Lucas no anúncio com a Disney: 4 bilhões de dólares no bolso e o cargo de diretor criativo dos próximos filmes (Getty Images/Divulgação)
Da Redação
Publicado em 7 de dezembro de 2012 às 07h54.
São Paulo - A discussão sobre a hora certa de se aposentar é comum no esporte. Pelé, por exemplo, consagrou a estratégia do “parar no auge”, abandonando a seleção brasileira aos 30 anos, poucos meses após ter vencido sua terceira Copa do Mundo. Assim, virou mito — até hoje o debate entre os milhões de fãs do futebol gira em torno de sua figura: Messi vai ou não suplantá-lo? (Resposta: primeiro ele terá de ganhar três Copas...)
No mundo dos negócios, porém, nem sempre é fácil reconhecer o momento certo de parar. Apegados ao trabalho e às glórias de ontem, empreendedores oferecem sua performance a públicos cada vez menores e desinteressados, enquanto seu legado é depreciado.
Como reconhecer o momento em que um ciclo se encerra e o fundador de uma empresa não tem mais energia para seguir no comando? Soma-se a essa questão o dilema da sucessão. Como um empresário pode garantir que seu substituto manterá funcionários e clientes vivendo de sua ideia inicial?
A recente aquisição da Lucasfilm, produtora de franquias de sucesso, como Star Wars e Indiana Jones, feita pela Walt Disney por 4 bilhões de dólares, é um excelente exemplo de como vencer esse dilema. A sucessão em questão é a do cineasta americano George Lucas, que fundou a Lucasfilm em 1971.
Aos 68 anos, Lucas é o artista que sabe já ter vivido seu auge. Sua série mais famosa, Star Wars, cresceu a ponto de ter se transformado em um império de entretenimento. Causou impacto em mercados tão distintos como cinema, tecnologia e licenciamento de marcas.
Sem um sucessor natural na Lucasfilm, seu fundador tinha algumas opções para garantir a perenidade de seu negócio, entre elas profissionalizar a empresa ou vendê-la para um grupo de sua confiança. Lucas escolheu a segunda opção depois de estudar por mais de cinco anos os rumos de sua aposentadoria.
O anúncio da aquisição da Disney não foi encarado de forma positiva pelos fãs mais puristas da série Star Wars. Muitos deles sentiram aquilo que chamam, em sua impenetrável língua dos Jedis, de “distúrbios na Força” — a sensação de que há algo de errado acontecendo.
Visões de parques temáticos com grupos de crianças tirando fotos abraçadas ao Mestre Yoda ou a Cinderela recebendo a Princesa Leia para um jantar não fazem exatamente a cabeça dos fãs da série intergaláctica. Mas, deixando de lado o radicalismo inerente aos aficionados (como o autor deste texto), a aquisição foi um ótimo negócio para todos — inclusive os fãs.
Deve-se lembrar que Star Wars é o resultado da visão e do empreendedorismo de um homem só. Lucas criou sua própria mitologia, inventou uma miríade de personagens para uma saga que se passa há milhares de anos em planetas também inventados. Soube organizar a ambiciosa e rocambolesca trama em três partes.
Cada uma dessas partes, por sua vez, divide-se em três filmes e, então, optou por começar pelo meio da história, que lhe parecia mais promissor. Aprendeu cinema com o colega de faculdade e mentor Francis Ford Coppola, de O Poderoso Chefão, e ousou ao recrutar os engenheiros que desenvolveram a tecnologia necessária para viabilizar a empreitada.
Revelou-se, ainda, um gênio do marketing fazendo de Guerra nas Estrelas original (hoje conhecido como Episódio IV — Uma Nova Esperança) o modelo definitivo do blockbuster de verão. O sucesso foi tão grande que Lucas dedicou sua vida ao desenvolvimento e à exploração comercial de sua grande ideia. Star Wars, hoje, é uma franquia bilionária.
Fábrica de Oscar
Não é estranho, portanto, que a Disney tenha se interessado pela saga. Lançar histórias bem acabadas de personagens marcantes — e explorar com competência as possibilidades de entretenimento e licenciamento em torno deles — é o ganha-pão da empresa fundada por Walt Disney há quase 90 anos.
A empresa poderá preencher uma lacuna deixada por Lucas. Se há algo que não tenha sido feito com excelência nos 35 anos de Star Wars é a gestão de licenciamento. As operações da empresa de Lucas nunca ultrapassaram as fronteiras dos Estados Unidos e, embora o faturamento acumulado com licenças seja de mais de 20 bilhões de dólares, existe um enorme potencial inexplorado.
Por fim, a Disney não adquiriu só filmes antigos e o direito de fazer os novos. Comprou, também, a notável fábrica de efeitos especiais criada dentro do Rancho Skywalker, campus perto de São Francisco onde Lucas deu vazão às suas fantasias tecnológicas.
Fazem parte do pacote a Industrial Light & Magic, vencedora de 15 Oscar de efeitos visuais, a Skywalker Sound, especialista em edição e efeitos de som, e a LucasArts, que cria e publica jogos de videogame com base na série. A compra da Lucasfilm pela Disney é comparável à onda de aquisições de empresas de tecnologia em busca não de produtos, mas de patentes e inteligência.
O que mais chama a atenção, com todos esses atrativos, é o valor da transação: pouco mais de 4 bilhões de dólares. Considerando o potencial de três filmes cuja bilheteria facilmente ultrapassaria o valor da aquisição, além de todo o potencial de vendas dos filmes originais e de produtos licenciados, parece muito pouco.
O lucro da Lucasfilm em 2005, ano de lançamento de Star Wars: Episódio III — A Vingança dos Sith (último filme produzido), foi de cerca de 500 milhões de dólares. Usualmente, aquisições são feitas com base em um multiplicador do lucro operacional. A da Lucasfilm resultou num modesto multiplicador de 8 vezes — baixo, para empresas de alta tecnologia e com grande potencial de crescimento.
Uma avaliação feita por especialistas de Wall Street no primeiro semestre deste ano indicava que a franquia Star Wars valia, sozinha, mais de 30 bilhões de dólares. O mercado financeiro comemorou a aquisição da Disney como uma pechincha.
Por que razão Lucas, então, teria vendido seu império para a Disney por um valor tão abaixo do esperado? Voltamos ao dilema da sucessão. Lucas tem 68 anos. Seu cansaço como realizador de cinema é evidente, dado o fato de que ele já havia jogado a toalha e abandonado a ideia de produzir a terceira trilogia.
Lucas queria ver seu legado perpetuado nas próximas gerações. Mais do que em multiplicadores e valuations, ele estava interessado em ver Darth Vader e companhia sendo honrados com relançamentos em caixas luxuosas, atrações em parques temáticos e produtos de qualidade ao redor do mundo. Lucas garantiu a posteridade de sua obra — e seu nome na história da indústria de entretenimento — abrindo mão de alguns bilhões de dólares.
No mais, Walt Disney — a empresa e o empresário — sempre foi um modelo para a brilhante geração de empreendedores do norte da Califórnia dos anos 70. Steve Jobs, que transformou um fabricante de hardware em ícone pop, injetou na Apple a mesma obsessão por detalhes que é a marca da Disney.
Aqui cabe uma curiosidade. Jobs e Lucas eram amigos em meados da década de 80, quando Jobs deixou a Apple depois de se desentender com executivos da empresa que fundou. Lucas, então, ofereceu a ele uma de suas subsidiárias, que viria a ser o embrião da Pixar, por apenas 5 milhões de dólares.
Vinte anos depois, em 2006, Jobs vendeu a Pixar para a Disney por mais de 7 bilhões de dólares. É natural que Jobs e Lucas, empreendedores que criaram as próprias regras e reinventaram os negócios, encontrem na Disney terreno fértil para a continuação de suas ideias.
Os fãs de Star Wars nada têm a temer. Seus heróis estão em mãos hábeis para viver novas aventuras nas mais diversas plataformas — como podem atestar outros fãs exigentes, os da Marvel. Adquirida pela Disney em 2009, a empresa está comemorando o sucesso recente de Os Vingadores, terceira maior bilheteria de todos os tempos. A trilogia final de Star Wars chegará aos cinemas a partir de 2015. Lucas sai de cena, mas seu império não tem data para acabar.