Revista Exame

Conheça a empresa que se tornou o braço direito das startups no Brasil

A redução do tempo dos ciclos de inovação trouxe novos desafios para as startups, mas também oportunidades, defende Pedro Waengertner, CEO da ACE

Pedro Waengertner: empresas com cultura forte ficam mais tempo no topo (Omar Paixão/Divulgação)

Pedro Waengertner: empresas com cultura forte ficam mais tempo no topo (Omar Paixão/Divulgação)

Ivan Padilla

Ivan Padilla

Publicado em 12 de dezembro de 2022 às 06h00.

A palavra mais dita na ACE, não há dúvida, é “inovação”. Criada há exatos dez anos, a companhia já avaliou mais de 25.000 startups, acelerou 450 delas e investiu em 120. Fundada por Pedro Waengertner, que exerce o cargo de CEO, e Mike Ajnsztajn, a empresa se apresenta como uma holding de inovação em negócios e apoio ao empreendedorismo. Além de catapultar startups, presta consultoria de inovação.

Com novas fontes de receita e ganhos de eficiência, a ACE ajudou mais de 140 companhias — da Vale à Unilever, da Ambev à Mastercard — a gerar cerca de 3 bilhões de reais extras. Autor do best-seller A Estratégia da Inovação Radical, que esmiúça os princípios seguidos por companhias célebres do Vale do Silício, Waengertner compreende como poucos que os ciclos de inovação estão cada vez mais curtos. O que, segundo ele, se traduz em novos desafios para as startups, mas também em oportunidades. A seguir, o CEO detalha sua tese.

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Por que os ciclos de inovação estão cada vez mais curtos?

Na época da Revolução Industrial, duas pessoas podiam construir uma máquina a vapor simultaneamente, em lugares diferentes, sem que uma soubesse da invenção da outra. A história dos Irmãos Wright e de Santos Dumont, que inventaram o avião, serve de prova. Hoje, as informações voam e qualquer invenção pode ser copiada. E cria-se muito coletivamente.

O futuro do bitcoin e do ethereum, por exemplo, está sendo decidido por comunidades da Web3. Por outro lado, não é mais preciso começar do zero, o que acelera muito a inovação. Você pode unir o seu SaaS (sigla em inglês para “software como serviço”), por exemplo, a um sistema de inteligência artificial já existente. Por fim, há muito mais dinheiro disponível para financiar a inovação. Com o venture capital, que ganhou força só nos últimos 30 anos, qualquer empresa pequena pode vir a concorrer com gigantes estabelecidos. 

Ciclos mais curtos podem se traduzir em oportunidades para as startups?

Sim, e em parte porque o ritmo de adoção de novas tecnologias é cada vez maior. Atualmente, um dos aplicativos mais baixados na App Store nos Estados Unidos é o Gas, que, em resumo, permite descobrir se alguém da escola acha você bonito. Bombou e existe só há três, quatro meses. Pode ser que ele desapareça tão rapidamente como surgiu? Pode.

O que faz a diferença é a chamada vantagem competitiva sustentável. As startups que se mantêm no topo são aquelas que atingiram determinada escala de distribuição, que têm uma engenharia de marketing eficiente, que souberam implantar uma cultura, e por aí vai.

A longevidade do negócio depende de tudo isso, e não só da invenção de um novo produto — como o avião, no começo do século passado. Todo software, aliás, pode ser copiado. É por isso que, provavelmente, as grandes empresas não estarão vendendo, daqui a dez anos, os mesmos produtos que vendem hoje. A fórmula que elas têm para inovar é muito mais relevante do que os produtos que oferecem atualmente, pois estes podem cair em desuso. 

Com ciclos mais curtos, muitas startups não correm o risco de já nascerem com prazo de validade?

O segredo é não focar o produto, e sim o problema que a startup se propõe a resolver. Pegue o Google de exemplo. Ele resolve dois problemas: ajuda todo mundo a pesquisar e conecta os anunciantes a potenciais clientes. Foi uma das maiores invenções do século, pois deu eficiência à publicidade. O Facebook usou exatamente a mesma fórmula e se transformou em uma máquina de imprimir dinheiro. A questão é se, no médio e no longo prazo, o produto oferecido pelo Google continuará resolvendo o problema da publicidade ou se a companhia será obrigada a se reinventar. Que o problema vai continuar existindo não há dúvida. Porque as marcas sempre estarão em busca de consumidores. 

Por que a inovação não pode ser entendida simplesmente como um produto ou projeto disruptivo?

Porque só um produto inovador não basta. É preciso inovar também em aspectos que passam despercebidos. O produto é entregue de maneira inovadora? Há uma estratégia inovadora para fazer com que os clientes voltem a comprá-lo? Os demais elementos da equação merecem o mesmo rigor e atenção dados ao produto. Todo mundo adora robôs ou qualquer item que exale tecnologia. Mas de quantos robôs nós realmente precisamos? Quantas pessoas comprariam um? As startups mais inovadoras não dispõem apenas de um produto ímpar. Elas inovaram em diversos pontos para “resolver o problema” dos clientes da melhor maneira possível. Às vezes, um suporte ao consumidor eficiente é mais inovador do que um produto fora de série — e pode colocar sua startup na dianteira.

Em 2013, quando a Aileen Lee cunhou o termo “unicórnio” para startups com valuation de mais de 1 bilhão de dólares, ele podia ser aplicado a 39 empresas. Atualmente, esse número supera 1.200. Essa marca ficou obsoleta?

Cerca de 20 empresas de tecnologia listadas nos Estados Unidos valem mais de 10 bilhões de dólares. Ao mesmo tempo, mais de 100 empresas com capital fechado dizem valer mais de 10 bilhões de dólares. A maioria dessa centena, provavelmente, não vale tudo isso. O problema é que uma startup não vira unicórnio por causa do faturamento ou da opinião dos clientes. Vira porque os investidores e os empreendedores decidiram que ela vale 1 bilhão de dólares. Ainda assim, essa marca diz muito sobre a startup, que conseguiu gerar muito valor e geralmente em muito pouco tempo. Nos últimos anos, com excesso de liquidez no mercado, muitas star­tups receberam aportes, sobretudo nas rodadas mais avançadas, que as colocaram no clube dos unicórnios. Mas houve várias distorções. E é por isso que algumas startups, na hora do IPO, acabam valendo menos do que antes. E há casos de unicórnios que desapareceram. 

Muitas startups fizeram demissões em massa neste ano. De que forma esse fenômeno deve ser compreendido?

Ele é parte de uma correção generalizada dos valores das startups. Na prática, o mercado está dizendo que não acredita que elas valham tanto quanto dizem e está cobrando performance. Está exigindo Ebitda e alguma taxa de crescimento. Para as startups, a única saída é fazer as contas e diminuir os custos fixos. Porque os grandes fundos de venture capital, como SoftBank e Tiger Global, estão investindo agora com mais austeridade. Os empreendedores que estão gastando dinheiro despreocupadamente, contando com futuras rodadas de investimento, deveriam mudar de estratégia, porque elas podem não acontecer.  

Entrega da Amazon em São Francisco: empresa paga poucos dividendos e reinveste em inovação (David Paul Morris/Bloomberg/Getty Images)

Para muitas startups, o IPO é tido como uma linha de chegada. Não pode ser uma camisa de força para empresas muito disruptivas?

Nos últimos anos, muitas startups brasileiras abriram o capital cedo demais. Empresas que ainda estão descobrindo como distribuir seus produtos, que não geram receitas expressivas e reinvestem tudo que ganham não costumam ser bem compreendidas pelos investidores do mercado de capitais. E sobretudo no Brasil, onde empresas tradicionais pagam dividendos expressivos aos acionistas, como a Petrobras. É difícil alguém se convencer a comprar papéis que vão demorar anos e anos para dar retorno. Nos Estados Unidos é mais comum. Daí a famosa carta que Jeff ­Bezos escreveu no IPO da Amazon, avisando os futuros acionistas de que não distribuiria dividendos tão cedo. O Facebook está apanhando feito cachorro porque resolveu gastar 20 bilhões de dólares, que poderiam ter sido distribuídos aos acionistas, com o metaverso. Está agindo como uma startup novamente. Já a Apple atingiu o valuation atual, de 2,1 trilhões de dólares, porque Tim Cook passou a distribuir dividendos de maneira consistente. 

Quais lições de gigantes do Vale do Silício as outras startups não estão seguindo?

Os gigantes de lá criaram formas particulares de agir. A Amazon, que não é uma notória pagadora de dividendos, reinveste em inovação. Daí o surgimento da Alexa, do Kindle e do Amazon Web Services, que ajudam a manter a companhia relevante. Já o Google e a Apple mantêm o dinheiro no caixa, enquanto a Salesforce aposta em aquisições. De modo geral, todas as companhias de lá que faturam bilhões e seguem inovando continuam a ser tocadas pelos fundadores. No Brasil, geralmente, eles vão para o conselho de administração e são substituídos por executivos do mercado. Quando isso ocorre, o ritmo tende a mudar. 

 As companhias tradicionais deveriam se inspirar nas startups?

As empresas tradicionais costumam se deparar com o chamado dilema da inovação. Elas inovaram lá atrás, se deram bem e hoje geram resultados enormes. E dificilmente vão dar um salto em outra direção. O BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da EXAME), por exemplo, está conseguindo entrar no segmento de varejo, algo que é muito difícil. As empresas consolidadas deveriam, sim, experimentar mais, como as startups, para dar novos saltos. Diversas startups, por outro lado, implodiram porque não souberam se estruturar. Não dá para apostar só em disrupção. Também é preciso agir como qualquer empresa consolidada e dar a devida atenção à governança.

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