Revista Exame

Bom ouvido movido a energia solar

Ao criar aparelhos auditivos movidos a energia solar, o canadense Howard Weinstein, dono da brasileira Solar Ear, se tornou um dos empreendedores sociais mais inovadores do mundo

Weinstein com os funcionários da Solar Ear: exportação para 40 países (Germano Lüders/EXAME.com)

Weinstein com os funcionários da Solar Ear: exportação para 40 países (Germano Lüders/EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 17 de setembro de 2011 às 08h00.

São Paulo - Não fosse por uma pequena placa, localizada logo na entrada, pouca gente saberia que numa casa simples da rua Aimberê, no bairro de Perdizes, na zona oeste de São Paulo, funciona a sede de uma das dez empresas mais inovadoras do Brasil, segundo um ranking elaborado pela revista americana Fast Company.

Na construção térrea de pouco mais de 400 metros quadrados, com paredes de tijolos à vista e um agradável jardim nos fundos, 18 funcionários entre 17 e 20 anos de idade, da fabricante de aparelhos de audição Solar Ear, trabalham no mais absoluto silêncio. Todos eles apresentam algum grau de surdez.

Para se comunicar com a equipe, o fundador e presidente da Solar Ear, o canadense Howard Weinstein, de 61 anos,  se vale da linguagem dos sinais ou dá um leve toque nos interruptores das salas, fazendo piscar a luz.

Concentrados no trabalho, os funcionários dedicam total atenção à montagem de minúsculos circuitos eletrônicos — alguns deles da espessura de um fio de cabelo — que, juntos, darão origem a aparelhos auditivos movidos a energia solar. Graças a essa tecnologia, inédita no mundo, cada equipamento custa algo em torno de 250 reais — 80% menos que as peças tradicionais.

Todos os meses, cerca de 3 000 unidades produzidas em três linhas de produção quase artesanais (além do Brasil, a Solar Ear está presente em Botsuana e na Jordânia) são exportadas para 40 países, e a ideia é chegar a 15 pequenas linhas de montagem até 2014.

“Atualmente, 300 milhões de pessoas no planeta necessitam de aparelhos de audição”, diz Weinstein. “Somos a empresa mais capacitada para suprir essa demanda.” 

Embora pequena — em 2010, seu faturamento foi de 5 milhões de reais —, a Solar Ear se tornou um dos expoentes de um fenômeno relativamente recente: o empreendedorismo social. Trata-se de um grupo de empresas com objetivos similares aos de organizações não governamentais, mas que conseguem sustentar o próprio crescimento sem depender apenas da ajuda de terceiros.


“Em uma ONG, gastam-se 90% do tempo com a captação de recursos. Entre ser empresário e resolver os problemas sociais, esse novo grupo de empreendedores fica com os dois”, diz Maure Pessanha, diretora da Artemisia, organização pioneira no investimento em empresas sociais.

Segundo dados do banco J.P. Morgan, as empresas sociais devem receber entre 400 bilhões e 1 trilhão de dólares em investimentos nos próximos dez anos.

Entre os entusiastas da Solar Ear estão algumas das grandes universidades do mundo. Em maio do ano passado, um grupo de quatro estudantes do MBA de Yale, nos Estados Unidos, fez um estudo para desenhar o projeto de expansão internacional da empresa.

A primeira unidade a sair do papel foi a da Jordânia, inaugurada há dois meses e financiada, em parte, por uma ONG ligada à família real do país. Poucos meses depois foi a vez de a Universidade de Oxford, na Inglaterra, se interessar pelo caso. Em janeiro, Weinstein foi convidado a dar uma palestra a alunos da escola de administração.

“Ele criou um produto inovador e uma nova forma de produção para chegar a um mercado inexplorado na base da pirâmide. Essa é uma lição para nossos alunos”, diz Pamela Hartigan, diretora da escola de em­preendedorismo social de Oxford. 

Apesar da desenvoltura com que trata do assunto, Weinstein foi parar no mercado de aparelhos auditivos por acaso. Até 1995, ele havia traçado uma carreira executiva de sucesso no Canadá. Fez mestrado em negócios internacionais, trabalhou na Gillette e na General Foods e, antes de completar 30 anos de idade, comprou a Belanger, uma fabricante de torneiras e válvulas à beira da falência.

Depois de reerguer a companhia, vendeu-a à multinacional americana Keeney e permaneceu na presidência por quase um ano. Em 1995, sua única filha, Sarah, de 10 anos, morreu vítima de um aneurisma durante o sono. Weinstein foi demitido na semana seguinte — seus chefes argumentaram que ele não conseguiria trabalhar normalmente após a tragédia.


Ele tirou um ano de folga e ainda tentou a sorte com uma empresa de assentos sanitários eletrônicos, que faliu após um ano em operação.

Em 2002, aceitou uma oferta da ONG World University Service of Canada para tocar um projeto no interior de Botsuana, no povoa­do de Otse, para desenvolver um aparelho de audição que fosse simples e barato — 20% dos 1 000 habitantes do povoado sofriam de algum grau de surdez.

O salário oferecido era simbólico, algo em torno de 1 000 reais. Ao longo daquele ano, Weinstein visitou empresas de engenharia e design na África do Sul e chegou ao protótipo do aparelho que é até hoje o carro-chefe da Solar Ear.

“Nos países pobres, os surdos não têm dinheiro para pagar por um aparelho convencional, tampouco dispõem de 4 dólares por semana para bancar as pilhas”, diz Weinstein. 

O primeiro contrato foi fechado em novembro de 2002 com o Rotary Club de Uganda para a venda de 60 aparelhos. Desde então, as encomendas se multiplicaram. Ao todo, mais de 70 000 aparelhos da marca já foram vendidos no mundo, inclusive em países como França, Alemanha e Estados Unidos.

Conseguir entrar no mercado brasileiro, porém, tem sido uma tarefa especialmente difícil. Desde que transferiu sua sede para o Brasil, em 2009, a Solar Ear aguarda certificação da Anvisa para vender seus aparelhos por aqui. Até agora, nada.

Acompanhe tudo sobre:Edição 1000EnergiaEnergia solarFilantropiagestao-de-negociosInfraestruturaInovaçãoPessoas com deficiência

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda