Israel tem 6.000 startups e 92 unicórnios ativos. Em comum, eles concentram seus esforços em uma solução por vez (Hector Roqueta Rivero/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 13 de outubro de 2022 às 06h00.
Certa vez, escutei um executivo de uma grande empresa explicando que muitas startups morriam não por falta de projeto, mas pelo excesso. Por não priorizarem e por dizerem “sim” a diversas demandas com medo de perder oportunidades, elas acabavam afogadas em um mar de projetos inacabados.
Diante do risco de serem engolidas por essa onda, as startups deveriam se limitar a três, quatro, cinco empreitadas — ou outro número reduzido e condizente com sua capacidade produtiva. Aquela história de foco que vocês já devem ter escutado ao longo de sua jornada corporativa.
Lembrei dessa fala recentemente, em uma missão de CEOs brasileiros para visitar as principais empresas de tecnologia em Israel. Em um país com dimensões territoriais próximas às do Sergipe, mas que concentra muito mais habitantes do que o menor estado brasileiro — Israel ultrapassa os 9 milhões, enquanto Sergipe tem pouco mais de 2 milhões —, o que meus olhos viram foi muita variedade. Desde características topográficas contrastantes que misturam paisagens desérticas com florestas e vales verdes, até variedades culturais típicas de um país que tem muitos imigrantes — um em cada quatro habitantes não nasceu em Israel.
É que, em meio a tanta variedade, você pode ficar com a impressão de que o olhar se dispersa fácil, uma sensação de caos — algo típico de lugares cosmopolitas. Porém, foi imersa nessa diversidade toda que algo me chamou a atenção nos centros de inovação e nas startups: o foco.
Israel tem mais de 6.000 startups, dentre as quais há 92 unicórnios ativos — 33 novos só no ano de 2021. O país tem mais de 400 centros de pesquisa e desenvolvimento de multinacionais e investiu 25 bilhões de dólares em empresas de tecnologia somente no ano passado, o que representa quase o dobro de toda a América Latina.
Lá você encontra muitas retailtechs, fintechs e negócios focados em cibersegurança. Porém, independentemente do mercado de atuação e do serviço ou produto oferecido, o que elas têm em comum é o foco: concentram seus esforços em uma solução por vez — ou em uma quantidade muito reduzida. Uma postura que também exige disciplina, outro ingrediente que esses negócios parecem compartilhar.
Claro que essa é uma impressão de alguém de fora, com uma vivência de outra parte do continente e que passou duas semanas na região. Não estou fazendo uma afirmação categórica nem julgando a cultura empreendedora do Brasil, da qual faço parte desde 1988.
Meu objetivo, na verdade, é gerar algumas reflexões a partir da observação de outro contexto. Será que os nossos negócios se beneficiariam de mais foco? Será que acrônimos como Vuca e Bani às vezes acabam impactando negativamente as nossas crenças e estratégias corporativas?
Porque o mundo é volátil, incerto, complexo, ambíguo, frágil, ansioso, não linear e incompreensível, talvez acabemos associando a inovação a um dinamismo frenético que não combina tão bem com um planejamento estruturado. Por causa desse estado permanente de mudança, pode ser que seja naturalizada a ideia de que o único caminho é não ter um caminho.
Saber mudar a rota e se adaptar é, sim, parte da nova dinâmica de mercado. Isso não é um problema. Mas fiquei pensando se não estamos usando esse cenário como uma desculpa para deixar o foco de lado…
Eu entendo que, em cenários de grandes incertezas e mudanças cada vez mais rápidas, precisamos estar de olho em várias frentes. Sei também que, por serem criativas e apaixonadas por um desafio, as pessoas empreendedoras se encantam quando um novo cliente surge com uma demanda que não tem exatamente a ver com sua solução atual, mas pode ser uma oportunidade de desenvolver um novo serviço ou produto.
Contudo, as conversas em Israel me fizeram pensar na importância de, vez ou outra, se obrigar a fixar o olhar em um único ponto. Lá, não vi empresas lançando diversas soluções de uma só vez, o que, por consequência, parecia impactar positivamente a produtividade. A energia, o tempo, o teste e a análise se concentravam em um ponto de interesse. Existe um foco no que importa para o negócio naquele momento.
Isso pode parecer simples, mas acho que manter o foco é um exercício difícil nos dias de hoje, em que recebemos tantos estímulos, informações e demandas. Às vezes, sentimos até medo de estar deixando alguma oportunidade passar e de ficar de fora de uma tendência.
Manter o foco requer disciplina, mas também humildade para aceitar que não somos onipotentes, onipresentes e oniscientes. Requer também coragem para questionar crenças que temos carregado conosco nos últimos tempos.
Ao longo dos dias de intensa imersão em Israel, parei para refletir sobre algumas questões:
• Os negócios atuais realmente têm um foco específico ou ele está disperso por aí?
• O que faz com que uma empresa perca o foco?
• O que tem nos distraído no meio do caminho?
• Quantos produtos ou serviços atuais convergem para o foco da minha empresa?
• A estrutura atual de pessoas contribui para esse foco ou está desordenada, sem planejamento claro?
• Os processos atuais da empresa contribuem para manter o foco?
Já retornei ao Brasil e trouxe comigo muitos contatos de grandes startups que estão transformando o ambiente de negócios, ideias para novas soluções e benchmarks de inovação. Tanta coisa que é até difícil saber por onde começar!
O primeiro passo, talvez, seja aplicar um dos aprendizados mais ricos que tive por lá: a importância de manter o foco no que importa.