Revista Exame

Uma nova feira de arte

Com a pandemia de covid-19, galerias e museus fecharam as portas e as mostras foram canceladas. A saída — bem-sucedida — foi a digitalização

 (Getty Images)

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Já não é novidade que a pandemia mundial impactou todos os setores da economia, principalmente aqueles que não tinham passado por uma sólida transformação digital. Foi o caso do mercado de arte. Do dia para a noite, galerias e museus fecharam as portas, e as feiras de arte, a exemplo da SP-Arte, foram canceladas, tornando a presença online mais do que uma necessidade de inovação, um imperativo de sobrevivência. É por isso que para estrear como colaboradora como colunista da EXAME, e aproveitando a recente realização da primeira SP-Arte 100% digital, escolhi o processo de digitalização das feiras de arte como tema inaugural de reflexão.

O circuito comercial das artes sempre foi visto como tradicionalmente dependente dos encontros presenciais, que tomavam forma nas galerias, especialmente nas feiras e nos festivais de arte e em todo o conjunto de eventos sociais e culturais construídos ao seu redor. De acordo com relatório recente de Art Basel, mais de 60% do total de vendas das galerias ao redor do mundo se concretizaram nas feiras de arte em 2019. No Brasil, a SP-Arte sozinha, com apenas cinco dias de duração, chega a representar cerca de 30% das vendas anuais das galerias participantes.

É possível imaginar, então, o impacto dramático que a chegada da covid-19 e o consequente cancelamento de nossa feira em abril e de todas as outras ao redor do mundo após 13 de março tiveram nesse mercado. Como substituir a magia do encontro pessoal do espectador com a obra? Como vender peças únicas, cada uma com suas cores, texturas e formas, e que podem representar investimentos expressivos, sem o contato direto e a interação pessoal com o galerista?

Mas a necessidade é a mãe da inovação. Com o cancelamento dos eventos comerciais, o mercado mostrou enorme capacidade de reinvenção e adaptabilidade, apostando no online. Os viewing rooms, nome adotado para identificar as feiras digitais, ainda que não substituam o presencial, trazem uma série de novos atributos que estão se provando muito benéficos ao setor:

1 — Expansão e formação do público:
A facilidade de acesso do mundo digital, aberto 24 horas e a um clique de distância, propicia relevante expansão do público e promove o alcance educativo do evento. O SP-Arte Viewing Room recebeu 56.000 visitantes, número quase duas vezes maior que a feira presencial, sendo 75% novos usuários no site da SP-Arte, onde o projeto foi hospedado;

2 — Redução das distâncias:
Participar de feiras de arte, tanto para colecionadores como para galeristas, implicava muitas viagens, que requeriam tempo e envolviam logística e custos elevados. O mundo digital, por sua vez, não tem fronteiras, possibilitando o acesso de pessoas ao redor do mundo de forma simultânea, sustentável e sem custos. Novamente tomando o SP-Arte Viewing Room como exemplo, 40% dos visitantes eram de fora do eixo Rio–São Paulo e 15% do exterior. Isso é um indício de que galerias e feiras de arte locais podem, finalmente, por meio de novas estratégias de presença online, concretizar sua expansão geográfica e adquirir uma vantagem competitiva num mercado centralizado no Hemisfério Norte;

3 — Riqueza de conteúdo educativo:
No mundo digital, o caráter educativo dos eventos alcança outro patamar, tornando-se mais abrangente e lúdico à medida que as obras apresentadas podem ser acompanhadas por diversos textos, áudios e vídeos com depoimentos de artistas, curadores ou galeristas, e por ferramentas de visualização, que permitem, por exemplo, observar as obras em escala ou inseridas em um espaço expositivo;

4 — Democratização do acesso:
No ambiente online, a distância entre galerias tradicionais e novos entrantes e entre artistas consagrados e jovens talentos é diminuída, promovendo a diversidade e ampliando o acesso.

Assim, as feiras online se mostraram não só possíveis como superaram as expectativas. No primeiro semestre de 2020, a parcela de vendas pela internet cresceu significativamente, representando cerca de 40% dos negócios no mercado global, sendo um terço dessa cifra para novos colecionadores. Esses dados indicam uma oxigenação do mercado de arte e um rejuvenescimento do público. Além disso, a digitalização traz consigo conceitos como rapidez, praticidade e transparência de preços, bem como coloca maior foco na experiência do cliente.

E como será o futuro desse mercado? A crise da covid-19 certamente será superada e as feiras presenciais voltarão — afinal, nada substitui o encontro frente a frente com a obra de arte. Além disso, as feiras, com sua energia eletrizante, seus eventos e seu circuito social, representam uma excelente opção de acesso a obras de qualidade e networking para colecionadores. Porém, o online também veio para ficar, enriquecendo e complementando a experiência dos amantes das artes, ajudando a expandir e a renovar esse mercado, outrora tão tradicional, e moldando um novo modo de exibir, compartilhar e negociar obras. Físico e virtual serão daqui para a frente fortes aliados e caminharão juntos em estratégias mais conscientes de expansão, diversificação e democratização do mercado de arte.


(Jéssica Mangaba/Divulgação)

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