Revista Exame

Lambanças de um banqueiro português fazem estragos na Oi

Como Ricardo Espírito Santo Salgado, o banqueiro mais poderoso de Portugal, colocou em risco o grupo fundado no século 19 por sua família — e piorou um pouco mais a já duríssima vida dos 2 milhões de acionistas da operadora de telefonia brasileira Oi


	Ricardo Espírito Santo: ele foi preso e está sob investigação por cimes financeiros
 (Jose Manuel Ribeiro/Files/Reuters)

Ricardo Espírito Santo: ele foi preso e está sob investigação por cimes financeiros (Jose Manuel Ribeiro/Files/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 13 de agosto de 2014 às 08h16.

São Paulo - Até um mês atrás, o banqueiro Ricardo Espírito Santo Salgado era conhecido em Portugal como “Dono Disto Tudo”. Ele é bisneto do fundador do Espírito Santo, principal grupo financeiro do país, que controla bancos em 24 países e uma miríade de empresas na América do Sul, na África e na Europa — especialmente no Brasil e em Angola, além de Portugal.

É acionista da operadora de telefonia Portugal Telecom (PT), da Energias Renováveis do Brasil e da companhia brasileira de investimento Monteiro Aranha, que tem participação na fabricante de papel e celulose Klabin e no grupo Ultra. Também é dono da rede de hotéis Tivoli, de fazendas e de empreendimentos imobiliários, como o condomínio Quinta da Baroneza, no interior de São Paulo.

Ainda que a relevância do grupo Espírito Santo para o sistema financeiro global seja relativamente pequena — é apenas a 107a  maior instituição financeira do mundo, com ativos de 85 bilhões de euros —, a família Espírito Santo, que fundou o banco no século 19, criou uma extensa rede de influência em empresas e bancos em diversos países.

O Crédit Agricóle, o maior banco de varejo francês, é sócio do banco em Portugal. No Brasil, a família associou-se ao banco Bradesco em 2000.

Ricardo Espírito Santo comandou “isso tudo” por 22 anos, até o dia 2 de julho, quando foi destituído da presidência pelo banco central de Portugal assim que ficou claro que as dívidas acumuladas pelas empresas da família haviam colocado em risco a sobrevivência do grupo. Ficou evidente, ali, que o homem mais poderoso de Portugal era o protagonista de uma lambança sem tamanho. 

Começou, então, a corrida para resolver a trapalhada. O banco central português passou a procurar interessados em fazer um resgate privado do grupo — evitando, assim, que o governo tivesse de colocar dinheiro no banco.

O Deutsche Bank foi contratado pelo Espírito Santo para buscar sócios para os bancos do conglomerado. EXAME apurou que o Bradesco negociou a compra da unidade de gestão de fortunas em Miami, com patrimônio de 750 milhões de dólares, e da gestora de fundos de private equity no Brasil.

Mas as conversas pararam quando o mandachuva foi preso em 24 de julho, acusado de fraude fiscal e lavagem de dinheiro. Ele pagou uma fiança de 3 milhões de euros e foi liberado, mas ainda será julgado.

Depois disso, o Bradesco decidiu fechar apenas a aquisição do fundo de private equity, do qual o banco já é sócio e que exigirá um investimento inferior a 10 milhões de reais, uma mixaria para os padrões do bancão brasileiro.

Executivos do Bradesco dizem que outros investimentos só serão feitos com o aval do banco central português, porque ainda não se sabe a real extensão dos problemas do Espírito Santo (três empresas ligadas ao grupo já pediram concordata). O Bradesco e o Espírito Santo não comentaram. 

Operações falsas

Como o Espírito Santo chegou a esse ponto? O principal problema não foram os bancos, mas as empresas em que a família tem participação. “Elas eram um sorvedouro de dinheiro do banco, porque tinham dificuldade para captar recursos com outras fontes”, diz um executivo que trabalhou na instituição. Os principais investimentos em empresas da família estavam reunidos na holding Rioforte.

Em 2010, houve uma tentativa de abrir o capital da Rioforte, mas a operação não atraiu investidores. De lá para cá, a companhia passou a tomar empréstimos nos diversos bancos do grupo e a emitir títulos de dívida que eram vendidos, em grande parte, aos clientes da instituição.

Em tese, os recursos eram usados para fazer aquisições, mas uma auditoria feita pela consultoria financeira KPMG indicou que havia operações falsas, dívidas não contabilizadas e sobrevalorização de ativos nos balanços, o que tornou impossível o pagamento de parte das dívidas.

Um dos títulos da Rioforte, no valor de 897 milhões de euros, foi comprado pela Portugal Telecom, e aí os problemas do Espírito Santo atingiram em cheio o Brasil. A Rioforte não pagou a dívida, que venceu em julho, o que reduziu os recursos disponíveis que a PT tinha para concluir sua fusão com a operadora brasileira de telefonia Oi, divulgada no fim de 2013.

Por causa disso, as duas companhias anunciaram uma proposta para reduzir a fatia da PT na empresa criada com a fusão, uma mudança que terá efeitos nos resultados.

Um dos objetivos da fusão era reduzir o endividamento da Oi com recursos da PT, que minguaram — azar dos 2 milhões de acionistas minoritários da empresa, que não foram informados desse risco antes de aprovar a fusão e estão vendo a casa cair. Mais uma vez.

Ainda não está clara a extensão da crise do Espírito Santo. “Não se sabe como o banco sairá dessa crise. É possível que precise de uma nova injeção de capital”, diz Maria Mori, analista da agência de classificação de risco Moody’s. O grupo já havia fechado 2013 com prejuízo de 1,2 bilhão de euros, que equivale a 70% do patrimônio, o maior percentual entre as principais instituições do mundo.

Desde o começo de julho, a solução está sendo buscada por Vitor Bento, novo presidente do grupo — o primeiro que não é da família. Ricardo Espírito Santo planejava se aposentar no ano que vem, ao completar 70 anos, e passar o bastão à próxima geração, como é tradição na família.

Agora, seu maior objetivo é tentar preservar pelo menos parte do patrimônio dos Espírito Santo e ficar fora da prisão. Enquanto aguarda julgamento, ele não pode sair de Portugal.

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