Revista Exame

Uma nova receita para o Teuto

Como os medicamentos genéricos estão ajudando o Teuto Brasileiro a ganhar parte do mercado dos grandes laboratórios

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Da Redação

Publicado em 25 de maio de 2011 às 20h27.

O avanço dos ainda polêmicos medicamentos genéricos pode se transformar numa extraordinária oportunidade de crescimento para muitos laboratórios nacionais. Produzidos com base em patentes vencidas, sem consumir verbas de pesquisa, desenvolvimento e marketing, os genéricos devem ganhar parte de um mercado estimado em 12 bilhões de dólares ao ano.</p>

Entre os laboratórios nacionais, talvez nenhum se tenha preparado tão bem para os novos tempos quanto o Teuto Brasileiro, de Anápolis, Goiás, o maior do setor. A fim de firmar sua imagem, popularizar a marca e vender mais, ele adotou uma política comercial agressiva e tomou diversas iniciativas de marketing. Em conseqüência, desde o início do ano a empresa é uma das raras no país a vender tudo o que produz.

Em 1999 seu faturamento deve crescer 70% e chegar a 110 milhões de dólares. "Estamos investindo 70 milhões de dólares no aumento da nossa capacidade de produção. Ela será quase triplicada", diz Walterci de Melo, 40 anos, presidente do Teuto. "A partir de 2001 vamos faturar pelo menos 250 milhões de dólares anuais."

O Teuto foi fundado em São Paulo, após a Segunda Guerra, pelo imigrante alemão Adolfo Krumeir, que depois o transferiu para Belo Horizonte. Ao se aposentar, Krumeir vendeu a empresa a representantes comerciais do próprio Teuto. Muitos anos depois, em 1986, a história se repetiria quando Melo comprou o Teuto. Goiano de nascimento, ele é um empreendedor típico. Aos 18 anos foi morar na cidade gaúcha de Bagé, onde iniciou um nunca terminado curso de Direito. No Rio Grande do Sul ele iniciou sua carreira de vendedor, na qual não faltaram alguns lances marotos.

Naquela época, por exemplo, ainda existia uma tela tricromática para televisores em preto-e-branco. Mais conhecida como "TV colorida de pobre", era um produto inútil. Mesmo assim, Melo vendia bem. Ele mostrava à dona da casa um texto atribuído ao Ministério da Saúde. O impresso dizia que os aparelhos emitiam muita radiação e faziam mal à saúde dos telespectadores. "Sem que ela se desse conta, eu aumentava o brilho", diz Melo. Quando a engenhoca era sobreposta à tela do televisor, a luminosidade diminuía, "provando" assim que os raios eram absorvidos e que a saúde ficaria preservada.


Depois disso ele tentou, sem grande sucesso, vários negócios. Como uma serralharia em Brasília e uma fabriqueta de salgados em Goiânia. A seguir, Melo se tornaria sócio de seu irmão Lucimar numa representação de medicamentos. Na ocasião, o Teuto necessitava de vendedores para o Centro-Oeste e para o Norte do país.

Os dois irmãos se candidataram e inicialmente ganharam a área de Goiás. "No início dos anos 80, ninguém queria rodar nas estradas de terra do Centro-Oeste e do Norte", diz Melo. "Eu topava qualquer parada. Até mesmo no Acre eu estive." Em três meses os irmãos Melo já haviam ganho o suficiente para comprar seus primeiros carros zero. (Melo tem hoje um Mercedes S-500, um helicóptero Esquilo, que o transporta entre Goiânia e Anápolis - a pintura foi feita pelo artista plástico Siron Franco -, e um avião KingAir. Ele estuda ainda a compra de dois jatinhos para a sua empresa de táxi aéreo.)

Mais três anos e a representação virou a Organização Melo, uma distribuidora de remédios. Os irmãos faziam o possível para aumentar as vendas sem ter de repassar a parte mais generosa da sua margem de lucro. "Muitas vezes eu propunha ao dono da farmácia que comprasse 11 000 e só pagasse 10 000.

Em troca eu ainda ficaria com o estoque de produtos vencidos", diz Melo. "Dizia a eles que os laboratórios aceitariam os remédios de volta e me dariam um desconto de 10%, a mesma margem que eu lhes estava repassando." Segundo ele, os remédios vencidos eram, na verdade, descartados. Mas ainda assim saía lucrando, pois sua margem era superior a 20%.

Uma das técnicas de Melo era comprar carros usados de farmacêuticos em troca de lotes de remédio. "Se valia 10 eu oferecia 11, mas desde que aceitasse o pagamento em mercadorias", diz ele. Com estratégias pouco ortodoxas como essas, em 1986 a distribuidora já havia se tornado a segunda maior do Centro-Oeste. O crescimento chamou a atenção dos proprietários do Teuto, que queriam se desfazer do laboratório. "Nas condições em que o negócio me foi oferecido, eu não podia deixar de comprar", diz Melo. O Teuto foi vendido por 2 milhões de dólares, pagos em cruzados, a moeda da época, em dez prestações sem juros ou correção monetária.

Na metade da década passada, o laboratório era pouco maior do que uma microempresa. Mas Melo contava com sua forma heterodoxa de negociar para fazer o faturamento aumentar. Em 1992, brigado com Lucimar, que teria levado a distribuidora à falência, Melo se tornou o dono do negócio e decidiu mudar o Teuto de Minas para Goiás.


Desde então ele profissionalizou a direção e, contando com generosos incentivos fiscais concedidos pelo governo goiano, injetou mais de 80 milhões de dólares nas instalações da empresa. As vendas acompanharam na mesma proporção. De 5 milhões de dólares em 1992, elas passaram a 65 milhões no ano passado, um crescimento de 1 200%. Agora, turbinado pela lei dos genéricos e com a elevação da capacidade produtiva em curso, o Teuto começa a avançar em direção ao mercado dos laboratórios multinacionais.

O mercado brasileiro de remédios vale cerca de 12 bilhões de dólares ao ano. Segundo Jailton Batista, superintendente do Teuto, a participação dos genéricos - medicamentos sem marca que levam apenas o nome do princípio ativo - é de menos de 10%. Nos Estados Unidos eles respondem por 47%. Na Europa, ocupam de 40% a 50% das vendas.

O mercado de genéricos prospera graças à limitação do tempo de patente dos medicamentos desenvolvidos pelos grandes laboratórios. Cerca de 75% dos medicamentos em uso no mundo têm mais de 30 anos de prateleira. Portanto, suas patentes expiraram e eles podem ser legalmente copiados. Segundo os defensores dos genéricos, os consumidores seriam os maiores beneficiados. Com o aumento da concorrência, os preços cairiam.

De acordo com Batista, 35 milhões de brasileiros não compram medicamentos por falta de dinheiro. Outros 28 milhões de consumidores adquirem esporadicamente, ainda que necessitem do remédio com alguma freqüência. Mesmo assim, por aqui os genéricos nunca fizeram sucesso.

Com a entrada da lei em vigor, em agosto deste ano, os médicos do serviço público passaram a ser obrigados a receitar o princípio ativo, o que tende a aumentar a participação dos genéricos nas vendas. "Quando os genéricos conquistarem 30% de participação, as grandes empresas terão perdido 3 bilhões de dólares em vendas para os laboratórios do setor", diz Batista.

A perspectiva vem atraindo empresas internacionais. Um exemplo é o Hexal AG, o oitavo maior laboratório da Alemanha. Há alguns meses, o Hexal adquiriu a Qif, Química Intercontinental Farmacêutica, de São Paulo. "A nova lei tornou o mercado ainda mais interessante para nós", diz Marcelo Vidal, diretor da Qif. Outros laboratórios estrangeiros estão se preparando. É o caso do Novartis, que já anunciou que vai ter uma linha de genéricos no país. A alemã Basf, por meio de sua subsidiária Knoll, participa desse mercado desde 1994.


A briga não será fácil. A Associação Brasileira da Indústria Farmacêutica, Abifarma, vem alertando para a necessidade de testes de bioequivalência antes que os medicamentos sejam comercializados como genéricos. Até agora, nenhum produto passou por eles. Os testes comprovariam (ou não) a coincidência entre as fórmulas usadas pelos genéricos e pelos remédios com marca. O Teuto também terá de provar que seus produtos estão de acordo com as normas do Ministério da Saúde.

O médico, o consumidor e o farmacêutico sempre desconfiaram da qualidade dos genéricos. Por causa disso, ao contrário do que ocorria na época da tela tricromática, Melo tenta parecer mais confiável. "Nossos produtos têm qualidade até mesmo superior aos produtos de marca", afirma. Para que isso transparecesse, a empresa investiu na certificação ISO 9002, obtida em 1996.

Depois, criou uma política de portas abertas visando a população em geral e, em particular, farmacêuticos e médicos. Mais de 1 000 pessoas visitam o laboratório todos os meses. Toda vez que um profissional da saúde manifesta dúvidas sobre a qualidade dos medicamentos produzidos, o Teuto lhe envia uma passagem de avião. "Nossas instalações têm o que existe de mais moderno no mundo", afirma Batista.

Os executivos do Teuto também estão apostando na reestruturação de seu sistema de distribuição. Dos 1 200 distribuidores que trabalhavam para o laboratório, sobraram 400. Há tentativas de tornar a marca Teuto mais visível no mercado. As embalagens foram modernizadas e a empresa reservou mais de 1 milhão de dólares para publicidade.

"Nossa arma é a informação. Criamos o disque-genérico e provocamos a discussão sobre medicamentos na mídia a fim de chamar a atenção da população", diz Batista. O Teuto tomou a iniciativa de promover debates entre autoridades da saúde pública, farmacêuticos e médicos de quase todo o país.

O Teuto patrocinou também, com 300 000 dólares, a edição de um dicionário de genéricos contendo mais de 3 000 verbetes sobre princípios ativos e quem os fabrica. Cerca de 50 000 dicionários já foram distribuídos a médicos e farmacêuticos. Por fim, os executivos da empresa vêm tentando conquistar aliados entre poderosos interessados.


Um deles é o ministro da Saúde, José Serra, que usa produtos do Teuto. Serra é o maior defensor público dos medicamentos genéricos. Segundo seus planos, eles ajudarão a reduzir os custos da Saúde e, de quebra, também as filas nas portas dos postos públicos. Outros aliados do Teuto são o Conselho Regional de Farmácia de Brasília e a Federação Brasileira dos Hospitais Privados, que congrega cerca de 3 000 casas de saúde.

A aproximação com empresas de medicina de grupo, que, como os hospitais, estão interessadas em baixar os seus custos com internações, é uma das principais estratégias do Teuto. Algumas já estão recomendando aos médicos conveniados que receitem, sempre que possível, apenas o princípio ativo. Embalado pelo crescimento das vendas, o laboratório vem lançando cada vez mais produtos. Em 1992, eles eram apenas 40. Agora, são 320 em 450 apresentações.

Com os novos produtos e aumento de vendas, a capacidade de produção foi toda ocupada. O laboratório funciona 24 horas por dia e tem 1 100 funcionários, o dobro do início do ano. Quando a expansão em curso for concluída, em 2001, a capacidade do Teuto será de 30 milhões de unidades por ano, contra os 12 milhões de agora.

As instalações atuais passarão a produzir medicamentos fitoterápicos, baseados em plantas. Antes disso, Melo quer revitalizar a tradicional marca Andrômaco, comprada por 1,5 milhão de dólares no ano passado. A intenção é, em dez anos, tê-la entre as dez maiores do mercado. "A Andrômaco é uma linha de medicamentos éticos. Com ela, o Teuto terá mais prestígio na classe médica", diz ele.

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