Revista Exame

Uma janela e um portal

Se uma política respeitosa à aritmética das contas públicas entrar em vigor em 2027, estaremos diante de um portal para ativos brasileiros

Conforme a inflação e suas expectativas caem enquanto  a Selic é mantida em 15%,  por definição os juros reais aumentam (Master/Getty Images)

Conforme a inflação e suas expectativas caem enquanto a Selic é mantida em 15%, por definição os juros reais aumentam (Master/Getty Images)

Publicado em 27 de novembro de 2025 às 06h00.

Economista é aquele bicho que vê uma coisa acontecendo na prática e pergunta se aquilo poderia também funcionar na teoria. Para se afastar das ciências sociais e parecer tão insensível ao olhar do observador quanto as ciências naturais, a Economia buscou se formalizar e quantificar, elaborando modelos matemáticos cada vez mais sofisticados.

Se a complexidade da realidade não pode ser bem representada pelo modelo, problema dela! Cortamos suas pernas, fazendo-a caber na cama de Procusto. A diretoria do Banco Central brasileiro insiste em um discurso bastante duro sobre a política monetária. No comunicado que acompanha a última decisão sobre a Selic, o Copom reitera “a estratégia de manutenção do nível corrente da taxa de juros por perío-do bastante prolongado”. E ainda alerta que “não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso julgue apropriado”.

Não vejo muitas razões para amarrar-se com horizonte temporal tão dilatado. As condições correntes, sobretudo em mercados emergentes, mudam de maneira caprichosa, rápida e inesperada. As tentativas anteriores de adoção do chamado “forward guidance” (sinalização de determinado patamar de taxa de juros por um longo pe-ríodo) em países emergentes trouxeram resultados ruins. Numa espécie de ode ao princípio da contraindução de Mário Henrique Simonsen, vamos insistir no que deu errado esperando dar certo desta vez.

O aviso sobre a não hesitação em subir juros se necessário é ainda pior. Primeiramente, porque ele é tautológico: não diz nada. É evidente que, se julgar apropriado, o -Copom vai subir a Selic. Assim como, se considerar adequado reduzi-la, o colegiado também o fará. Ainda mais importante: o discurso está desconectado com a realidade. Não há verdadeiro debate no momento sobre a necessidade de novas elevações do juro básico. A conversa relevante é sobre o momento de redução da Selic, se janeiro ou março.

Ao insistir num discurso desalinhando à concretude dos fatos, o Copom parece querer comprar credibilidade na marra, ignorando a máxima de que a virtude é silenciosa.

Na sequência, a ata da última reunião do colegiado permitiu interpretação mais branda. Ao já considerar os impactos da isenção de Imposto de Renda sobre ganhos de 5.000 reais em sua projeção de inflação de 3,3% para o horizonte relevante (segundo trimestre de 2027), o Copom teria aberto a porta para a redução da Selic já em janeiro. Gabriel Galípolo correu prontamente para inibir qualquer validação do prognóstico, condenando aqueles que teriam visto sinais nessa direção. Estaríamos apenas “dependentes dos dados”.

Ocorre que os dados justamente validam a ideia de início dos cortes da taxa básica de juros já em janeiro. Mais do que isso, com redução de 50 pontos, num orçamento total superior a 400 pontos-base — superior às estimativas de consenso. Caso isso não ocorra, o Copom será forçado a começar o ciclo em março e acelerar para cortes de maior intensidade ao longo de 2026.

A inflação corrente emite sinais sucessivos de estar mais bem-comportada. As expectativas de inflação, mesmo de longo prazo, já não estão mais desancoradas. Além da estimativa do próprio Copom de 3,3% para o horizonte de relevância, a mediana das projeções do Focus aponta 3,5% para a inflação de 2028, diante dos 3,6% apontados há quatro semanas. Tudo isso em modelos que não contemplam apreciação cambial à frente, a despeito de uma tendência de enfraquecimento do dólar no mundo.

Embora o mercado de trabalho continue apertado, há sinais cristalinos de desaceleração da atividade. Ao manter a Selic em 15% por tempo demais, o Banco Central incorre no clássico risco de overkill, de tornar a dose do remédio amarga demais a ponto de transformá-la em veneno, destruindo oferta futura.

Conforme a inflação e suas expectativas caem enquanto a Selic é mantida em 15%, por definição os juros reais aumentam. Como os agentes respondem a variáveis reais (não nominais), o Copom está, na prática, apertando adicionalmente o torniquete monetário, mesmo diante da desaceleração da atividade e dos cortes de juros realizados neste ano pelo Banco Central dos Estados Unidos.

O pragmatismo de Ayn Rand pode ser apropriado para o momento: “Você pode até ignorar a realidade, mas não pode ignorar as consequências de ignorar a realidade”.

Caminhamos para uma inflexão na política monetária brasileira, com um orçamento grande de cortes de juros contratado para 2026. Isso cria uma janela especialmente favorável para ativos de risco brasileiros nos próximos meses. Como referência histórica, desde 1994, os semestres em que o Copom inicia um processo de diminuição da Selic oferecem um ganho médio de 20% para o Ibovespa.

A ideia de juros menores por aqui se soma ao ciclo mais favorável para mercados emergentes, diante da continuidade do movimento de diversificação global contra o dólar iniciado em 2025, depois de 15 anos na direção contrária. Temos uma janela de aproximadamente seis meses para surfarmos sobre o apoio dessas duas ondas. A partir daí, estaremos debruçados sobre o prognóstico para a política econômica em 2027. Em palavras mais diretas, a eleição presidencial tende a fazer mais preço. Também nesse aspecto as notícias parecem mais construtivas para os ativos de risco.

Depois de contemplar por muito tempo a ideia de um cenário binário para a eleição, o investidor local começa a contemplar a hipótese de, se caminharmos para um quarto mandato do presidente Lula, convivermos com algum tipo de contenção, ainda que marginal, das contas públicas. Como resumiu Marcos Lisboa, estaríamos mais perto da mediocridade e da complacência do que da ruptura ou da explosão.

Em paralelo, as últimas pesquisas são inequívocas em apontar a importância da temática de segurança pública como definidora das eleições. Em tese, isso favorece a direita, e os levantamentos mais recentes já indicam estreitamento da liderança do presidente Lula diante dos candidatos mais pró-mercado, inclusive em magnitude inesperada. “Essa pesquisa [Genial/Quaest de novembro] não é nem um sinal amarelo, é uma explosão geral de sinal vermelho para a campanha Lula”, como sintetizou o analista político Thomas Traumann.

Não custa lembrar: os últimos dois grandes ciclos de multiplicação de capital no Brasil estiveram associados a um ajuste das contas públicas e à adoção de uma política econômica mais ortodoxa. Entre 2003 e 2007, o -Ibovespa se multiplicou por sete. Na saída do governo Dilma para o mandato Temer, tivemos outra extraordinária apreciação. Entre 2016 e 2019, o principal índice de ações do Brasil saiu de 39.000 para 120.000 pontos.

Se uma política respeitosa à aritmética das contas públicas entrar em vigor em 2027, teremos não apenas uma janela convidativa nos próximos seis meses. Estaremos diante de um portal inteiro. As chances de um superciclo dos ativos brasileiros são reais. Aprecie com moderação.

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