Revista Exame

Uninove é cobiçada pelos concorrentes mas os donos resistem

A rede de universidades Uninove é há anos o alvo dos sonhos da concorrência. O problema é convencer a família Storópoli a vendê-la


	Entrada da Uninove: aposta na classe C para chegar à liderança em São Paulo
 (Fabiano Accorsi / VOCÊ S/A)

Entrada da Uninove: aposta na classe C para chegar à liderança em São Paulo (Fabiano Accorsi / VOCÊ S/A)

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Da Redação

Publicado em 8 de outubro de 2015 às 10h26.

São Paulo — Há duas formas de calcular o valor de uma rede de universidades no Brasil de 2015. A primeira considera números que estão no manual de qualquer banqueiro de investimento iniciante — geração de caixa, dívida, crescimento, número de alunos, qualidade do ensino.

A segunda só entrou no radar nos últimos meses: o tamanho da dependência do Fies, o programa de financiamento estudantil do governo federal. Como o Ministério da Educação decidiu cortar as verbas do programa no início do ano — e pode fazer novas mudanças a partir de 2016 —, quanto menos alunos financiados pela União, mais valiosa é a instituição.

Por qualquer desses critérios, a rede paulistana de universidades Uninove é um destaque. A empresa é líder em ensino superior na maior cidade do país, com 120 000 alunos, não tem dívidas e triplicou o faturamento e o lucro ao longo da última década.

Junte-se a isso o fato de ter apenas 10% dos alunos financiados pelo governo — ante mais de 40% dos grupos de educação listados em bolsa e 22% da principal concorrente, a Unip — e chega-se a uma combinação que faz salivar investidores e grandes grupos de ensino. O problema é convencer os três irmãos Storópoli, donos da instituição, a vendê-la — ou melhor, convencer um deles. 

A divisão sobre o futuro da Uninove se acirrou à medida que a rede foi crescendo. E, segundo concorrentes, executivos e ex-executivos ouvidos por EXAME, o racha nunca foi tão sério quanto hoje. Assim como outras dezenas de redes de ensino brasileiras, a Uninove permaneceu décadas com o mesmo tamanho até que, nos últimos anos, passou de um punhado para dezenas de milhares de alunos.

Foi fundada na década de 50 pelo ex-deputado José Storópoli como uma escola de datilografia. Nos anos 60, abriu o primeiro colégio. Nos 70, a primeira faculdade, na Vila Maria, zona norte da capital paulista. Em 2000, abriu o segundo campus, no centro de São Paulo, e deu início a uma das expansões mais aceleradas do mercado de educação no país.

Em dez anos, passou de 20 000 para 120 000 alunos — sem fazer nenhuma aquisição, coisa rara num setor em que as líderes cresceram comprando concorrentes. A Uninove foi uma das primeiras redes a perceber que a demanda por ensino superior explodiria com o aumento do poder de compra da classe C.

Construiu seus cinco campi ao lado de estações de metrô da capital paulista e baixou o preço das mensalidades para atrair um novo perfil de aluno. Hoje, com exceção do curso de medicina, que custa 6 000 reais por mês, as mensalidades da Uninove estão entre 400 e 900 reais. Procurada, a Uninove não deu entrevista.

Quem comandou a expansão foi Eduardo Storópoli, um dos três filhos do fundador. Seus dois irmãos, Josely e Anunciato, acompanharam a expansão mais a distância. Enquanto a Uninove era um pequeno grupo de ensino, a divisão não causava grandes problemas à família. Quando o lucro chegou à casa das dezenas de milhões, nos anos 2000, os problemas começaram a aparecer.

Anunciato e Josely, segundo executivos próximos, reclamavam que, embora fossem sócios de uma grande rede de ensino, não tinham dinheiro suficiente para mordomias, como comprar um carro de luxo. Assim como a concorrente Unip, do empresário João Carlos Di Genio, a Uninove é uma instituição sem fins lucrativos e não distribui dividendos aos acionistas.

Os controladores têm direito apenas ao salário pago pela instituição. Quando o interesse dos investidores começou a crescer, em 2008, Josely e Anunciato, que têm a mesma participação acionária do irmão, começaram a fazer pressão pela venda.

Mas Eduar­do nem sequer ouvia as propostas. “Até hoje é a única instituição que nunca quis nos receber para conversar”, diz o gestor de um grande fundo de private equity. Segundo cálculos de investidores e concorrentes, a Uninove vale cerca de 2 bilhões de reais. A venda não avança porque Eduardo Storópoli quer continuar fazendo as coisas como sempre fez — ou seja, com controle absoluto.

A única área da empresa em que as decisões são divididas é a acadêmica, a cargo de sua mulher, Maria Cristina Storópoli. Vender, abrir o capital, receber um sócio, tudo isso exigiria uma implosão dessa cultura centralizadora. Até agora, Eduardo tem acertado bem mais do que errado.

Resistiu, por exemplo, a abraçar o Fies, que começou a ganhar força entre os concorrentes em 2010, com o argumento de que era um risco excessivo ficar nas mãos do governo. Hoje, a pouca dependência do programa é uma das maiores fortalezas da instituição. Outro trunfo é sua estratégia de só abrir unidades grandes, com mais de 20 000 alunos, em prédios próprios e localizados ao lado de estações de metrô.

Isso reduz os custos operacionais e impulsiona o valor da empresa. Em seu balanço, a Uninove informa ter 500 milhões de reais em imóveis — nas contas de consultores, seus prédios valem pelo menos 1 bilhão de reais.

A concorrência avança

O modelo de gestão também traz complicações. Concorrentes menores atraí­ram investidores e vêm crescendo em ritmo mais intenso. A FMU contratou, há alguns anos, um grupo de executivos da Uninove e, em 2013, foi vendida ao grupo de ensino americano Laureate. Em cinco anos, passou de 10 000 para 80 000 alunos.

A Cruzeiro do Sul, que tem como sócio o fundo Actis, comprou em 2012 a Unicid e, de lá para cá, passou de 80 000 para 115 000 alunos, entre o ensino presencial e o ensino a distância. A São Judas, outra tradicional universi­dade paulistana, foi vendida em 2014 pa­ra o grupo Anima. Enquanto isso, des­de 2011, a Uninove encolheu de 126 000 para 120 000 alunos.

“A Uninove poderia ter sido muito mais agressiva. Agora o mercado está mais competi­tivo”, diz um concorrente. O efeito ime­diato é um aperto nas margens. Desde 2008, a margem de lucro caiu de 29% pa­ra 22%. Na Kroton, a margem é de 36%. O aperto deve continuar. De acordo com a consultoria Hoper, a mensali­dade média da Uninove caiu 2% no ano, para 488 reais.

Caso um dia decida atrair um sócio, a Uninove precisaria virar uma entidade com fins lucrativos e separar os imóveis em outra empresa, um passo que há uma década é discutido pela companhia. Dificilmente, segundo a avaliação de especialistas do setor de educação, um investidor toparia pagar 1 bilhão de reais para ficar com os imóveis onde estão instaladas as universidades.

Enquanto a concorrência se acirra em seu quintal, a Uninove deu um passo arriscado para retomar o crescimento. A empresa foi a vencedora num edital do governo federal para abrir 30 novas faculdades de medicina pelo Brasil. A instituição ganhou o direito de abrir novos cursos em cinco cidades da região metropolitana e do interior de São Paulo — Osasco, Guarulhos, São Ber­nardo do Campo, Mauá e Bauru.

Agora o plano, segundo EXAME­ apurou, é usar os novos cursos como ponto de partida para abrir campi nessas cidades. O problema é que tantas novas unidades ao mesmo tempo forçariam a empresa a se endividar e a desviariam de sua estratégia vencedora. É simplesmente impossível abrir um campus vizinho ao metrô em Bauru porque Bauru não tem metrô.

Além disso, a bonança econômica que ajudou a empresa na virada do século foi-se embora. O jeitão peculiar fez da Uninove um caso de sucesso impressionante. Se dará certo daqui para frente, é impossível saber. A única certeza é que a concorrência está pronta para deixá-la para trás.

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