Fernando Stinchi e Keith Kratzberg, da Epson: a saída foi mudar o modelo de negócios (Germano Lüders/Exame)
Filipe Serrano
Publicado em 11 de outubro de 2018 às 05h40.
Última atualização em 11 de outubro de 2018 às 05h40.
À primeira vista, as impressoras são o tipo de produto fadado a cair em desuso, assim como o iPod, o fax, as fitas cassetes e outras tecnologias que ficaram obsoletas. Num mundo digitalizado, a necessidade de imprimir é cada vez mais restrita a uma ou outra situação — entrega de um trabalho escolar, assinatura de um contrato, cópia de um documento etc. Para as fabricantes de impressoras, no entanto, os números de vendas mais recentes mostram uma realidade diferente. No Brasil, as empresas estão vivendo sua melhor fase dos últimos três anos.
Depois de sofrer uma queda desde 2011, o número de impressoras vendidas cresceu 21% em 2017. Para 2018, a expectativa é de outro avanço significativo, de 9,5%. É um desempenho que parecia impossível num momento em que a economia brasileira anda de lado e ainda há incerteza em relação ao próximo governo. Considerando que o mercado de impressoras já é maduro e o auge das vendas ficou no passado, essa virada inesperada chama a atenção.
A retomada tem algumas explicações. Por um lado, a população de modo geral foi estimulada a consumir depois da recente liberação de parte do dinheiro retido no Fundo de Garantia dos trabalhadores. Por outro, profissionais liberais e consumidores estão trocando seus equipamentos antigos, comprados há cinco ou dez anos, por modelos mais novos, com tecnologias mais avançadas. São aparelhos que vêm com conexão Wi-Fi, dispensam os cabos, imprimem a partir de smartphones e tablets, são mais silenciosos, mais rápidos e ocupam menos espaço.
A cereja do bolo, no entanto, é outra tecnologia. O tipo de impressora de maior sucesso hoje é o que dispensa os cartuchos de tinta, algo que para muita gente é uma baita vantagem. Enquanto os cartuchos tradicionais dão conta de imprimir até 150 páginas, os novos modelos imprimem de 4.000 a 8.000 páginas com uma única carga de tinta, armazenada em tanques na própria máquina. Essas impressoras de “tanque de tinta”, como ficaram conhecidas, já são metade do mercado brasileiro.
A mudança não é trivial. Desde as primeiras impressoras pessoais, as fabricantes adotavam um modelo parecido com o das máquinas de café expresso: vendiam as impressoras abaixo do valor de custo e lucravam com a venda de cartuchos. É por isso que as impressoras não são caras. Uma multifuncional de jato de tinta custa cerca de 300 reais. Mas, em países emergentes, esse modelo nunca deu muito certo. Os cartuchos eram caros e, com o tempo, surgiu um mercado paralelo de recargas.
Já as impressoras de tanque de tinta têm uma lógica diferente. O preço delas é mais alto -— acima de 700 reais —, mas o lucro já está embutido. A venda do cartucho deixa de ser o centro do negócio. “Antes o brasileiro preferia comprar cartuchos genéricos e fazer recarga. Mas a qualidade era ruim. Agora, os números mostram que existe uma preferência por impressoras mais caras”, diz Jun Otsuka, presidente para o Brasil da japonesa Canon, uma das maiores do mundo no mercado de impressão.
A ideia das impressoras de tanque surgiu em 2010 quando executivos da fabricante japonesa Epson decidiram fazer uma mudança radical. A empresa é a segunda maior fabricante no mundo depois da americana HP e vinha tendo prejuízos no Brasil. Seus executivos consideravam fechar a operação no país e começaram a estudar alternativas. Numa viagem a São Paulo e a cidades no Sudeste Asiático, notaram que lojistas faziam uma gambiarra e ligavam uma garrafa de tinta na impressora para evitar a troca de cartuchos. Foi aí que tiveram a ideia de desenvolver uma máquina de tanque de tinta.
Em 2011, foi lançado o primeiro modelo. A estratégia funcionou e a empresa japonesa decidiu apostar todas as fichas nessa categoria. Dos 16 modelos disponíveis no Brasil, 14 são de tanque. A participação no mercado da Epson, que era de 17%, subiu para 47%, segundo dados da consultoria Gfk, que acompanha as vendas no varejo. “Embora o mercado de impressoras não pareça promissor, para nós as vendas estão crescendo porque há uma substituição de tecnologia”, diz Keith Kratzberg, presidente da Epson para as Américas.
Enquanto o Brasil vivia uma recessão, o faturamento da empresa aqui cresceu 28% em 2016, 35% em 2017 e deverá subir 30% em 2018. “As impressoras de tanque de tinta trouxeram não apenas mais receita e rentabilidade como também conseguiram atrair mais investimentos da matriz no Japão”, diz Fernando Stinchi, presidente da Epson no Brasil.
A crise econômica brasileira, ironicamente, até ajudou. Num momento em que as pessoas buscam economizar, faz sentido investir na compra de uma impressora cara e reduzir os gastos com cartuchos. “Os consumidores ficam mais felizes porque a tinta não acaba tão rápido, e as empresas ficam contentes porque estão vendendo produtos melhores e de preço mais alto”, diz Reinaldo Sakis, analista da consultoria IDC Brasil, especializada no mercado de eletroeletrônicos.
Para Claudio Raupp, presidente no Brasil da americana HP, a tecnologia de tanque de tinta traz mais conveniência. “Com os cartuchos, muita gente pensava duas vezes antes de imprimir. Quando o limite é de 8.000 páginas, essa preocupação acaba”, diz. No entanto, Raupp chama a atenção: nem sempre a impressora de tanque é mais vantajosa. Para quem imprime pouco, até 100 páginas por mês, o recomendado é optar por uma impressora de cartucho. Ela é mais barata e a tinta das impressoras de tanque pode estragar se não for usada.
Por isso, a estratégia da HP é oferecer uma variedade de tecnologias e formatos. Dos 20 modelos que a empresa vende no país, só cinco são de tanque de tinta. Como o exemplo das impressoras mostra, no mercado de tecnologia sempre é possível inovar para crescer.