Vacinação contra a covid-19 na cidade de São Paulo. (Leandro Fonseca/Exame)
Carla Aranha
Publicado em 18 de novembro de 2021 às 05h34.
Última atualização em 7 de dezembro de 2021 às 12h57.
Para sair da crise sanitária causada pelo vírus da covid-19, a solução veio por meio da vacina, desenvolvida em tempo recorde, menos de um ano. Atualmente há 19 plataformas liberadas para a aplicação em todo o mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde. Mais de 7 bilhões de doses já foram administradas globalmente, com 51% da população mundial imunizada com pelo menos a primeira dose. A vacina mudou o mundo — e seus benefícios foram sentidos diretamente nas cidades brasileiras. Sem o imunizante, os municípios pararam sob os efeitos da pandemia. Com ele, a ordem foi correr para vacinar sua população e buscar a retomada da economia local. E as cidades que melhor lidaram com os desafios logísticos, políticos e da conscientização das pessoas foram as que mais se destacaram no ranking Melhores Cidades para Fazer Negócios.
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Este é oitavo levantamento elaborado anualmente pela consultoria Urban Systems com exclusividade para a EXAME, no qual são avaliados seis segmentos econômicos: educação, comércio, serviços, indústria, mercado imobiliário e agropecuária. Para chegar ao ranking, foram analisados mais de 60 indicadores, como saldo de empregos e crescimento dos setores, nas 326 cidades brasileiras com mais de 100.000 habitantes. Neste ano, a consultoria também avaliou o ritmo de vacinação e a taxa de letalidade da covid-19 em cada um dos municípios, no dia 15 de outubro, para uma fotografia de comparação. “A imunização também é uma questão econômica. Em relação ao ano passado, houve uma melhora significativa nos indicadores em todas as cidades. Os municípios que lidaram melhor com a campanha de vacinação contra a covid-19 tiveram um desempenho melhor”, afirma Willian Rigon, sócio e diretor de marketing da consultoria Urban Systems.
No dia 8 de novembro, oito estados brasileiros não registraram óbitos pela covid-19 no período de um dia: Acre, Amapá, Goiás, Minas Gerais, Rondônia, Roraima, São Paulo e Sergipe. Foi a primeira vez que isso ocorreu desde o início da pandemia no Brasil, em fevereiro de 2020 — de lá para cá, como se sabe, o país acumula mais de 620.000 mortes. A média diária de óbitos pelo coronavírus está abaixo de 300, número somente registrado em abril do ano passado. Se no começo do ano os leitos de UTI em todo o país colapsaram, a ocupação em boa parte dos estados é inferior a 50%, segundo o mais recente boletim da Fundação Oswaldo Cruz.
Dez meses após a primeira pessoa vacinada, o Brasil tem — até o fechamento desta edição — mais de 57% da população totalmente protegida contra o coronavírus. Mais de 11 milhões de pessoas com mais de 60 anos e com o sistema imunológico comprometido receberam uma dose de reforço. E todo esse enorme esforço de vacinar a população brasileira e chegar a um controle maior da covid-19 recaiu na ponta: as cidades. O Programa Nacional de Imunizações, criado na década de 1970, divide atribuições entre União, estados e municípios. Mas é no posto de saúde mais próximo que o imunizante chega ao braço da população — e são as cidades que mais rapidamente sentem os efeitos da imunização.
O número de vacinados impactou diretamente na abertura de mais setores da economia, sem praticamente nenhuma restrição, e no aumento da circulação das pessoas. Festas de Réveillon e Carnaval nas maiores cidades do país já estão marcadas. Apesar do otimismo, especialistas em saúde pública pedem cautela na liberação do uso de máscara, por exemplo. O Rio de Janeiro permite a circulação sem o item de segurança desde o fim de outubro. A prefeitura de São Paulo vai esperar até dezembro para tomar uma decisão em relação ao tema. O médico sanitarista Gonzalo Vecina, uma das maiores autoridades em saúde pública do país, avalia que em ambientes abertos já se poderia liberar, mas festas com grandes aglomerações, como o carnaval de rua, deveriam ficar somente para 2023.
A cidade de São Paulo, por exemplo, está entre os 20 municípios com maior parcela da população totalmente vacinada — 75%, até o fechamento desta edição — e aparece como a melhor cidade para fazer negócios nas áreas de comércio, mercado imobiliário e educação. “A vacinação impactou na projeção, na expectativa. Se o empresário tem menos restrições, ele investe mais”, diz Guilherme Dietze, assessor econômico da FecomercioSP e pesquisador sobre a economia da cidade. São Paulo foi uma das mais afetadas pela crise da pandemia de covid-19. Em 2020, mais de 97.000 postos de trabalho foram fechados. Mas, assim que a reabertura começou, a retomada econômica deu sinais positivos. Neste ano, o saldo de empregos criados está em 294.591 postos, um crescimento de 6,89% entre janeiro e agosto. Desde o fim de outubro, não há mais restrições de distanciamento entre clientes e de horário de fechamento para o comércio. “Em uma cidade com quase 12,5 milhões de habitantes, é preciso uma logística muito grande. A população foi muito consciente e se vacinou. Hoje São Paulo é a capital mundial da vacina. E o que isso tem a ver com a economia? Todos tiveram um impacto muito grande com a pandemia por causa do fechamento do comércio, mas nós conseguimos voltar antes, praticamente sem risco de regressão, como está acontecendo em alguns países da Europa”, diz Ricardo Nunes (MDB), prefeito de São Paulo.
Além da maior cidade do país, Florianópolis aparece entre as cinco capitais que mais vacinaram contra a covid-19 — com mais de 92% da população imunizada com pelo menos a primeira dose e 77% com o esquema completo — no dado da semana passada. A capital catarinense aparece em terceiro como a melhor cidade para investir em comércio e em serviços. Santa Catarina ainda tem cinco dos 11 municípios com as menores taxas de letalidade da doença. Jaraguá do Sul, com mais de 58% da população imunizada (número da semana passada), criou 5.830 postos de trabalho de janeiro a agosto, um crescimento de 9,05% em relação ao mesmo período do ano passado. Deste total, 3.700 estão na indústria, puxados pelo gigante WEG, que viu a receita crescer 31% em 2020 e projeta o mesmo número para este ano. “As secretarias de estado trabalham juntas. Quando discutimos as portarias sobre regras sanitárias dos frigoríficos [setor importante para o produto interno bruto do estado], sentamos com o Ministério Público do Trabalho, com os municípios, com as empresas, para pactuar uma forma segura de manter as atividades e não fazer a interrupção da atividade econômica”, explica o médico e secretário da Saúde de Santa Catarina, André Motta Ribeiro.
Barueri, em São Paulo, primeira colocada no eixo de serviços, também precisou de diálogo para ultrapassar os 72% da população adulta com o esquema vacinal completo — número da semana passada. “Temos na cidade 300.000 habitantes, mas há uma população flutuante de 270.000 pessoas. Era primordial avançar na vacinação. Fizemos uma pressão junto com o governo estadual para conseguir lotes grandes de vacinas e avançar na imunização, o que deu certo”, diz o prefeito Rubens Furlan (PSDB). A imunização permitiu ainda a retomada das atividades escolares. Vitória, no Espírito Santo, é a capital com o maior índice de vacinação medido pelo ranking no dia 15 de outubro: 77,3%. O número ajudou a alavancar a cidade da 43a posição em 2020 para a quarta melhor cidade para fazer negócios na área de educação. Da mesma maneira, no campo, a segunda melhor cidade para fazer negócios em agropecuária, Patos de Minas, em Minas Gerais, tinha 59,8% de vacinados em meados de outubro. E o resultado veio nos números, com um aumento da produtividade na lavoura permanente, de 10.579 reais de valor da produção por área colhida, em 2020, para 16.230 reais no estudo deste ano.
Ainda que o ranking mostre os melhores lugares para oportunidades de negócios, o Brasil enfrenta desafios para os próximos meses. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a inflação acumulada dos últimos 12 meses, até outubro, está em 10,67%. Também estão na mesa as definições políticas, com as eleições presidenciais de 2022. A política impactou diretamente o ritmo de vacinação, levando a atrasos na compra de imunizantes, e ainda é preciso ficar alerta com a covid-19. A boa notícia é que o governo brasileiro já garantiu 354 milhões de doses de vacina para 2022. Se tudo seguir no ritmo atual, a pandemia de covid-19 será um capítulo superado para as cidades brasileiras.
Se a cidade de São Paulo fosse um país, estaria entre as 50 maiores economias do mundo, com um produto interno bruto anual na casa dos 700 bilhões de reais. E, não diferentemente do restante do planeta, foi afetada em cheio pela pandemia de covid-19, onde foi registrado o primeiro caso do país, no fim de fevereiro de 2020. Mas a recuperação veio mais rápido do que em outros lugares, fruto da vacinação em massa que chegou a níveis que superam, proporcionalmente, países como França (68%) e Estados Unidos (57%). Até o fechamento desta edição, mais de 9 milhões de pessoas estavam totalmente vacinadas contra a covid-19 (o que equivale a 75% da população), e a vida volta quase ao normal, ainda que o uso de máscara seja obrigatório até, pelo menos, o fim do ano. Desde o começo de novembro, a prefeitura retirou as restrições de distanciamento de clientes em todos os estabelecimentos comerciais. As escolas já retomaram as aulas presenciais.
O ritmo acelerado de vacinação contribuiu para que São Paulo ficasse em primeiro lugar no ranking Melhores Cidades para Fazer Negócios, da Urban Systems, em três eixos econômicos: comércio, educação e setor imobiliário. O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), destaca o esforço logístico. “Montamos uma grande rede com dez hospitais e 700 pontos de vacinação, contratamos 11.500 profissionais de saúde”, afirma Nunes.
Dos três setores em que a cidade ficou em primeiro lugar no ranking, o mercado imobiliário nunca parou durante a pandemia de covid-19. Desde o primeiro decreto de restrições, a construção civil foi considerada essencial. Apesar da incerteza inicial, o ritmo de obras foi retomado e cresceu. De janeiro a junho deste ano, os lançamentos totalizaram 27.114 unidades, superando o recorde anterior do primeiro semestre de 2019, com o registro de 20.157 unidades lançadas. O impacto positivo medido foi também reflexo da baixa taxa básica de juro, a Selic, que estava na casa dos 2% no ano passado. Agora ela já está em 7,75%, e com tendência de alta. Marcello Pessoa, presidente da Lock Engenharia, com empreendimentos na capital paulista, diz que o setor é impactado diretamente pelo número. “Vamos ter uma queda de 20% em novos lançamentos daqui para a frente. Com o aumento dos custos, por causa da inflação, o lucro deverá cair em torno de 30%”, diz.
Em 2020, a cidade foi uma das mais impactadas no setor comercial, com o fechamento de mais de 50.000 postos de trabalho entre janeiroa agosto. Neste ano, o saldo do setor, no mesmo período, já é positivo, com mais de 7.000 empregos a mais entre desligamentos e contratações. Guilherme Dietze, assessor econômico da FecomercioSP, avalia que São Paulo é um reflexo do comércio do Brasil e, por isso, se destaca no cenário nacional. “O país todo vai comprar na Rua 25 de Março, na Santa Ifigênia ou no Brás, para atender os mercados locais”, diz. De acordo com pesquisa da FecomercioSP, o Índice de Confiança dos Empresários do Comércio cresceu pela quarta vez consecutiva e avançou 5,4%, ao passar de 107,8 pontos, em agosto, para 113,5 pontos, em setembro.
Também muito impactado pela pandemia, o setor de educação precisou se adaptar à nova realidade, com o ensino remoto. Na educação básica, quase 6% dos alunos de todo o país estão na capital paulista. Já na educação superior, a cidade tem cerca de 920.000 estudantes, o que equivale a 10,7% de todos os matriculados no Brasil. Com a volta das atividades presenciais obrigatórias e o fim do distanciamento entre os alunos, os números ficaram positivos: de janeiro a agosto de 2021, foram criados 9.401 empregos, em comparação a 2020. Muitos desses novos postos se encaixam na modalidade remota. “Para 2022, o Insper vai lançar cursos de pós-graduação com aulas 100% online. Há uma demanda grande”, afirma David Kallás, coordenador executivo de pós-graduação da instituição.
As campeãs nos setores da indústria e dos serviços, ambas no estado de São Paulo, dividem mais do que a proximidade geográfica. São Bernardo do Campo, em primeiro lugar no setor industrial, e Barueri, líder na atividade de serviços, se destacam entre as cidades que mais avançaram na vacinação contra a covid-19, à frente de capitais como Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Ambos os municípios também já vinham se reinventando antes da pandemia.
Berço da indústria automobilística no Brasil, São Bernardo escapou dos efeitos perversos da queda na fabricação de veículos que veio a reboque da pandemia com uma estratégia que tinha como base soluções como facilidades para a obtenção de licenças para a instalação de negócios e descontos no IPTU mediante a geração de empregos. Entre janeiro e agosto, os embarques de produtos industrializados tiveram um aumento de 40% em relação ao mesmo período de 2020, acompanhados pela criação de mais de 10.000 postos de trabalho. Hoje, o setor automotivo é responsável por 40% da geração de empregos — o restante vem de segmentos como o de máquinas e químicos. “A estratégia de combate à pandemia e a visão de negócios da cidade foram essenciais”, diz Renato Massara Júnior, diretor comercial e de marketing da Wheaton, uma das maiores fabricantes de embalagens de vidro do país e instalada em São Bernardo. A empresa vive um bom momento e tem previsão de aumento de 25% nas exportações neste ano.
Já Barueri, sede de grandes empresas, como o Mercado Livre, atrai investidores em razão da boa infraestrutura de telecomunicações: 80% das conexões de banda larga na cidade são de alta velocidade. Avanços como esse vêm atraindo empresas de TI e de outros segmentos de serviços. “A alta conectividade no município e o bom ambiente de negócios colaboram para os bons resultados”, diz André Turquetto, diretor executivo da Veloe, com sede em Barueri. A empresa especializada no pagamento automático em estacionamentos também vai de vento em popa, com a expectativa de dobrar o faturamento neste ano, chegando a 2,8 bilhões de reais. “Várias companhias com as quais fazemos negócios estão hoje na cidade, basta atravessar a rua para encontrar nossos parceiros”, diz Turquetto.
No início do mês de novembro, o produtor rural Guilherme Coelho, de Petrolina, Pernambuco, embarcou para Glasgow, na Escócia, com uma missão especial. Proprietário da fazenda Santa Felicidade, uma das maiores da região, ele apresentou uma palestra sobre a fruticultura brasileira durante a COP26, a conferência mundial do clima, que reuniu centenas de líderes globais e empresários. “Nenhuma fruta sai de Petrolina sem estar certificada por organismos internacionais, que verificam uma série de parâmetros de qualidade e sustentabilidade”, diz.
A fazenda Santa Felicidade é uma vitrine do agronegócio local. Em 190 hectares são produzidas por ano mais de 6.000 toneladas de manga e uva, os carros-chefes da região, em uma atividade que emprega 600 pessoas. A maior parte da produção é exportada. Em toda a região, os produtores rurais têm muito o que comemorar. A expectativa é fechar 2021 com um resultado recorde, tanto de produção, que deve chegar a 1,2 milhão de toneladas de frutas, quanto de exportação, com uma receita estimada em 1 bilhão de dólares, 14% mais do que em 2020. “O aumento da produtividade, aliado ao câmbio favorável, tornou a região um novo eldorado”, afirma Guilherme Coelho.
Primeira colocada na categoria Agronegócio do ranking das Melhores Cidades para Fazer Negócios, Petrolina soube tirar proveito da localização privilegiada, no Vale do Rio São Francisco, onde foram realizados grandes programas de irrigação, e de novas técnicas de plantio. Nos últimos anos, investimentos da ordem de 380 milhões de reais em infraestrutura têm feito a diferença para o escoamento da produção — as duas rodovias que ligam a maioria das fazendas ao aeroporto de Petrolina e a Recife foram duplicadas. “Essas melhorias são fundamentais para pavimentar o crescimento do agro”, diz Miguel Coelho (MDB), prefeito de Petrolina, reeleito em 2020.