Tecnologia e dinheiro: duas forças do Vale do Silício a serviço de causas sociais (Getty Images)
Da Redação
Publicado em 12 de junho de 2015 às 05h56.
São Paulo - O Vale do Silício é a região do mundo que mais produz bilionários. Embalados pela revolução digital, 23 novos super-ricos entraram para a lista da revista americana Forbes somente no ano passado. Essa mistura de riqueza com tecnologia começa agora a transformar também a filantropia.
É na Califórnia que a organização não governamental GiveDirectly (que, numa tradução livre, seria algo como Doação Direta) está mais prosperando. Criada em 2011 por economistas das universidades Harvard e MIT, a organização propõe a doação de 1 000 dólares a famílias pobres do Quênia e de Uganda, com duas inovações.
Primeiro, o dinheiro é enviado diretamente ao público-alvo, sem perder parte do valor num caminho cheio de intermediários. E, segundo, quem recebe a doação é que decide como, onde e quando vai utilizá-la, sem precisar fazer nada em contrapartida.
“Não acho que daqui dos Estados Unidos eu seja a pessoa mais indicada para dizer o que alguém no interior do Quênia deve fazer para sair da pobreza. Tenho certeza de que essas pessoas podem fazer as melhores escolhas por elas mesmas”, diz Michael Faye, presidente da GiveDirectly.
É essa nova abordagem que está atraindo um número crescente de doações de ricaços do Vale do Silício. Chris Hughes, um dos fundadores do Facebook, é um dos mais empolgados com a ideia e hoje faz parte da direção da ONG, que já recebeu doações do Google e do fundo Good Ventures, criado por outro cofundador do Facebook, Dustin Moskovitz.
A operação da GiveDirectly somente é possível porque os celulares também estão invadindo as partes pobres da África. No Quênia, por exemplo, a penetração dos aparelhos já chega a 78% da população. Como o sistema bancário tradicional é precário, as operadoras de telecomunicações passaram a fornecer contas-correntes a seus clientes, o que, de forma involuntária, preparou o terreno para a chegada da ONG americana.
Por meio de censos dos governos do Quênia e de Uganda, a GiveDirectly localiza as regiões mais pobres e envia equipes de reconhecimento, que ajudam a selecionar os beneficiários. O critério de escolha é bem objetivo: casas com teto de palha são um indício forte de que a família é miserável.
Uma vez cadastradas, essas pessoas são informadas por meio de mensagens de texto e podem retirar o dinheiro em postos autorizados pelas operadoras, como pequenos mercados, armazéns e postos de combustíveis. Em geral, a primeira iniciativa das 16 000 famílias atendidas até agora foi comprar um teto de metal para a própria casa.
A GiveDirectly se vangloria de repassar ao público-alvo cerca de 90% de todo o valor arrecadado, um modelo que parece mais atraente num momento em que a atuação de algumas ONGs vem sendo posta em dúvida. Países e grandes doadores privados questionam a multiplicação de organizações cujo único propósito é garantir a própria sobrevivência.
Apenas no Quênia estima-se que haja 350 000 ONGs. Na Índia, a indústria da filantropia envolve 3,3 milhões de organizações — uma para cada grupo de 380 habitantes. Desde o ano passado, o Reino Unido está fazendo uma varredura nos programas de ajuda humanitária financiados pelo país — e descobriu que tem gente recebendo mais de 3 000 reais por dia para trabalhar em projetos na África e na Ásia. Com dados como esses, dá para entender por que a GiveDirectly tem feito tanto sucesso entre os grandes doadores americanos.
Desde 2012, a ONG é apontada como uma das mais confiáveis pela organização americana Give Well, que avalia instituições filantrópicas no mundo todo e destaca as melhores em termos de custo-benefício. Quando se examinam os efeitos da filantropia no combate à pobreza no curto prazo, a GiveDirectly parece ter um grande efeito.
Um estudo feito pelos pesquisadores Johannes Haushofer, do MIT, e Jeremy Shapiro, da Universidade Princeton, avaliou a situação das famílias beneficiadas entre 2011 e 2012. Foram levados em conta 11 quesitos, como renda, atividade empresarial, fome, educação e bem-estar, e em quase todos eles foram encontrados resultados positivos.
O número de dias que as crianças passaram sem comer, por exemplo, caiu cerca de 40%. A violência doméstica diminuiu e os investimentos em microempreendedorismo aumentaram. Não há registro de que nas comunidades com pessoas que receberam dinheiro da ONG houve aumento do consumo de bebidas e tabaco — sempre um temor nesses casos. Mas os índices de educação e saúde não mostraram grandes mudanças.
A partir dos anos 60, quando os países ricos voltaram sua atenção para a pobreza na África, a ajuda humanitária na região começou a focar a redução da fome e o desenvolvimento por meio de educação e infraestrutura essencial. Essa foi a tônica até o final da década de 90, quando surgiu outra vertente, inspirada no sucesso de programas de transferência condicionada de renda no México (Progresa) e no Brasil (Bolsa Escola, hoje rebatizado de Bolsa Família).
Nesse modelo, a doação obriga os beneficiários a manter os filhos na escola e a levá-los ao médico. Em comum, as duas estratégias de combate à pobreza exigem alguma estrutura para sua operação. No caso do mexicano Progresa, hoje rebatizado Prospera, apenas 40% do dinheiro do programa chega às famílias. De acordo com o governo brasileiro, o custo operacional do Bolsa Família é de 5% do total.
Esse modelo foi depois copiado por ONGs, que seguem a mesma lógica: o dinheiro só é liberado se o beneficiário fizer sua parte. No caso da Heifer International, por exemplo, que atua em vários países da África, os participantes recebem insumos e animais, mas precisam participar de um treinamento técnico em pecuária fornecido pela ONG.
Os programas de transferência condicionada de renda, portanto, quando bem implementados, ajudam os pobres a caminhar com as próprias pernas mais à frente. “Os programas que colocam condicionantes têm um efeito maior no número de anos de estudo”, diz o brasileiro Francisco Ferreira, economista-chefe do Banco Mundial para a região da África.
O que o exemplo da GiveDirectly sugere, porém, é que não existe uma única estratégia eficaz. Se a meta é resolver os problemas imediatos das pessoas, melhor deixar que elas decidam o que fazer com o dinheiro.