No caso do Brasil, Lessing cita uma novidade que deverá alimentar o debate na campanha. Até a última eleição, o combate à violência era atribuição dos estados.

“A segurança pública está sendo federalizada, e não só por causa da intervenção do Exército no Rio. Os líderes das grandes facções criminosas estão detidos no sistema penitenciário federal”, diz ele. O próximo presidente terá de lidar diretamente com o problema. O mesmo fenômeno ocorre no México, que teve a campanha eleitoral marcada pelo assassinato de mais de 100 candidatos locais. “Obrador deve ganhar por seu discurso anticorrupção, e não por sua proposta para -reduzir a violência.”

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