Revista Exame

Vendas do iPhone desaceleram. É o fim do encanto da Apple?

Essa é a pergunta de investidores a respeito da Apple, que há anos não lança um produto de sucesso e agora vê o ritmo de crescimento nas vendas do iPhone cair


	 Tim Cook: ele culpa o ambiente macroeconômico e espera retomada nas vendas
 (REUTERS/Robert Galbraith)

Tim Cook: ele culpa o ambiente macroeconômico e espera retomada nas vendas (REUTERS/Robert Galbraith)

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Da Redação

Publicado em 21 de maio de 2016 às 05h56.

Nova York — "A empresa precisa administrar com sucesso os anúncios e as transições de produtos para se manter competitiva e estimular a demanda dos consumidores de maneira eficiente.” A frase trata dos fatores de risco para os negócios da Apple e fazia parte da demonstração anual de resultados submetida pela companhia em fins de 2006, semanas antes do anúncio do primeiro iPhone.

Nestes quase dez anos, a Apple manteve-se muitos passos à frente dessas ameaças, desafiando a gravidade como poucas vezes se viu no mundo dos negócios. O iPhone, produto mais lucrativo da história, ganha uma nova versão a cada ano: mais rápida e com novas tecnologias.

Já foram vendidas mais de 800 milhões de unidades do smartphone, recentemente apontado como o gadget mais influente de todos os tempos pela revista americana ­Time. O produto anunciado por Steve Jobs como “um telefone, um iPod e um aparelho para conectar-se à internet” hoje é muito mais do que isso.

É a plataforma de computação mais importante do planeta e um negócio que representa dois terços do faturamento da Apple. Mas o sucesso do iPhone começa a fazer sombra na empresa. Sem uma inovação do mesmo porte no horizonte e diante de sinais de desaceleração no mercado de smartphones, será que o encanto sobre consumidores e investidores começa a esmorecer? 

No início de maio, a ação da Apple tinha caído ao nível de dois anos atrás. E, nos dias 12 e 13, perdeu temporariamente o posto de companhia com o maior valor de mercado do mundo para a Alphabet, controladora do Google.

Os investidores saíram vendendo Apple porque, pela primeira vez em 13 anos, a empresa registrou queda no faturamento trimestral, em comparação com o mesmo período do ano anterior. Ninguém em sã consciência prevê que as ações entrem, de uma hora para a outra, numa tendência de queda continuada. No fechamento desta edição, no dia 17 de maio, os papéis da Apple voltaram a subir um pouco.

Mas esses altos e baixos parecem ter estremecido a certeza dos investidores sobre os supostos superpoderes da empresa. O iPhone é o responsável pelo resultado decepcionante. As vendas no primeiro trimestre ficaram 16% abaixo das registradas em 2015, e os números no segundo trimestre também deverão ficar aquém do esperado, segundo projeção da própria empresa.

Mas na Apple, que deverá inaugurar sua nova sede com design futurista até o final do ano, não falta otimismo. “O mercado não está crescendo”, disse Tim Cook, presidente da empresa, na mais recente teleconferência de resultados. “É reflexo do ambiente macroeconômico em várias partes do mundo. Estamos otimistas que isso vai passar e que o mercado e particularmente nós voltaremos a crescer.”

Há poucas dúvidas de que isso aconteça, porque os novos modelos de iPhone sempre são lançados na segunda metade do ano. A questão é em qual direção e a que velocidade. Especula-se que o iPhone 7 tenha lentes duplas para melhorar a qualidade das fotos, além de ser mais rápido e ter um novo visual. O iPhone 7 deve gerar uma onda de trocas, como a ocorrida um ano e meio atrás com o iPhone 6.

Mas, segundo um relatório recente da empresa de pesquisas britânica Kantar World­panel ComTech, os consumidores levam cada vez mais tempo para comprar aparelhos novos. “Os smartphones estão mais parecidos. A inovação tecnológica é medida em passos, em vez de saltos”, diz o relatório.

Somem-se a isso as já altíssimas taxas de adoção de smartphones nos países ricos e a dificuldade de competir com produtos baratos nos mercados emergentes, e o milagre da multiplicação das receitas que seduziram os investidores por uma década começa a ficar duvidoso.
O megainvestidor americano Carl Icahn é um dos que abandonaram o barco.

Icahn, conhecido por comprar grandes participações em empresas abertas para tentar influenciar a administração, chegou a ter quase 1% da Apple. Em abril, ele se desfez de tudo, uma bolada que alcançou o valor de 5  bilhões de dólares. Icahn afirma que Cook é um ótimo executivo e que as ações da empresa ainda estão baratas.

Warren ­Buffett, o mais famoso dos megainvestidores, anunciou recentemente a compra de 1 bilhão de dólares em papéis da Apple no primeiro trimestre, mas em meados de maio o valor já tinha caído para 890 milhões de dólares. No caso de Icahn, o que motivou a fuga foi a China. Segundo o investidor, o governo chinês “pode dificultar a vida” da companhia.

Dias após a entrevista de Icahn, o governo chinês bloqueou as lojas virtuais de livros e filmes da Apple, que estavam em operação havia apenas seis meses. A proibição tem a ver com censura política, e é improvável que haja obstáculos na venda de aparelhos.

Talvez para aplacar a ansiedade dos governantes chineses, a Apple anunciou um investimento de 1 bilhão de dólares na Didi Chuxing, concorrente local do aplicativo de transporte Uber.

Novos mercados

Outra interrogação é a Índia. O Ministé­rio das Telecomunicações indiano ne­gou um pedido da Apple para vender aparelhos recondicionados no ­país. A ideia era oferecer iPhones usados para competir em preço. De cada dez smart­phones comprados no país, sete custam menos de 150 dólares. Um iPhone novo não sai por menos de três vezes esse valor.

Em entrevista recente, Cook afirmou que a Índia é um dos países-chave para a Apple. As vendas no país aumentaram 56% em relação a 2015, mas a base de comparação é pequena. A empresa detém só 2% do mercado indiano.

O recém-lançado iPhone SE, mais barato e com design da geração anterior, é uma tentativa de competir no segmento de preços intermediários — embora os modelos coloridos 5C, lançados há dois anos, não tenham tido sucesso. É difícil superestimar o feito da Apple com o iPhone. A primeira versão foi apresentada em janeiro de 2007 e chegou às mãos dos consumidores cinco meses depois.

Já havia celulares inteligentes antes, mas, com a tela multitoque, a elegância do sistema operacional e um design radicalmente diferente, o iPhone mudou as regras do jogo (lembre-se de que há dez anos o Blackberry era símbolo de status). No ano passado, mais de 1,4 bilhão de smartphones foram vendidos no mundo inteiro, quase cinco vezes o total de PCs.

Embora venda menos de 20% desse total, a Apple fica com 80% dos lucros do setor. “Há muitos smartphones com funções parecidas e muito mais baratos, mas isso não afeta a lucratividade da Apple”, diz Gene Munster, analista sênior do banco de investimento Piper Jaffray. Se é possível repetir esse sucesso espetacular é a pergunta de muitos bilhões de dólares. A resposta não é o iPad.

As vendas do tablet vêm caindo há dois anos. Apesar da introdução de tecnologias como telas capazes de reprodução fiel das cores e acessórios como o lápis digital iPencil, os iPads não são versáteis o suficiente para substituir um laptop e podem ser supérfluos para quem já resolve a vida com um smartphone. Os computadores também não serão a saí­da.

A Apple, que há dez anos tirou o “Computer” do nome, nunca vendeu tantos Macs como hoje, mas o mercado de PCs já passou do auge. A expectativa mais otimista é de uma longa fase de estagnação. Como aponta um relatório da consultoria americana IDC, a vida útil dos computadores de mesa e laptops é cada vez maior, e eles enfrentam a concorrência justamente de smartphones e tablets.

Todo o peso da expectativa recai sobre o Apple Watch. O relógio inteligente foi lançado há um ano em um evento grandioso — e com a hiperbólica cobertura de mídia que costuma acompanhar novos produtos da Apple.

O auê era compreensível: o Apple Watch foi o primeiro produto realmente novo da empresa desde o iPad (que estreou em 2010) e o primeiro grande lançamento depois da morte de Steve Jobs em 2011. A Apple não divulga os números de vendas do relógio, mas analistas estimam que 12 milhões de unidades tenham sido vendidas no primeiro ano.

É o dobro do número de iPhones vendidos nos seus primeiros 12 meses, e potencialmente um negócio de 6 bilhões de dólares. Até agora, porém, ninguém sabe dizer se esse “computador de vestir” será uma grande plataforma computacional ou um item para consumidores endinheirados e dispostos a experimentar qualquer novidade. A bateria dura pouco tempo e o soft­ware é lento.

O jornalista Casey Chan, do site especializado em tecnologia pessoal Gizmodo, abandonou o Apple Watch depois de dez meses. “Ainda não sei o que os botões fazem”, escreveu Chan sobre o aparelho — uma crítica dura para uma empresa conhecida por sua obsessão com o design integrado de hardware e software.

Os elogios são unânimes em relação ao acompanhamento de atividades físicas e aos avisos de mensagens de texto e ligações. Mas outros aparelhos fazem o mesmo e custam menos. Três de cada quatro gadgets “de vestir” são pulseiras inteligentes, segundo um levantamento da Kantar Worldpanel ComTech.

Apesar das funções mais avançadas, o Apple Watch tem apenas 7% do mercado americano, ante 62% da Fitbit, líder do segmento de monitores de atividade física. Para o analista J.P. Gown­der, da empresa de pesquisas Forrester Research, o Apple Watch ainda não provou ser “indispensável”.

O FUTURO É O CARRO?

Apesar do silêncio oficial sobre o assunto, não há dúvida de que a Apple esteja desenvolvendo um carro. O projeto tem o nome interno de Titan e envolve mais de 600 pessoas, incluindo vários engenheiros com experiência em veículos autônomos, segundo reportagens publicadas na imprensa americana. Concorrentes como o Google estão mais adiantados.

Isso sem contar que as montadoras fazem parte de um setor infinitamente mais complexo do ponto de vista industrial. Há ainda a competição da Tesla. Antes que um eventual carro com o logotipo da maçã mordida seja visto nas ruas, é preciso resolver questões regulatórias essenciais quanto aos veículos sem motorista.

Mas a ideia de uma revolução nos carros semelhante à do iPhone nos celulares faz muita gente sonhar no Vale do Silício — ou ter pesadelos em Detroit. Outra ruptura há muito aguardada é no negócio da TV paga.

No ano passado houve muita especulação em torno da nova versão do Apple TV, aparelho que se conecta aos televisores para exibir filmes e assistir à Netflix, entre outros serviços.

A expectativa — ou a esperança, para muita gente — era que a Apple oferecesse um serviço à la carte de canais (ou aplicativos de canais, mais precisamente) por meio do qual os consumidores pudessem montar os próprios pacotes de TV paga. Não aconteceu. “As negociações de direitos com os donos de conteúdo são extremamente complexas”, diz Brad Adgate, da consultoria Horizon Media.

“Vai ser difícil destronar as empresas de TV paga.” Uma novidade importante é a abertura da plataforma para que desenvolvedores criem seus aplicativos para o Apple TV, como aconteceu com o iPhone. Cook disse que o aparelho “é a fundação do futuro da TV” — um futuro que continua distante. “Temos inovações incríveis em desenvolvimento”, disse Cook aos analistas de Wall Street recentemente.

Os consumidores querem um novo hit tão transformador quanto o iPhone, e os investidores, uma nova máquina de fazer dinheiro. Essa expectativa só existe por causa do sucesso fenomenal da empresa na última década. A Apple faturou 233 bilhões de dólares e lucrou 53 bilhões em 2015 — mais do que o dobro dos resultados obtidos em 2011.

Parece pouco razoável esperar que uma empresa tão grande continue crescendo no mesmo ritmo. Mas, adaptando a frase surrada do mundo do futebol, é o tipo de problema que todo presidente de empresa gostaria de ter.

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