Loja da JAC: metade das 70 concessionárias da montadora no país fechou (Leandro Fonseca/Exame)
Da Redação
Publicado em 21 de julho de 2016 às 05h56.
São Paulo — Para os chineses da montadora JAC motors, o dia 18 de março deveria ser comemorado a cada ano. Internamente, a data era chamada de Dia J. Foi quando a JAC inaugurou simultaneamente 50 concessionárias em 28 cidades e começou a vender seu primeiro carro no país, o J3.
Com o apresentador Fausto Silva como garoto-propaganda, a montadora vendeu 2 000 veículos no primeiro mês e, com isso, passou a ter quase 1% de participação de mercado — mais do que Audi e BMW, por exemplo. No fim de junho de 2011, a JAC já havia se tornado a segunda maior importadora de automóveis do país, atrás apenas da coreana Kia.
Hoje, o 18 de março é lembrado com saudade pelos executivos da empresa. O sonho de crescimento da JAC no Brasil — e de outras montadoras chinesas que decidiram se aventurar por aqui no mesmo período — ficou só no sonho. As empresas que ainda não desistiram do país estão mudando de estratégia para tentar vender minimamente no mercado brasileiro.
O primeiro sinal de que as montadoras chinesas teriam problemas no Brasil surgiu em 2012, quando o governo aumentou quase 30% o imposto cobrado sobre os veículos importados (uma medida que, segundo executivos de mercado, foi feita para conter o avanço chinês e proteger a turma de sempre). Ficariam isentos do imposto os carros de montadoras que começassem a produzir no país.
Diante disso, a JAC anunciou o plano de investir 900 milhões de reais para construir uma fábrica com capacidade para produzir 100 000 automóveis por ano em Camaçari, na Bahia. Em seguida, outra montadora chinesa, a Chery, iniciou a construção de uma fábrica em Jacareí, no interior de São Paulo, com capacidade para 50 000 veículos (estava prevista uma expansão para produzir até 150 000 carros).
E aí começaram os problemas típicos de qualquer obra de grande porte feita no Brasil — burocracia, atrasos na liberação de crédito e na obtenção de licenças ambientais, falta de mão de obra especializada etc. — com o agravante de que, do outro lado, havia funcionários públicos chineses com suas idiossincrasias.
No caso da JAC, do projeto original, apenas a terraplenagem saiu do papel. Com o atraso das licenças ambientais, as obras tiveram de ser adiadas e pegaram o período de chuvas na região. Além disso, o governo da Bahia prometeu, mas nunca liberou, um financiamento de 120 milhões de reais para o projeto.
Para resolver o problema de falta de dinheiro, a matriz decidiu aumentar sua participação na fábrica de 34% para 66% — o restante estava a cargo do empresário brasileiro Sérgio Habib, dono do grupo SHC, representante da JAC no Brasil. A alteração estatutária, porém, levou meses, e os chineses esperaram a mudança para liberar os recursos.
Acabou saindo apenas no início de 2014, quando o mercado brasileiro de veículos já estava em desaceleração. Depois de dez anos de crescimento, as vendas caíram 2% de janeiro a março de 2014, com a perspectiva de novas baixas. Diante do cenário ruim, os chineses desistiram da fábrica.
Sérgio Habib assumiu o projeto, mas vai construir uma fábrica com capacidade para apenas 20 000 carros (que poderá ser expandida se o mercado melhorar). “Em 2012, a expectativa era que seriam vendidos quase 5 milhões de carros no Brasil em 2016.
Estamos em menos de 2,5 milhões. Por isso, tivemos de nos adaptar”, diz Eduardo Pincigher, diretor do SHC. O Ministério do Planejamento está cobrando cerca de 180 milhões de reais da empresa por ela não ter construído a fábrica — para o ministério, ela não teria direito ao benefício fiscal usufruído no período.
A concorrente Chery até conseguiu construir sua fábrica. O projeto ficou pronto no começo de 2015, mas, dos 50 000 carros previstos para ser fabricados por ano, produziu apenas 5 600 até agora — desde 2011, ela vende os modelos econômicos New QQ e Novo Celer. Um problema foi o atraso na entrega de peças vindas da China
. “A empresa também falhou ao não trazer carros novos nem atualizar os que são vendidos aqui”, diz Vitor Klizas, presidente no Brasil da consultoria automotiva inglesa Jato Dynamics. Neste ano, a Chery resolveu mudar a estratégia: vai investir 50 milhões de reais na adaptação da fábrica para produzir o SUV Tiggo, que custa a partir de 53 990 reais.
A justificativa é que os consumidores de SUVs costumam ser mais resistentes à crise. “Ajustes são necessários e implantados sistematicamente em qualquer empresa. Estamos nos adequando à nova realidade”, afirma Luis Curi, vice-presidente da Chery no Brasil. A partir do dia 18 de julho, 180 dos 400 funcionários da montadora terão seu contrato suspenso por cinco meses.
Apenas 20 trabalhadores da produção continuarão operando — o restante faz parte dos setores administrativo e de manutenção.
A situação da Geely, montadora chinesa sem fábrica no Brasil, é ainda mais complicada. A empresa, que vendeu apenas 651 automóveis em 2015, decidiu suspender as importações. Vai vender apenas o que tem em estoque e, depois, sair do país.
“Não conseguimos atingir o tamanho necessário para ter uma operação lucrativa”, diz José Luiz Gandini, dono do Grupo Gandini, representante da marca no Brasil. Um problema foi a dificuldade em expandir a rede de distribuição, já que a montadora começou a vender no Brasil em 2013, quando as principais importadoras já haviam nomeado concessionários em todo o país.
Além disso, a alta do dólar dobrou o preço dos carros importados. “Se fosse repassar todos os custos, teria de vender o GC2 por 65 000 reais”, afirma Gandini (hoje, o carro custa 29 900 reais). O empresário tentou negociar com a matriz um desconto nos veículos, mas não teve sucesso.
Para quem comprou carros chineses, a preocupação é como consertar os automóveis que quebram. O medo é que aconteça com as montadoras de carros o que aconteceu com as fabricantes de motocicletas. De 2007 a 2009, mais de 30 empresas chinesas de motos passaram a vender aqui.
Quase todas fecharam — a Dafra, a Trazz e a Shineray são as únicas que mantêm participações relevantes no mercado — e não mantiveram redes de assistência aos proprietários.
A JAC fechou metade das 70 concessionárias, a Chery fechou 50, e a Geely, 15 — mas as empresas dizem ter mantido a assistência mecânica em todas as cidades em que atuavam para que os proprietários possam fazer as revisões e manter a garantia de fábrica (os carros da Chery têm cinco anos de garantia, e os da JAC, seis).
A expectativa, porém, era que fossem inauguradas concessionárias em mais cidades, o que não aconteceu. Nas oficinas mecânicas comuns, a situação é mais complicada. Segundo o sindicato do setor, é difícil comprar peças para fazer os consertos. Em alguns casos, as próprias oficinas importam peças de Miami. Outra desvantagem é a desvalorização dos automóveis.
No ranking dos dez veículos que mais perdem valor após um ano de uso, sete são de origem chinesa — cinco da JAC e dois da Geely. Quem comprou um JAC J3 modelo 2015, por exemplo, hoje tem um veículo que vale 28% menos do que o zero-quilômetro. No caso do Fiat Palio, a desvalorização é de 17%. A única exceção entre os chineses é a montadora Lifan, que fez tudo diferente das outras.
Sua sacada foi fugir dos modelos econômicos e vender aqui um SUV compacto, o X60, que custa 61 900 reais na versão básica. Sem grandes planos para o Brasil, a Lifan vende cerca de 5 000 veículos por ano. Na época da euforia, a JAC chegou a vender cerca de 24 000, e a Chery, 22 000. Hoje está todo mundo vendendo tão pouco quanto a rival que não tinha ambição alguma.