Bolsa de São Paulo (Marivaldo Oliveira/Estadão Conteúdo)
Raphaela Sereno
Publicado em 13 de julho de 2017 às 06h00.
Última atualização em 13 de julho de 2017 às 06h00.
São Paulo — O investidor que, vendo a queda dos juros, resolver que é hora de “diversificar” vai acabar tendo de decifrar uma quantidade razoável de siglas para decidir onde colocar seu dinheiro. Faz parte do charme de uma boa corretora oferecer um monte de alternativas complicadas e supostamente rentáveis — o investidor que se proteja. A sigla da moda no mercado financeiro é COE, que significa Certificado de Operações Estruturadas. Entendeu? Claro que não. Apesar de serem considerados por muitos uma caixa-preta, os COEs nunca foram tão populares no Brasil.
Lançados por aqui em 2014, os COEs podem ser usados para investir em quase qualquer coisa: ações, moedas, títulos de renda fixa, no Brasil e no exterior. Eles surgiram para atender àqueles investidores que queriam sair dos tradicionais fundos DI e diversificar, mas tinham medo de correr grandes riscos. Por isso, 95% dos COEs têm proteção contra perdas. Por meio de operações nos mercados futuros, eles blindam os investidores das baixas de mercado. Quando a bolsa cai, quem aplica em COEs fica no zero a zero. Mas, se a bolsa subir mais do que o previsto, o rendimento é menor. Apesar dessa trava, a maioria dos COEs obteve bons rendimentos. Dos certificados que venceram em 2016, 57% deles renderam mais do que o CDI, segundo um levantamento da bolsa B3. Além disso, é possível entrar no jogo com apenas 10 000 reais. “Num momento de tanta indefinição, muitos investidores são atraídos por essas características”, diz Renan Silva, estrategista da assessoria financeira Bullmark. Hoje, há 9,2 bilhões de reais investidos em COEs.
Mas esse mercado tem um problema: a falta de transparência. O investidor de um COE não sabe quanto paga para as instituições financeiras que criam e distribuem esse produto. As únicas informações públicas são as que detalham os investimentos feitos, como a compra de ações e títulos de renda fixa, e os riscos para o investidor — são feitas simulações de rendimento em diferentes cenários e o investidor sabe quanto vai ganhar em cada um deles. Esses dados podem ser encontrados no Documento de Informações Essenciais, uma espécie de prospecto que todo emissor de COE tem de publicar. Essa é a única exigência feita pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que regula o mercado de capitais, para a emissão de COEs. Já os gestores de fundos, além de ter de informar os investimentos que fazem e os riscos que correm, precisam detalhar as taxas que cobram.
Por que a diferença? Não seria melhor que os COEs fossem tão transparentes quanto os fundos? Afinal, o rendimento depende não só da qualidade dos investimentos feitos mas também de quanto os bancos e as corretoras cobram. A CVM justifica seu regulamento dizendo que COEs e fundos funcionam de forma distinta. Os fundos têm gestores que avaliam as condições de mercado dia a dia para decidir quando vale a pena comprar e vender ativos, e esse trabalho é remunerado pelos investidores por meio das taxas de administração e desempenho. No caso dos COEs, a instituição financeira tem um custo único, no início, para estruturar a operação e fazer os investimentos que não são mais alterados. Os COEs têm um prazo de vencimento, que geralmente varia de um a três anos, e sua carteira de investimentos permanece a mesma durante todo o período de aplicação. Segundo a CVM, não é necessário monitorar o custo de estruturação dos COEs. “Entende-se que os elementos necessários à tomada de decisão pelo investidor estão no Documento de Informações Essenciais”, afirmou a CVM por e-mail. Nesse aspecto, um COE é parecido com um CDB: o banco não precisa divulgar quanto paga para captar dinheiro, só tem de dizer qual será o rendimento do investidor — por exemplo, 96% do CDI. Mas, no caso do CDB, sabe-se que a taxa de referência é o juros do governo. Já no COE depende do tipo de operação que foi estruturada. Ou seja, se o emissor decidir fazer uma operação no mercado futuro com taxas mais altas do que a média, o investidor não vai saber disso e perderá uma parte do rendimento. “Falta uma informação vital para a tomada de decisão”, diz Otavio Vieira, sócio da assessoria financeira Taler.
A única certeza é que os bancos e as corretoras que estruturam e vendem os COEs estão ganhando dinheiro. Segundo dez profissionais de mercado consultados por EXAME, os investidores pagam, em média, 2,5% do valor investido por ano para aplicar num produto desses. Essa, claro, é a média: as taxas podem variar de 0,5% a 5% ao ano, dependendo da complexidade do investimento e da aplicação mínima (quem aplica menos de 30 000 reais geralmente paga mais caro). Os fundos multimercado, que guardam alguma semelhança com os COEs por também investir em diferentes ativos, costumam cobrar 2% ao ano mais 20% de taxa de desempenho. Mas as taxas dos fundos remuneram um trabalho contínuo de gestão. No caso dos COEs, o maior trabalho das instituições financeiras acontece na estruturação e na venda dos produtos, já que, até o vencimento, a estratégia continua igual. Para saber quando e se vale a pena recomendar COEs a seus clientes, algumas assessorias financeiras simulam os investimentos feitos pelo COE para estimar os custos. “Quando a estrutura está cara, não recomendamos, porque isso reduz o ganho”, diz Leonardo Hojaij, superintendente de clientes de alta renda do banco Andbank.
Com todas essas dificuldades, não é melhor simplesmente deixar os COEs para lá e investir em fundos e outras siglas do mercado, como os títulos de renda fixa CRIs e CRAs? Não necessariamente, segundo os especialistas. Os COEs são interessantes por permitir aplicar em moedas e ações no exterior com uma aplicação mínima baixa. Um COE lançado em junho deste ano investe em ações da Berkshire Hathaway, empresa de investimentos do bilionário Warren Buffett — e outras ações preferidas por ele, como a da fabricante de bebidas Coca-Cola e da companhia de alimentos Kraft-Heinz. “O COE é um ativo interessante para compor as carteiras junto com fundos, títulos privados, crédito e outros investimentos que podem ser alternativas para dar bons retornos em momentos de queda dos juros”, diz Eric Altafim, diretor de produtos do Itaú. No exterior, os COEs são investimentos populares. Nos Estados Unidos e no Canadá, estima-se que haja 470 bilhões de dólares aplicados em COEs. Na Europa, cerca de 940 bilhões de dólares. Lá, como aqui, os custos também não são transparentes. Mas americanos e europeus têm a desculpa de que qualquer investimento parece bom quando a renda fixa não rende nada.