Yuri Alberto, jogador do Corinthians: clube paulista é um dos 16 times brasileiros da Série A que utilizam wearables da Catapult para o monitoramento dos atletas em tempo real (Rodrigo Coca/Agência Corinthians/Divulgação)
Repórter de Projetos Especiais
Publicado em 5 de agosto de 2025 às 06h00.
Se tecnologia e conectividade são vistas como diferenciais competitivos no mundo dos negócios, no universo dos esportes não é diferente. Nas últimas décadas, o avanço da internet das coisas (IoT), responsável por conectar objetos físicos como relógios, roupas e sensores à internet, permitiu o desenvolvimento de um ecossistema robusto de ferramentas que auxiliam atletas e equipes em diferentes funções — e que impactam múltiplos aspectos da experiência esportiva, em especial a performance dos atletas.
No caso da preparação física, avaliações com base em princípios científicos como fisiologia, biomecânica e treinamento esportivo ganharam aliados tecnológicos poderosos: os wearables. Capazes de coletar e transmitir dados em tempo real, esses dispositivos vestíveis conseguem mapear batimentos cardíacos, variações de força aplicada, velocidade, distância, e até o nível de fadiga, fornecendo dados e insights que permitem personalizar estratégias de treinamento e aprimorar o desempenho geral do atleta. Tudo para atingir a performance ideal.
“No futebol, por exemplo, os dispositivos de rastreamento são utilizados em atletas desde as categorias de base, justamente para garantir que o jogador chegue ao nível profissional entregando o máximo de rendimento possível. Esse monitoramento ajuda, em especial, a mitigar lesões, fazendo com que, caso elas aconteçam, sejam menos impactantes para o atleta ao longo de sua carreira”, explica Gabriel Gazone, cientista do esporte da Catapult no Brasil. Desde o ano passado, a empresa australiana é a fornecedora exclusiva de soluções de monitoramento de atletas para a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), atendendo às seleções nacionais masculina e feminina, além das equipes Sub-20, Sub-17, Sub-15, de futsal e de futebol de areia.
Criada em 2006, a startup de tecnologia esportiva e análise de dados começou oferecendo soluções de rastreamento de dados para jogadores de rugby. Hoje, avaliada em 1,5 bilhão de dólares, tem contratos em mais de 100 países, atuando com cerca de 4.600 equipes esportivas de 40 modalidades diferentes, incluindo times e federações de futebol, basquete, beisebol e futebol americano. No Brasil, cerca de 16 clubes de futebol da Série A têm contrato com a Catapult.
Jogadores famosos, como Kylian Mbappé e Cristiano Ronaldo, já foram vistos com o principal wearable da Catapult: o colete de monitoramento esportivo. O equipamento possui localizadores GPS, monitores de ritmo cardíaco e sensores de movimento, e é capaz de capturar mais de 1.250 pontos de dados por segundo para medir o desempenho do atleta.
“No colete que o jogador usa por baixo da camisa, temos uma antena GPS, um acelerômetro de alta frequência, um magnetômetro e um giroscópio. Com isso, conseguimos analisar mais de 100 variáveis do atleta no dia a dia de treinos e jogos. Com base em todas essas avaliações e dados, é possível personalizar os treinamentos de força e de campo para o atleta, com 0 objetivo de deixá-lo mais veloz dentro de suas capacidades biomotoras”, diz Gazone.
Toda essa otimização da performance dos atletas tem gerado mudanças no próprio futebol. Segundo dados da Fifa, jogadores de elite percorrem hoje, em média, entre 11 e 13 quilômetros por jogo. Um aumento de aproximadamente 20% em relação aos anos 2000. “O futebol hoje é muito mais intenso. O tempo de jogo e a distância total percorrida pelos atletas permaneceram os mesmos, mas o jogo está mais rápido. Isso significa que há maiores distâncias percorridas em alta intensidade, maiores valores de velocidade máxima e números de aceleração e desaceleração. Dependendo da liga ou do campeonato, os wearables podem ajudar os atletas a aumentarem entre 50% e 70% a intensidade em ações específicas”, avalia o especialista.
Colete Nike x Hyperice: equipamento usado por Rayssa Leal durante os Jogos Olímpicos de Paris tem sensores que permitem aquecimento e resfriamento instantâneos (Divulgação/Nike e Eurasia Sport Images/Getty Images)
A revolução de Paris
Considerada a edição mais tecnológica de todos os tempos, a Olimpíada de Paris mostrou quanto a integração da internet das coisas tem transformado o setor esportivo como um todo. Segundo o Comitê Olímpico Internacional (COI), cerca de 10.500 atletas de 32 modalidades participaram dos Jogos Olímpicos de 2024 e, em todas as disciplinas, a tecnologia foi uma aliada indiscutível para melhorar o desempenho de atletas, treinadores, árbitros e espectadores.
A skatista brasileira Rayssa Leal foi uma das atletas que chamaram atenção não apenas pela medalha de bronze conquistada mas também pelo uso de um colete futurista na competição. Desenvolvido pela Nike em parceria com a Hyperice, a roupa funciona com uma bateria e coolers termelétricos — pequenos ventiladores acoplados a sensores e a bolsas de ar — capazes de regular a temperatura corporal de forma autônoma, sem necessidade de contato direto com gelo ou sistemas externos.
“A recuperação é parte essencial da jornada de qualquer atleta, mas estamos ouvindo cada vez mais que o conceito de ‘pré-cuperação’ [‘pre-covery’] é tão importante quanto. O calçado e o colete que desenvolvemos com a Hyperice ajudam a preparar o corpo para a atividade, seja em uma final de campeonato, seja em uma rotina intensa de trabalho”, disse Tobie Hatfield, diretor sênior de inovação para atletas da Nike, durante a apresentação do equipamento ao mercado no ano passado.
Antes de Rayssa vestir o wearable para combater as temperaturas acima de 30 °C em Paris, LeBron James, ídolo do basquete mundial, testou o colete ainda durante o período de desenvolvimento. “Desde que coloquei o colete pela primeira vez, eu sabia que essa tecnologia mudaria a vida dos atletas, tanto para aquecer quanto para resfriar o corpo”, disse o jogador na ocasião.
Na natação, os óculos inteligentes Finis Smart Goggle também foram destaque durante os Jogos Olímpicos. Com um pequeno visor integrado à lente, o equipamento exibe ao nadador as próprias métricas em tempo real. Já o relógio Swimmo consegue monitorar e mostrar ao atleta até a eficiência de cada braçada.
Para além dos wearables, a própria iniciativa do COI de criar uma Agenda Olímpica de Inteligência Artificial foi um marco atrelado a Paris 2024. O documento prevê os impactos que essa tecnologia pode causar nos esportes e fornece orientações para sua implementação em diferentes modalidades.
Segundo o relatório Olympics & Tech, desenvolvido pela Softtek, multinacional mexicana parceira da Intel e focada em engenharia de software, os Jogos Olímpicos também iniciaram uma revolução na experiência do público, “graças aos estádios inteligentes, equipados com redes de sensores e dispositivos IoT que fornecem dados em tempo real sobre tráfego, transporte, poluição e condições climáticas”.
Com bilheteria digital e sistemas de entrada sem contato, esses locais proporcionam um acesso conveniente e rápido, além de maior segurança. Os estádios inteligentes também aumentam a satisfação dos espectadores, fornecendo informações em tempo real nos telões, inclusive replays.
Para quem acompanhou o evento pela televisão, a experiência foi igualmente diferenciada. As redes 5G, com alta velocidade e baixa latência, garantiram uma transmissão rápida e confiável de dados de câmeras de visão computacional para smartphones, drones e sensores IoT.
Segundo os organizadores, os Jogos Olímpicos de 2024 contaram com mais de 12.000 telas conectadas, 8.000 terminais de wi-fi e 13.000 computadores interligados por mais de 400.000 quilômetros de cabos de fibra óptica.
Mercedes-AMG Petronas: mais de 90% das decisões de uma corrida são influenciadas pela análise de dados em tempo real (Richard Pardon/Divulgação)
Smarter, better, faster
A Fórmula 1 sempre foi um laboratório de inovações tecnológicas, mas nos últimos anos a integração da IoT transformou completamente a forma como as equipes correm, tomam decisões e até desenvolvem os carros. Com sensores distribuídos em praticamente todos os componentes dos veículos, das asas ao motor, passando pelos pneus, é possível monitorar e ajustar o desempenho em tempo real com uma precisão antes impensável.
Em média, cada carro de F1 hoje gera mais de 1 terabyte de dados por fim de semana de corrida, segundo dados da Mercedes-AMG Petronas. A equipe afirma empregar mais de 250 sensores por carro. “Dividimos esses sensores em três categorias: controle, instrumentação e monitoramento. Todos eles fornecem dados de pressão, temperatura, inércia e deslocamento e estão incorporados a todos os sistemas do carro”, diz a empresa.
Ainda segundo a Mercedes, que hoje corre com os pilotos George Russell e Andrea Kimi Antonelli, atualmente mais de 90% das decisões de uma corrida são influenciadas por análises de dados em tempo real. Essa montanha de informações é processada por equipes de engenheiros que utilizam inteligência artificial e algoritmos de machine learning para interpretar padrões e tomar decisões estratégicas, como o melhor momento para uma troca de pneus ou o ajuste fino de componentes durante os treinos.
“A IA pode fornecer a mais atletas acesso a treinos personalizados, equipamentos esportivos de qualidade superior e programas individualizados”
Thomas Bach, ex-presidente do COI, durante o lançamento da Agenda Olímpica de IA
Parceira da McLaren Racing, a Dell Technologies oferece diferentes pontos de dados diariamente à escuderia, desde o armazenamento PowerScale até os servidores PowerEdge e as workstations móveis Precision. Segundo a companhia, a tecnologia permite à McLaren Racing tomar decisões fundamentadas em tempo real, incluindo upgrades necessários em seus carros, em média, a cada 17 minutos durante a corrida.
Além do desempenho na pista, a IoT está moldando o desenvolvimento dos carros de forma mais sustentável e eficiente. A Alpine F1 Team revelou recentemente que conseguiu reduzir em 12% o tempo de simulação de aerodinâmica com base em dados gerados por sensores inteligentes conectados à computational fluid dynamics (CFD). Isso representa uma economia significativa de tempo, energia e recursos durante o desenvolvimento do carro.
Segundo um relatório da Deloitte, o uso da IoT na Fórmula 1 deverá crescer cerca de 27% até 2028, impulsionado principalmente por avanços em conectividade 5G e edge computing, que permitirão análises ainda mais rápidas e precisas, mesmo em ambientes com alta interferência. O estudo também presume que tecnologias derivadas dessas aplicações serão transferidas para a indústria automobilística de consumo em até cinco anos.
Inteligência artificial & análise de dados
→ Logística otimizada com algoritmos avançados
→ Câmeras 8K + IA para replays multicâmeras
→ Monitoramento de redes sociais e remoção de conteúdo abusivo contra atletas
Realidade aumentada (AR) & realidade virtual (VR)
→ Estatísticas ao vivo via AR durante competições
→ Experiência imersiva com VR em estádios
Wearables
→ Sensores de desempenho, roupas inteligentes e smartwatches
→ Visão computacional para análise biométrica
→ Feedback tático imediato com precisão milimétrica
→ Detecção precoce de desgaste físico
Acessibilidade & inclusão
→ Audiodescrição, legendas e tradução automática em 16 idiomas
→ Replays personalizados para cada audiência e esporte
Sustentabilidade
→ Monitoramento energético em tempo real para reduzir consumo
→ Simulações com “duplicação digital” para planejamento
→ Reciclagem inteligente