Revista Exame

J.R. Guzzo: A Lava-Jato é uma vitória sem precedentes

Mas o STF pode colocar tudo a perder, se decidir livrar Lula

Acima da lei: independentemente do que a Lava-Jato demonstrar, juízes da Suprema Corte vão continuar anulando tudo o que lhes der na telha (ANTÔNIO ARAÚJO/TRILUX/Estadão Conteúdo)

Acima da lei: independentemente do que a Lava-Jato demonstrar, juízes da Suprema Corte vão continuar anulando tudo o que lhes der na telha (ANTÔNIO ARAÚJO/TRILUX/Estadão Conteúdo)

JG

J.R. Guzzo

Publicado em 29 de março de 2018 às 05h00.

Última atualização em 1 de agosto de 2018 às 15h47.

A Operação Lava-Jato acaba de completar quatro anos. Já é uma das mais longas investigações sobre corrupção no governo jamais realizadas em qualquer dos quatro cantos do mundo. Nesse espaço de tempo, produziu 160 condenados por diversas espécies de crime, recuperou para os cofres do Tesouro Nacional 12 bilhões de reais que haviam sido roubados nos governos dos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff e aplicou penas de prisão que, somadas, já chegam a quase 2 400 anos. Conseguiu uma vitória até então sem precedentes nos registros da Justiça brasileira: centenas de confissões de autoria para os crimes em julgamento, o que mantém calados há quatro anos todos os advogados dos réus, as organizações que promovem o “direito de defesa” e as “entidades internacionais” que vivem de patrulhar os processos judiciais em países subdesenvolvidos, à procura de “arbitrariedades” contra réus que consideram virtuosos, e que sempre tendem a ser “de esquerda”. Falar o quê? Que as pessoas estavam confessando crimes, e indo para a cadeia, só para prejudicar a reputação de Lula e do PT? Um advogado de extração britânica, com muito cartaz nesse nicho, veio ao Brasil em busca de alguma denúncia fatal. Entrou mudo e saiu calado. Mais que tudo, a Lava-Jato conseguiu o que sempre foi considerado impossível nos 518 anos de história do Brasil: condenar à pena de prisão um dos maiores mamutes vivos da política nacional, ex-presidente da República e chefe partidário de fama mundial.

Lula não apenas foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro. Sua condenação original no fórum federal de Curitiba foi confirmada por unanimidade, ou 3 a 0, no Tribunal Superior ao qual apelou da sentença, em Porto Alegre. Pior: aumentaram a pena, de nove para 12 anos de cadeia. Tentou, então, subir para Brasília, com recurso a uma terceira corte judicial; aí conseguiu perder por 5 a 0. Não há, do começo ao fim do processo, nenhuma irregularidade que possa ter ferido qualquer de seus direitos de defesa. O juiz Sergio Moro, que o condenou em primeira instância, teve dezenas de atos contestados pela defesa — praticamente todos, depois de devidamente estudados, foram julgados legais pelos magistrados superiores a ele. Os advogados de Lula chegaram a pedir, dez vezes seguidas, que Moro fosse afastado do processo, na mais legítima tradição do Brasil-senzala: se o juiz incomoda o poderoso ou o rico, troca-se o juiz. Todos os pedidos foram negados. O que mais faltava, então, para o homem começar a cumprir sua pena? Nada. Ou melhor: faltava tudo. Faltava que o Supremo Tribunal Federal dissesse, sim ou não, se concordava em aplicar a lei — pois no Brasil a lei vale, ou não, segundo o que acham os 11 cidadãos que compõem o STF. No caso de Lula, a maioria deles está achando que não vale. Desde a confirmação da sentença por 3 a 0, no TRF-4 de Porto Alegre, seus crimes não podem mais ser discutidos. São fatos jurídicos; a sentença funciona como prova de que foram cometidos e que o réu é o autor deles. Pode ainda recorrer quanto a aspectos técnicos da condenação — mas pela lei teria de começar a cumprir a pena de cadeia, enquanto seus advogados ficam recorrendo a Deus sabe quem no pesadelo processual que é a Justiça brasileira. Só que o STF não quer.

O Supremo Tribunal Federal quer que Lula fique solto e, enquanto continuar exercendo a ditadura que exerce hoje sobre o Brasil, colocando-se acima de qualquer lei e de qualquer outro poder, assim vai ser. Os ministros olham em volta de si e constatam que podem agredir livremente a democracia, pois nada lhes acontece; se enchem de ânimo, naturalmente, para continuar fazendo o que bem entendem. Todo o esforço feito até agora pela Lava-Jato, para os 11 ministros do STF, não vale nada. O recado que dão é o seguinte: “Não adianta vocês ficarem juntando provas e demonstrando fatos; nós, aqui, vamos anular tudo o que nos der na telha”. Para a grande ladroagem nacional, que não vê a hora de voltar à vida normal, esse STF é um sonho que virou realidade.

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