Revista Exame

Vamos esperar mais 70 anos para mudar a CLT?

As leis do trabalho foram feitas num Brasil que há muito deixou de existir. Como leis são feitas para ser cumpridas, a opção é lutar para mudá-las. Ou pagar um preço alto

Retrato do passado: o trabalho de montagem dos carros mudou e continuará a mudar, já as leis trabalhistas... (CELIO APOLINARIO/ VEJA)

Retrato do passado: o trabalho de montagem dos carros mudou e continuará a mudar, já as leis trabalhistas... (CELIO APOLINARIO/ VEJA)

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Da Redação

Publicado em 1 de maio de 2013 às 09h11.

São Paulo - Em 1836, já no fim de sua viagem a bordo do Beagle, Charles Darwin, um dos maiores gênios que o mundo já conheceu, escreveu à sua irmã Susan: “Um homem que ousa desperdiçar 1 hora do tempo não descobriu o va­lor da vida”.

A frase vale para homens e para nações. O tem­po não é exatamente um valor para nós, brasileiros. Somos ótimos em fazer diagnósticos e péssimos na hora de to­mar as medidas necessárias para corrigir nossos problemas.

Por que mudar, e arriscar perder votos hoje, se é possível deixar os atos de coragem para amanhã? Só um desprezo profun­do pelo valor do tempo e pelas consequências dessa postura po­de explicar a sobrevivência de um conjunto de leis que, neste ano, completarão sete décadas. A Consolidação das Leis do Trabalho foi concebida num país e para um capi­ta­lismo que há muito deixaram de existir. O mundo mudou e vem mudando numa velocidade cada vez maior.

O trabalho mudou e continuará se transformando num ritmo difícil de ser acompanhado até por empresas mais contemporâneas. As tecnolo­gias transformaram nossa vida. Não somos os mesmos — e já não vivemos como nossos pais. E foi assim, graças a uma postura autista da sociedade, que a legislação que rege o traba­lho no Brasil ganhou merecidamente o título de a pior do mundo.

É a pior, entre outras razões, por ser um monumento à hipocrisia. Nossa lei determina que sejam pagos adicionais de insalubridade a trabalhadores submetidos a altas tempera­tu­ras — embora ninguém diga o que isso significa.

É o fim do trabalho ao ar livre nos trópicos, ainda que não seja neces­sário nenhum esforço para encontrar milhares de brasileiros trabalhando como lixeiros, carteiros, pedreiros e vendedores — e assim será até que um gênio do Vale do Silício descubra uma nova maneira de desempenhar esse tipo de atividade.

Enquanto isso, os juízes do Tra­balho estarão a postos sempre que alguém decidir “buscar seus direitos na Justiça”. Jornadas flexíveis são o sonho das novas gerações de profissionais qualificados. Mas, no Brasil de 2013, é um perigo negociar 15 minutos a mais ou a menos no horário de almoço. A lei manda: 1 hora para todo mundo — até para quem não quer.

Por favor, pense 2 minutos antes de dizer que movimentos pa­ra modernizar as leis trabalhistas são cortinas de fumaça pa­ra quem quer simplesmente extirpar “os direitos conquista­dos pelos trabalhadores brasileiros”. Os Estados Unidos têm uma das legislações mais flexíveis do mundo — e ninguém vai me convencer de que, em termos gerais, o trabalhador americano tem uma vida pior que a do brasileiro.

Também não serve como argumento nossa atual situação de quase ple­no emprego, com trabalhadores sorridentes, balançando a carteira profissional ao vento, numa cena típica de programa eleitoral gratuito.

Restritiva por natureza, nossa septuage­nária CLT não vale para todo mundo. Temos uma população economicamente ativa de pouco mais de 100 milhões de pessoas. Mais da metade delas não está vinculada a esse conjunto de leis. Para mais de 52 milhões de brasileiros — empreendedores, autônomos, empregados de pequenas compa­nhias —, o trabalho se amolda à necessidade ou à liberdade.

É evidente que o Brasil vive numa espécie de buraco negro de produtividade em vários setores da economia. Mudar esse quadro depende basicamente de nossa capacidade de inovar, qualificar a mão de obra e instituir uma regulação que concilie os interesses de trabalhadores e empresas.

Descumprir a lei, por mais anacrônica, perversa e irracional que ela seja, não é uma opção. Leis são feitas para ser cumpridas. A opção é lutar para transformá-las.

Nas últimas sete décadas, os interesses políticos e eleitorais têm levado a melhor — tal­vez por pura incompetência do discurso da iniciativa privada. Setenta anos é bastante tempo. Boa parte dele foi desperdiçada pelo imobilismo. Podemos até escolher conviver mais 70 anos com a lei que está aí. Mas é preciso ficar claro que haverá um preço a pagar. A decisão vale a forma como viveremos no futuro.

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