Marcílio Pousada (de terno azul) com diretores da RaiaDrogasil: novo presidente para coordenar a integração (Germano Lüders/Exame)
Naiara Bertão
Publicado em 10 de agosto de 2017 às 05h55.
Última atualização em 10 de agosto de 2017 às 16h55.
O executivo Marcílio Pousada virou um grande fã de Carnaval em 2014. Não pelas sambistas ou pelos camarotes na Sapucaí, muito menos pelos enredos das escolas de samba. Pousada nem sequer viajou naquele ano: passou todo o feriado enfurnado no escritório da rede de farmácias RaiaDrogasil em São Paulo.
Ele havia programado para o Carnaval a etapa final da complexa integração entre a Raia e a Drogasil. As duas empresas haviam anunciado a fusão de suas atividades em 2011, numa operação que criou a maior rede de farmácias do país, mas passaram dois anos funcionando separadamente — e perdendo dinheiro com isso.
Pousada assumiu o cargo em julho de 2013, depois de presidir a rede de livrarias Saraiva durante oito anos, com a missão de resolver o problema e fazer o que os acionistas haviam planejado com a fusão: tornar a empresa mais lucrativa e expandir suas operações pelo país. “Costumo dizer que virei presidente de fato nesse Carnaval. Com os sistemas integrados, conseguimos acabar com as disputas internas e criar uma agenda de crescimento para o futuro”, afirma o executivo.
A difícil integração entre a Raia e a Drogasil ocorreu num momento em que o setor de farmácias passava por uma profunda transformação no Brasil — e em que a concorrência se armava para crescer. Em 2009, o banco BTG Pactual criou o grupo BR Pharma, que saiu comprando drogarias pelo país, abriu o capital e chegou a valer 4 bilhões de reais na bolsa. As concorrentes Drogaria São Paulo e Pacheco fundiram-se em 2011 e criaram a segunda maior rede de farmácias do país. Dois anos depois, a gigante americana CVS, que fatura 177 bilhões de dólares, comprou a Onofre.
As empresas buscavam musculatura para aproveitar o que parecia ser o início de um dos maiores ciclos de crescimento do mercado de saúde no Brasil. Com o envelhecimento da população — segundo projeções do IBGE, os brasileiros com mais de 60 anos representavam 10% da população em 2010, hoje respondem por 14% e deverão chegar a 29% em 2050 —, a demanda por produtos e serviços de saúde, de médicos e hospitais a remédios, tende a aumentar. Cada brasileiro gasta, em média, 110 dólares por ano com remédios e produtos de saúde. A média europeia é de 261 dólares. Nos Estados Unidos, o valor chega a 1 000 dólares.
Na bolsa, o desempenho da DrogaRaia foi ainda mais impressionante. As ações valorizaram cerca de 300% nos últimos três anos, enquanto o Ibovespa subiu 20%. Com a alta, a empresa tornou-se a quarta maior varejista da bolsa, com valor de mercado de 7 bilhões de dólares, superior ao do Grupo Pão de Açúcar, por exemplo, que fatura quase quatro vezes mais.
As ações da RaiaDrogasil estão caras por qualquer métrica que se olhe — preço da ação em relação ao lucro da empresa, preço da ação em relação ao valor patrimonial, e por aí vai. Mas a maioria dos analistas continua recomendando comprar os papéis, afirmando que os números não refletem o potencial de longo prazo da companhia.
“A empresa tem escala e gestão para manter uma taxa elevada de crescimento por anos, aproveitando o aumento da demanda gerado pelo envelhecimento da população”, diz Phillip Soares, analista da corretora Ativa.
O desempenho se deve principalmente à maneira como a integração entre a Raia e a Drogasil foi feita. A ideia da fusão partiu da gestora Gávea, que era acionista das duas empresas e apresentou seus presidentes, Cláudio Roberto Ely, da Drogasil, e Antônio Carlos Pipponzi, filho de Arturo Pipponzi, da família de fundadores da Raia.
Ambas já eram grandes quando a fusão foi anunciada — a Drogasil era a segunda maior rede de farmácias do país; a Raia, a terceira (a líder era a Drogaria São Paulo). As negociações, segundo Pipponzi, levaram somente dois meses, porque os ganhos de sinergia eram óbvios.
As empresas eram complementares em público e localização — enquanto a Drogasil vendia mais para idosos, a Raia era mais procurada por clientes de até 40 anos. A Raia já estava presente nos três estados da Região Sul, onde a Drogasil não tinha operação. Mas apenas a Drogasil tinha lojas em Minas Gerais, Goiás e Espírito Santo. Os únicos estados em que ambas competiam eram São Paulo e Rio de Janeiro, e a avaliação era que ainda dava para crescer nesses mercados.
Além disso, com a fusão, seria possível unir áreas administrativas e de tecnologia, gerando uma economia milionária. A estimativa era que a margem de geração de caixa da nova empresa aumentaria de 6% para 7% — o que aconteceu, mas levou mais tempo do que o esperado.
Assim que o Cade, órgão brasileiro de defesa da concorrência, aprovou a fusão, em maio de 2012, um comitê foi montado para discutir a integração, com o apoio da consultoria McKinsey — e quase nada andou até meados de 2013. Os funcionários foram colocados todos num mesmo prédio, a sede da Drogasil no Butantã, bairro da zona sul de São Paulo, mas a maioria continuou trabalhando como se a fusão não tivesse acontecido.
“Como as equipes trabalhavam ainda separadas, várias vezes se esqueciam de pagar contas básicas da Raia ou da Drogasil. Quase tivemos o fornecimento de luz cortado em algumas lojas”, diz Pousada. Se um departamento da Drogasil precisasse de ajuda num projeto, dificilmente alguém da Raia ajudaria se não houvesse uma ordem oficial. Além disso, se as empresas eram parecidas na superfície, no dia a dia a realidade era outra.
Fruto da união de duas pequenas farmácias de São Paulo em 1935, a Drogasil era uma empresa “certinha”, na qual havia processos para definir a atuação de todas as áreas. A média de idade dos diretores era de 65 anos. Já a Raia, empresa “de dono” fundada em 1905 em Araraquara, no interior de São Paulo, era menos engessada. A Drogasil era mais rentável, mas a Raia era mais inovadora — por exemplo, usava as informações de seu programa de fidelidade para mapear o perfil de consumo de clientes por loja e controlar melhor os estoques e a distribuição, algo que mal estava nos planos da Drogasil.
Como reflexo das dificuldades de integração, os resultados da RaiaDrogasil pioraram. A rentabilidade em reais caiu de 3,2%, em 2011, para 2,6%, em 2013. Em 2013 ainda, as ações despencaram 35%, também refletindo um prejuízo milionário com o programa do governo Farmácia Popular, que subsidia remédios para a população de baixa renda. Como a licença da RaiaDrogasil no programa demorou para ser emitida, a empresa bancou os subsídios para não perder vendas.
Com dificuldades se acumulando, os acionistas chegaram à conclusão de que a integração só andaria se houvesse um executivo de fora comandando o processo. Em julho de 2013, Marcílio Pousada foi contratado. “Isso deu neutralidade ao processo. Os funcionários pararam de dizer como faziam as coisas e começaram a olhar para a frente”, diz Eugênio de Zagottis, diretor de relações com investidores da RaiaDrogasil e bisneto do fundador. “Além disso, a legitimidade para fazer mudanças é maior.”
Enquanto isso, alguns de seus principais concorrentes enfrentam dificuldades. Com problemas financeiros, a BR Pharma foi vendida neste ano por 1 000 reais pelo banco BTG para o Lyondel, braço de investimentos da gestora de fundos americana Lyon Capital. Segundo executivos de mercado, a integração entre a Drogaria São Paulo e a Pacheco ainda não foi totalmente concluída (procuradas, as empresas não deram entrevista).
Outra vantagem da RaiaDrogasil em relação aos concorrentes é o baixo endividamento. A dívida responde por apenas 0,3 vez a geração de caixa, o menor índice do setor — a da Pague Menos, por exemplo, responde por 2,2 vezes. Com fôlego financeiro, a empresa iniciou neste ano sua expansão no Nordeste, onde tem apenas 5% do mercado e as líderes são Pague Menos e BR Pharma. Inaugurou quatro lojas no Ceará e pretende abrir filiais no Piauí e no Maranhão, únicos estados da região onde não tem presença. Também está construindo um centro de distribuição na Bahia, previsto para ficar pronto em agosto (será o nono no país).
Além disso, está investindo em outras duas subsidiárias. Uma delas é a marca de farmácias populares Farmasil, que foi lançada há quatro anos, tem apenas 20 lojas e deve abrir mais dez neste ano. Outra é a 4Bio, vendedora de remédios de alta tecnologia, para tratar câncer e doenças neurológicas, por exemplo — seu faturamento dobrou em 2016, embora ainda represente menos de 2% da geração de caixa.
“A RaiaDrogasil tem uma gestão conservadora em custos, mas, uma vez mantido o foco, é agressiva na expansão”, diz Marcos Gouvêa de Souza, fundador da GS&MD, consultoria de varejo. “Isso ficou claro após a fusão. A empresa acabou conseguindo aproveitar o melhor de cada operação e crescer.”
Ainda assim, os resultados deste ano mostram que crescer com rentabilidade não vai ser fácil. O lucro caiu 12% no segundo trimestre. Os executivos da empresa atribuem a piora ao menor reajuste dos preços de remédios neste ano em razão da queda da inflação. Em conferência com analistas, Zagottis afirmou que a perda de receitas está sendo compensada por aumentos na produtividade e cortes de custo, o que elevará a margem de lucro nos próximos meses. Segundo os analistas do banco Brasil Plural, o controle de despesas no primeiro semestre foi “impressionante”: foram abertas cerca de 100 lojas, as receitas totais cresceram 16%, mas as despesas operacionais aumentaram apenas 12%.
Comprar um concorrente poderia encurtar o caminho do crescimento — e reduzir custos por meio dos ganhos de sinergia. “O setor de farmácias é pulverizado. Existe espaço para mais consolidação”, diz Joseph Giordano, analista de saúde do banco JP Morgan. Hoje, as cinco maiores redes do país têm pouco mais de 30% do mercado. Nos Estados Unidos, as três maiores, CVS, Rite Aid e Walgreens, têm cerca de 75% de participação. Pousada diz que fazer aquisições não é prioridade — pelo menos, não tão cedo. Os planos para o próximo Carnaval continuam em aberto.