Escritório da Locaweb, em São Paulo: a empresa levantou mais de 1 bilhão de reais | Germano Lüders / (Germano Lüders/Exame)
Lucas Agrela
Publicado em 27 de fevereiro de 2020 às 05h30.
Última atualização em 27 de fevereiro de 2020 às 05h30.
Em 1997, os primos Gilberto Mautner e Claudio Gora reuniram-se, após um jantar, para discutir o futuro de sua empresa recém-fundada, que naufragava. A Intermoda era uma plataforma online para fornecedores da indústria têxtil criada numa época em que o Google nem existia e a maioria das conexões de internet era discada. Diante da onda de novas empresas de internet, Michel Gora, mentor do negócio, pai de Claudio e tio de Gilberto, lançou uma ideia: “Por que não expandir nossa visão e fazer sites para todo mundo?”
Com apenas um servidor de 30.000 reais, comprado com um investimento familiar, nasceu a Locaweb, hoje a maior empresa de hospedagem de sites do Brasil, com mais de 350.500 clientes e 1.500 funcionários. “A mudança de foco, para dar presença online a empresas de todos os setores, foi nossa grande sacada. Para crescer, sempre mantivemos o pé no chão e a mentalidade de lucro”, afirma Mautner, hoje com 48 anos.
Em 2013, os fundadores foram para o conselho da empresa e escolheram um novo presidente, Flávio Jansen, ex-presidente do Submarino. Em sua gestão, que durou até 2018, Jansen fez mudanças para melhorar a governança e preparar a empresa para a fase de aquisições. A primeira compra foi a da Tray, especializada em sites de lojas virtuais e sistemas de pagamentos via internet, com 4.500 clientes, em 2012. O negócio levou a Locaweb para o pujante comércio eletrônico.
O segmento foi um dos que mais cresceram em 2019 no faturamento da empresa, que atingiu 408 milhões de reais, considerando os últimos 12 meses até setembro do ano passado. “De todas as nossas receitas hoje, 36% vêm das empresas adquiridas”, diz Jansen. Como havia um plano de sucessão interna de cinco anos, Jansen voltou para o conselho em 2018, deixando o cargo de presidente para o executivo Fernando Cirne, que reforçou o foco da companhia em pequenas e médias empresas. “Nascemos oferecendo hospedagem de sites a esse mercado e, com o tempo, nos tornamos especialistas em atender esse nicho”, afirma Cirne.
Desde 2007, a empresa cresce a uma taxa de dois dígitos ao ano, o que ganhou impulso com a entrada do fundo de private equity americano Silver Lake em 2010. Passados alguns anos, o ambiente tornou-se favorável à abertura do capital, o que se deu em 6 de fevereiro. Na estreia na bolsa, a veterana da internet brasileira levantou 1 bilhão de reais. O dinheiro será usado em novas aquisições. Mais de 30 empresas estão na mira.
A abertura do capital da Locaweb no Brasil acontece num momento em que muitas empresas têm preferido fazer a oferta de ações no exterior, a exemplo de PagSeguro, Stone e XP. A última empresa de tecnologia a abrir o capital no país foi a Linx, em 2013. A decisão da Locaweb tem a ver com a boa fase do mercado de capitais brasileiro e com o fato de sua atuação estar concentrada no país.
Além de hospedar sites e vender domínios de internet, a Locaweb oferece serviços de marketing digital, que ajudam as empresas a manter contato com os clientes, por exemplo, com e-mails promocionais. Para isso, em 2013 comprou a All iN, uma empresa de relacionamento com o cliente. Assim, além de sites, a Locaweb passou a hospedar milhares de contas de e-mails corporativos e a gerenciar campanhas de marketing. Em 2018, foi a vez da brasileira Cluster2Go. Com a aquisição, a Locaweb reforçou a área de computação em nuvem.
A Cluster2Go tem uma plataforma para empresas que faz intermediação entre vários serviços de nuvem, como Amazon Web Services, Microsoft Azure, Google e Oracle. Desse modo, as companhias podem contratar mais de um serviço. A compra mais recente foi a da startup de entregas de comida Delivery Direto. Diferentemente das rivais, sua plataforma digital permite que os restaurantes saibam quais são os clientes recorrentes e, com isso, oferecer promoções direcionadas a cada um deles.
Com as aquisições em setores variados, a Locaweb busca não só diversificar as fontes de receita como também evitar perder as tendências digitais e ser esmagada por rivais bilionários (ou trilionários). A companhia mantém os profissionais das empresas que compra, o que é parte do segredo para seguir competitiva. Desde o início das aquisições, houve um salto de 109% nas receitas. A fórmula deu certo e continuará a ser aplicada. Os setores de hospedagem, entrega, comércio online, marketing digital e computação em nuvem seguem no radar. Com isso, a Locaweb tenta se tornar uma plataforma de serviços para a transformação digital.
No mundo, a consultoria Market Research Future estima que o faturamento do setor de hospedagem de sites tenha alcançado 38 bilhões de dólares em 2019, um salto de quase 20% em um ano. As maiores empresas são GoDaddy, Amazon e Google Cloud, que atuam no Brasil, mas ficam atrás da líder Locaweb. Para Felipe Catharino, sócio-diretor da consultoria inglesa KPMG, a concorrência internacional pode ser menos agressiva para empresas pioneiras, como a Locaweb. “As brasileiras devem ter soluções equivalentes às internacionais e que atendam muito bem o mercado nacional”, diz.
Uma das rivais da Locaweb em hospedagem de sites é a HostGator, do americano Endurance International Group. Com receita global de 1,1 bilhão de dólares em 2019 e com 4.766 clientes, a empresa ocupa o segundo lugar no mercado de hospedagem brasileiro. Para Robledo Ribeiro, presidente da HostGator no Brasil, mesmo 20 anos após a bolha das empresas ponto-com, o setor cresce porque muitas companhias ainda não têm presença na internet. “Quando viemos para o Brasil, em 2007, nosso concorrente dominava o mercado. Conquistamos espaço aos poucos. Ainda hoje o mercado está em fase de crescimento”, diz.
Com a taxa básica de juro no menor patamar histórico, o cenário é favorável para empresas como a Locaweb abrirem o capital. “O novo número de ofertas públicas de ações indica um amadurecimento do mercado brasileiro. Com juros baixos, o dinheiro é colocado para girar na economia, como em países desenvolvidos”, diz o professor de marketing e negócios digitais André Miceli, autor do livro Startups nos Mares de Dragões.
Para William Eid Júnior, coordenador do centro de estudos de finanças da Fundação Getulio Vargas, o número de empresas de tecnologia na bolsa não é suficiente para criar um núcleo de acompanhamento do setor. “Não há um histórico de empresas parecidas com a Locaweb na bolsa. A empresa é um caso de sucesso. Seu futuro na bolsa deve ser positivo. O que preocupa são as incertezas do mercado, como as declarações polêmicas do presidente, a insegurança jurídica e o surto do coronavírus na China”, diz.
A entrada da Locaweb na bolsa é um marco na história das empresas de tecnologia nacionais. Ao lado da Positivo Tecnologia, ela engorda um grupo de potencial global. Para Eid Júnior, da FGV, além do baixo nível de educação e de capacitação de profissionais, o Brasil deve lidar com a herança de políticas de proteção ao mercado nacional.
“Nos anos 80, a lei de proteção da informática determinava reserva de mercado para empresas de capital nacional. Isso dificultou a criação de um mercado forte de tecnologia”, diz. Com os juros baixos e o otimismo na bolsa, empresas como a Locaweb têm a chance de reverter a situação, para buscar novos mercados e crescer. É uma virada mais do que aguardada.
Para Fernando Cirne, presidente da Locaweb, antecipar tendências mantém a empresa competitiva
Presidente da Locaweb desde 2018, Fernando Cirne fez carreira na Editora Abril. Ao assumir a liderança da empresa de tecnologia, Cirne trouxe a experiência para lidar com assinaturas de serviços de hospedagem e ajudou a Locaweb a desenvolver áreas de lojas virtuais. Em sua gestão, a companhia comprou a startup de entregas Delivery Direto, que permanece uma operação independente. Para Cirne, as aquisições são essenciais para a empresa.
A Locaweb atua em um setor com concorrentes globais. Como a empresa conquistou a liderança no mercado brasileiro?
A Locaweb evolui junto com a tecnologia e com a necessidade dos nossos clientes. Buscamos antecipar tendências por meio de pesquisas de mercado. Fora isso, parte importante de nossa estratégia é fazer aquisições transformacionais. Com elas, entramos em novos mercados e conseguimos reunir mais profissionais inovadores, que trazem visões diferentes para a companhia.
O que a empresa fez para ter crescimento de receita nos últimos anos?
Não temos medo de inovar. O que começou como uma empresa de hospedagem de sites se tornou um grande ecossistema de serviços. Nosso modelo de negócios é baseado em assinaturas com renovação automática. Mais de 95% de nossa receita é recorrente, o que nos dá previsibilidade e segurança muito grandes. Sempre tivemos cabeça de empresa tradicional, que precisa dar lucro. Com isso, pudemos realizar seis aquisições bem-sucedidas, como a da Tray, que deu origem a nosso segmento de serviços para lojas virtuais.
Qual é a área que mais cresce na Locaweb?
Nossa unidade de negócios chamada BeOnline, que engloba a hospedagem de sites, é uma importante ferramenta para alavancar os novos segmentos em que a companhia atua, como software como serviço e lojas virtuais. Esses são os principais vetores de crescimento da Locaweb.
Por que a Locaweb volta suas soluções para o mercado de pequenas e médias empresas?
Está no DNA da Locaweb atender com excelência pequenas e médias empresas. Nascemos oferecendo hospedagem de sites a esse mercado e, com o tempo, nos tornamos especialistas em atender esse nicho. Mas também temos serviços para médias e grandes empresas.
A expansão da presença internacional está nos planos da companhia?
O Brasil ainda tem um mercado muito grande a ser explorado. O número de empresas que têm presença digital bem estabelecida ainda é baixo quando comparado ao de outros países. Isso nos traz grandes possibilidades de crescimento por aqui. Por isso, não está em nossos planos de curto prazo fazer uma expansão internacional.