Revista Exame

Mark Parker, uma mente americana

Mark Parker, da Nike, fez carreira como designer — e agora usa a criatividade para comandar uma das maiores transformações da história da empresa

Mark Parker: ex-corredor, ele foi um dos primeiros funcionários da Nike. Entrou na empresa em 1979 e é o presidente desde 2006 (Patrik Giardino/EXAME.com)

Mark Parker: ex-corredor, ele foi um dos primeiros funcionários da Nike. Entrou na empresa em 1979 e é o presidente desde 2006 (Patrik Giardino/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 13 de outubro de 2011 às 15h46.

Beaverton - Uma das palavras que mais se ouvem na sede da Nike é obsessão. Ela costuma vir acompanhada de alguma menção a esporte, pois a empresa abriga dezenas de ex-atletas profissionais e centenas de amadores dedicados.

O espírito de competição e a busca por resultados estão por toda a parte na enorme sede da empresa, na pequena cidade de Beaverton, no noroeste dos Estados Unidos. Cada um dos prédios leva o nome de um atleta conhecido (e o campo de futebol usado pelos funcionários homenageia o recém-aposentado Ronaldo).

Não poderia ser diferente: a Nike nasceu quando um corredor e seu técnico decidiram aperfeiçoar os tênis fabricados no Japão. Mas uma visita à sala de Mark Parker, presidente mundial da Nike, mostra outro tipo de obsessão — pela arte, pela criatividade e, claro, pela inovação.

Enquanto muitos executivos optam por uma decoração espartana, com uma foto da família aqui e um objeto de estimação ali, Parker trabalha numa sala que não pode ser descrita com justiça em poucas palavras. A foto no início desta reportagem mostra apenas um pedaço da sala, mas dá uma mostra da decoração escolhida.

Quadros, relíquias esportivas, protótipos de produtos e dezenas de tênis cobrem todas as superfícies do escritório. Par­ker, que começou na Nike em 1979 e fez carreira como designer, é um colecionador obsessivo.

E também um atleta obsessivo. “Eu era como o Forrest Gump”, disse Parker a EXAME. “Corri 30 quilômetros por dia, todos os dias, por 15 anos.” Embora esteja em forma para seus 55 anos de idade, o joelho já não aguenta mais essa rotina.

Mas Parker agora está em outra corrida: levar a Nike, maior fabricante de artigos esportivos do mundo, a um faturamento próximo a 30 bilhões de dólares em 2015, um crescimento de até 50% em relação à receita do ano passado. Para isso, Parker conta com sua história na companhia.

Um dos produtos mais conhecidos da Nike, a tecnologia Visible Air (que tornou visível a bolha de gás que amortece os impactos nos tênis), foi criação sua. Ele também foi o responsável pelo lançamento do sistema Nike+, que permite aos corredores monitorar sua performance ao longo do tempo.


O sistema, que funciona com iPods ou iPhones, foi desenvolvido em parceria com outro executivo famoso por sua obsessão: Steve Jobs. É do equilíbrio entre Parker, o criativo, e Parker, o executivo, que a Nike depende para sofrer uma das maiores transformações de sua formidável história.

O crescimento vai passar pelos mercados emergentes, especificamente Brasil e China. Os Jogos Olímpicos de Pequim foram um fator importante para impulsionar a Nike no maior mercado do mundo, que já responde por 1,5 bilhão de dólares do faturamento da empresa.

A expectativa é que o mesmo empurrão ocorra no Brasil, com a Copa de 2014 e a Olimpíada do Rio, dois anos depois. Mas Parker aponta uma diferença fundamental entre os dois países: “No Brasil, a cultura esportiva é muito desenvolvida. Ela faz parte da identidade do país.

Na China, estamos ajudando a criá-la”. Não por acaso, um dos maiores ídolos esportivos na China é o americano Kobe Bryant, que joga basquete pelo Los Angeles Lakers — e é uma das maiores estrelas da Nike.

Apaixonado por arte de rua e fã da dupla de artistas paulistanos Os Gêmeos, Par­ker enxerga no Brasil uma confluência entre arte, música e esporte. “É nesse tipo de ambiente que a empresa floresce.”

Mas para que isso ocorra a Nike também terá de lidar com os típicos problemas que atingem empresas baseadas em inovação e capital intelectual: pirataria e falsificação. Alguns modelos de tênis de corrida custam mais de 500 reais no Brasil. Esse preço ajuda a explicar o enorme mercado ilegal.

Mas lançar produtos de baixo custo para os países emergentes, pelo menos com a marca Nike, por enquanto está fora de questão, segundo Trevor Edwards, responsável pelo mar­keting global da empresa. “A Nike continuará sendo uma marca premium”, diz Edwards. “Temos outras marcas, como Converse e Umbro, para atender todo tipo de consumidor.”

Uma das explicações para o preço dos tênis Nike está na sede da empresa, uma área de quase 800 000 metros quadrados na região de Portland. O campus fica numa região cheia de verde, e é belíssimo. Os 12 prédios cercam um enorme lago artificial. Gansos circulam por toda a parte.


Dos 36 000 funcionários da empresa, 7 000 trabalham na sede, que tem todo tipo de quadras e campos para os funcionários praticarem esportes durante o expediente. As duas academias — movimentadas o dia todo, pois muitos funcionários treinam durante o expediente — são equipadas com todo tipo de aparelho que se possa imaginar.

Em uma delas, há uma piscina semiolímpica e um enorme muro para escaladas. Mas a razão para o prêmio cobrado pela Nike não está à vista, muito pelo contrário.

Segredos

A Cozinha de Inovação é um dos lugares pelos quais Parker mais gosta de circular. É lá que os 20 doutores em especialidades como biomecânica, fisiologia do esporte e engenharia biomédica fazem as pesquisas e os testes que levaram à criação, por exemplo, dos tênis Nike Free, que dão a sensação de correr descalço.

Numa sala fechada, os pesquisadores conseguem simular todo tipo de ambiente para uma corrida: dos gélidos dias de frio da maratona de Nova York ao calor e à umidade que se esperam nos Jogos do Rio. A ideia é criar um tipo de roupa que consiga evitar o aumento excessivo da temperatura do corpo.

No dia em que EXAME esteve na Cozinha de Inovação, um grupo de profissionais de futebol americano estava participando de uma sessão de pesquisas. Mas o espaço é cheio de segredos. Quando o grupo de jogadores voltou do almoço, a visita acabou.

“Mais de 30 anos atrás, quando comecei a desenhar tênis de corrida, me perguntavam: ‘O que mais pode ser feito?’ ”, escreveu Parker na mais recente carta aos acionistas. “Hoje, não ouço mais es­sa pergunta com tanta frequência.”

Mas uma questão que continua sendo ouvida diz respeito ao impacto social e ambiental de uma empresa do tamanho da Nike, que terceiriza a produção para mais de 600 fábricas ao redor do mundo (59 delas no Brasil) e emprega indiretamente de 800 000 a 1 milhão de pessoas.


Par­ker assumiu um dos com­pro­mis­sos mais ousados com a sustentabilidade entre empresas desse porte. A visão que ele delineou em conjunto com Hannah Jones, vice-presidente responsável pela área de sustentabilidade, promete mudar radicalmente o que é a Ni­ke e como o negócio opera.

Até a metade do século, toda a água usada nas fábricas será devolvida limpa à comunidade, todo o lixo será reciclado e não será usado nenhum tipo de combustível fóssil. “Há muita gente que diz que consumo sustentável significa que consumamos menos”, diz Hannah. “Acho que os chineses e os brasileiros não concordam com isso.” 

Bonito e nobre. Mas como isso vai se transformar em realidade? Um dos primeiros passos foi o que a Nike batizou de Índice Considerado. Todos os produtos, desde sua fase inicial de criação, são avaliados de acordo com dezenas de critérios de sustentabilidade e classificados entre ouro, prata e bronze.

Desde meados deste ano, 100% dos novos tênis devem ter obrigatoriamente me­dalha de bronze. O objetivo foi alcançado. “Esse é um dos baratos de uma empresa como a Nike: se você cria metas ambiciosas, a adrenalina começa a correr”, afirma Hannah.

A história da Nike é uma história de criatividade, e nada ilustra melhor esse traço da empresa do que um dos primeiros tênis desenvolvidos por Bill Bowerman, um dos fundadores.

Ele usou uma máquina de assar waf­fles para criar um novo solado de borracha, com o objetivo de melhorar a performance dos corredores. Como manter esse espírito de inovação numa companhia bilionária e espalhada pelo mundo é o desafio de Par­ker.

“Penso muito a respeito. Uma de minhas principais responsabilidades é manter essa chama viva”, diz. E completa com uma metáfora esportiva, é claro: “E também temos de comemorar. Isso cria energia. O sucesso é contagiante e nos empurra para a frente”.

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