Com pandemia, livro digital cresce 12,4% em relação a 2019 (Montagem de Camila Santiago sobre fotos de Getty Images e Unsplash/Exame)
Tamires Vitorio
Publicado em 8 de outubro de 2020 às 05h15.
Última atualização em 11 de fevereiro de 2021 às 16h10.
A chamada “jornada do herói” (ou monomito, termo cunhado pelo antropólogo americano Joseph Campbell) consiste na ideia de que uma história de fantasia é construída com base em 12 passos comuns. Os principais deles são a “iniciação” (que engloba as aventuras de um herói), o “chamado da aventura” (quando um problema se apresenta ao personagem), a “ressurreição do herói” (quando ele enfrenta a morte) e, por último, o retorno firme e forte para o “regresso com o elixir”. Na história dos e-books — os livros em formato digital —, pode-se dizer que o ano de 2020 está sendo uma espécie de elixir. O mercado global de livros feitos para as telas vive uma retomada desde que as pessoas passaram a evitar sair à rua por causa do novo coronavírus. O crescimento previsto é de 12,4% no faturamento anual do setor em relação a 2019, para 16,6 bilhões de dólares, segundo a consultoria alemã Statista.
No Brasil, os livros de papel sofrem o movimento oposto. Em setembro, houve uma queda de 6,5% no faturamento com a venda de livros impressos, conforme dados da consultoria Nielsen Media Research. É uma situação que só agrava a crise das grandes livrarias no país, que já passavam por dificuldade.
Um dos maiores motivos para a preferência por livros digitais é que, com o comércio fechado, as pessoas tiveram de se voltar para as varejistas online — e a rapidez com a qual e-books são entregues se tornou um diferencial, além do preço geralmente menor. Com apenas um clique, o leitor recebe o livro em seu dispositivo e já pode começar a ler.
Essa maior facilidade está por trás do crescimento inédito registrado pela empresa Bookwire, uma distribuidora de livros digitais brasileira. Nos primeiros dois meses da quarentena, a Bookwire vendeu 9 milhões de cópias de livros digitais, 70% do volume do ano de 2019 inteiro. Para Marcelo Gioia, diretor-geral da companhia, os efeitos não foram temporários. “Tivemos um aumento na base de leitores. E há também uma mudança de comportamento do consumidor, que passou a comprar mais online. Os reflexos são duradouros”, diz.
Outro negócio que cresceu na pandemia foi o clube de assinaturas de livros TAG, que teve de investir no digital e acelerar a oferta de e-books para os clientes, além de criar um portal com conteúdos extras. De janeiro a setembro, a base de assinantes cresceu 20% e a taxa de engajamento de leitura no aplicativo tem subido 40% mês a mês desde abril, quando a opção do livro digital surgiu. “As gerações que não estavam acostumadas a consumir o formato digital agora estão consumindo”, diz Gustavo Lembert, cofundador e presidente da TAG.
Os livros em áudio também cresceram na pandemia e devem continuar em um ritmo acelerado nos próximos anos, impulsionados pelo aumento no uso de alto-falantes inteligentes, com seus sistemas de assistentes virtuais. A expectativa é que 133 milhões de aparelhos desse tipo sejam vendidos no mundo neste ano, segundo a consultoria IDC. A jornada dos livros digitais e dos audiobooks (ao contrário das histórias dos heróis da fantasia) parece não ter terminado, mesmo depois dos 12 passos — e pode continuar a ser um caminho alternativo para autores e editoras no mundo todo.