Revista Exame

Como Satya Nadella, CEO da Microsoft, quer criar uma IA para 8 bilhões de pessoas

Em 10 anos, Nadella fez a Microsoft valorizar 10 vezes e voltar ao topo do mercado tech. Sua nova ambição é fazer da inteligência artificial um agente de transformação para sociedades e países. Veja entrevista exclusiva

Publicado em 18 de outubro de 2024 às 06h00.

Última atualização em 19 de outubro de 2024 às 08h15.

Satya Nadella, CEO da Microsoft (Leandro Fonseca/Exame)

Roberto Campos Neto, o mais que atarefado presidente do Banco Central (BC) do Brasil, chegou cedo a um centro de exposições na zona norte da capital paulista, na manhã de uma quinta-feira de calor infernal em setembro. Acostumado a falar em detalhes sobre o momento da economia brasileira a plateias de políticos e empresários, desta vez ele tinha sido avisado de que teria cronometrados 5 minutos de exposição. Esperou pacientemente diante de um estande em que se lia “Drex by Banco Central do Brasil”. Até que adentrou a sala, passos rápidos em um terno azul sem gravata, o motivo da visita de Campos Neto: Satya Nadella, o CEO global da ­Microsoft. Ele veio ao Brasil para o Microsoft AI Tour, evento que reúne funcionários, clientes e autoridades interessados na terceira empresa mais valiosa do planeta, com 3 trilhões de dólares de valor de mercado.

Satya Nadella em São Paulo: visita para anunciar investimento de 14,7 bilhões de reais em IA (Leandro Fonseca/Exame)

Nadella chegou a São Paulo horas antes do início do evento, para uma agenda apertada. Parou diante de Campos Neto, mãos cruzadas e olhos atentos na curta apresentação sobre o Pix e o Drex, a futura moeda digital do Brasil. “Queremos um marketplace das finanças, em que o custo de atrair e reter clientes caia para centavos”, explicou o presidente do BC. “O plano é tokenizar os ativos físicos?”, questionou Nadella. “Vocês estão muito à frente dos Estados Unidos.” Mais duas perguntas e um aperto de mão depois, Nadella já estava de partida para ouvir outras apresentações de empresas como o banco Bradesco e o Hospital Albert Einstein, ou a startup mineira Radarfit. Na sequência, subiu a um palco armado no andar de baixo para anunciar investimentos de 14,7 bilhões de reais nos próximos três anos para impulsionar o poderio brasileiro em inteligência artificial. Apresentou ainda um programa para treinar 5 milhões de brasileiros em tecnologia. Na plateia, satisfeito, o vice-presidente ­Geraldo Alckmin estava sentado na primeira fila, junto com outras autoridades. Perto do meio-dia, Nadella subiu em seu avião e partiu rumo a Seattle, sede global da Microsoft.

Dias antes de vir ao Brasil, ele esteve no México e também na Colômbia. Semanas antes, na Malásia. Sempre com essa rotina atribulada que lembra a de um grande líder empresarial à frente­ de uma revolução sem precedentes. Pois Nadella é exatamente isso. Dez anos atrás, ele assumiu a presidência de um gigante combalido, que lutava para voltar a inovar após seis anos de gestão de Steve Ballmer. O agora proprietário do time de basquete Los Angeles Clippers entrou para a história como um líder falastrão que perdeu ondas como a dos smartphones. Nadella, em seu primeiro discurso como líder da ­Microsoft, falou de um futuro pautado por computação em nuvem e inteligência artificial. Sua visão se mostrou precisa como uma tacada de críquete, seu esporte preferido.

Em 2019, ele veio ao Brasil e estampou uma capa da EXAME, com a chamada “De volta ao topo”. O destaque foi a batalha diária contra a arrogância corporativa, de uma empresa que voltava a “despertar paixões” e a ser “lembrada por inovação”. Cinco anos depois, em nova entrevista que durou exatos 11 minutos e 30 segundos, Nadella falou de “missão”. No caso, de ampliar a produtividade global por meio da inteligência artificial. “Francamente, as tecnologias vêm e vão”, afirmou. “A questão é: estamos vivendo nossa missão de empoderar toda pessoa e toda empresa a conquistar mais?”. Para ele, o essencial, neste começo de segunda década no comando da empresa, é inovar “onde haja um benefício amplo com a tecnologia”, em vez de apenas poder dizer “que temos a próxima grande inovação... usada por apenas umas poucas pessoas”. Nadella gosta de dizer que a empresa precisa “subir o piso e também o teto” das conquistas humanas. Ou seja: seguir investindo em projetos disruptivos, mas, sobretudo, fazer com que possam ser úteis para os 8 bilhões de habitantes da Terra.

Tânia Cosentino, CEO da Microsoft Brasil: “Nadella tem capacidade de aliar uma cultura de crescimento e, ao mesmo tempo, permanecer humilde e curioso” (Leandro Fonseca/Exame)

É o caminho para que a Micro­soft continue relevante no longo prazo. Hoje, o topo do capitalismo mundial é dominado por empresas de tecnologia. Numa era de tantas incertezas, há uma projeção inconteste de que quem perder o trem da IA vai ficar para trás. A líder Apple, um colosso de rentabilidade, vem sendo cobrada pelas inovações um tanto decepcionantes em seus aparelhos como o ­iPhone 16. Mas o mercado confia na capacidade de liderança de seu CEO, Tim Cook — e os clientes ainda amam seus smartphones. Em sua cola vem a Nvidia, que fabrica os melhores chips para os grandes modelos de IA, que demandam o processamento de uma avalanche de informações. Seu CEO, Jensen Huang, virou uma figura reconhecida mundialmente, com sua indefectível jaqueta de couro. A Meta, de Mark Zuckerberg, a Amazon, de Jeff Bezos, e a Tesla, de Elon Musk, são outros gigantes que investem para conquistar corações e mentes de consumidores e acionistas. A Microsoft de Satya Nadella é, em boa medida, um caso à parte. Segundo Tânia Cosentino, CEO da empresa no Brasil, a maior qualidade da companhia é a capacidade de aliar uma cultura de crescimento e ao mesmo tempo permanecer “humilde e curioso”. “Enquanto figuras como Musk e Zuckerberg moldam suas empresas ao redor de suas personalidades, Nadella conseguiu algo mais raro e poderoso: tornar a Microsoft uma instituição independente de sua figura”, diz Miguel Fernandes, Chief Artificial Intelligence Officer na EXAME. “Em vez de a Microsoft ser reflexo de seu CEO, é a própria empresa que se impõe, como uma entidade que inspira confiança e estabilidade no mercado.

O grande diferencial competitivo da Microsoft é sua frente de produtos para empresas, que inclui do Excel ao Teams, de videochamadas e gestão de projetos. Nos últimos meses, a companhia passou a incluir ferramentas de inteligência artificial de forma tão discreta quanto contínua. Num passado agora remoto, diz Eric Boyd, vice-presidente corporativo de plataforma de IA da Microsoft, a companhia lançava uma nova versão do Windows a cada três anos; agora, lança produtos todos os dias, com atualizações contínuas. São ferramentas sob a marca guarda-chuva Copilot, que permitem a seus clientes gravar e transcrever reuniões, definir quais e-mails merecem ser lidos e até saber qual candidato se saiu melhor numa entrevista de emprego. Com 330 milhões de usuá­rios mundo afora, a plataforma corporativa tem um grande poder de espalhar a boa-nova da IA. “Nos últimos dez meses, o uso da IA generativa no ambiente de trabalho cresceu 65%”, diz Nicole Heskowitz, gerente-geral do Microsoft Teams. “Se em 2023 as pessoas estavam apenas molhando seus pés na água, agora adotaram de fato a inteligência artificial em suas rotinas.”

Apple Store, em Nova York: empresa enfrenta desafios no campo das inovações (Leandro Fonseca/Exame)

Um número crescente desses clientes corporativos escolhe guardar seus dados em alguns dos 300 supercomputadores da Microsoft espalhados por 36 países, a base do serviço de computação em nuvem Azure. A empresa já tem 60.000 clientes de nuvem, num crescimento de 50% no último ano. O próximo passo é fazer os clientes combinarem essa grande capacidade de processamento de dados com a construção de modelos de inteligência artificial sob medida — que podem incluir até mesmo o uso de modelos de concorrentes. Atualmente, 90% dos clientes ainda usam ferramentas dos 1.700 modelos-padrão da Microsoft. A empresa tem um papel ativo de mostrar aos clientes tudo o que pode ser feito, inclusive na próxima frente de inovação, a de modelos multimodais. Eles envolverão ferramentas que conversam entre si, interpretam e produzem imagens, e decidirão até agir por conta própria. “Estamos construindo essas tecnologias há mais tempo e pensamos nelas com mais profundidade que nossos competidores”, diz Eric Boyd. “As empresas nos procuram porque confiam na Microsoft e sabem que somos líderes em IA e seguiremos com os melhores modelos.”

Jensen Huang, da Nvidia: CEO ganhou evidência ao tornar sua empresa a fornecedora global de chips para IA (Chip Somodevilla/Getty Images)

O Azure enfrenta uma concorrência feroz. Sua participação de mercado subiu para 25%, mas ainda está atrás da AWS e do Google Cloud. O diferencial da Microsoft está na forte relação com os departamentos de TI das grandes corporações. A empresa ainda domina o mercado de software corporativo, e cerca de 80% dos PCs do mundo rodam ­Windows. Isso lhe permite oferecer pacotes que integram o Azure com outros produtos, como Office, a preços competitivos. A Microsoft afirma que, em algumas situações, o Azure pode custar até um quinto do valor da AWS. Mesmo assim, muitos clientes preferem produtos da concorrência. Quando se trata de videoconferências, muitos usuá­rios ainda escolhem o Zoom ou o Meet em vez do ­Teams, e serviços de mensagens como o Slack, da ­Salesforce, competem diretamente com a plataforma da Microsoft.

A Salesforce chegou a entrar com uma ação antitruste contra a Microsoft, alegando que o Teams foi projetado para sufocar a concorrência, assim como o Internet Explorer fez com o navegador Netscape nos anos 1990, o que desencadeou uma famosa batalha antitruste que terminou com o fim da hegemonia do finado Internet Explorer e a ascensão do navegador Chrome. A Microsoft também ajustou suas políticas de licenciamento, em uma tentativa de tornar a base de clientes menos rotativa, o que gerou insatisfação entre as empresas que assinam seu serviço. Antes, os usuários podiam rodar programas da Microsoft em servidores dedicados de qualquer provedor de nuvem, como AWS, por meio do modelo “traga sua licença”. Agora, novas regras impõem restrições para o uso de software Microsoft em servidores de concorrentes. A medida visa favorecer o Azure, oferecendo incentivos aos clientes que optarem por migrar para a plataforma. Essas mudanças geraram críticas, pois parecem contradizer o estilo mais aberto que Nadella defende. Em um ato inaugural do novo momento da Microsoft, em 2019, o CEO facilitou, por exemplo, a portabilidade do Office em dispositivos da Apple, como o iPad, uma revolução para a época, mas que não se tornou regra.

Sam Altman, CEO da OpenAI: startup se tornou líder do setor com apoio da Microsoft (Stefano Guidi/Getty Images)

Na batalha pelos clientes domésticos, a Microsoft está no lado mais fraco. Para levar suas ferramentas de inteligência artificial para bilhões de pessoas, a empresa precisa entrar nos smartphones da Apple e da Samsung. “Teremos um aplicativo incrível do Copilot, uma atualização do app que temos hoje, com ativação por voz e visão”, diz Yusuf Mehdi, vice-presidente que lidera o mar­keting para consumo. “Vamos lançar um produto tão bom que as pessoas vão fazer o ­dow­nload imediato, assim como fazem hoje de apps como Instagram e TikTok. Eles não têm acordos com a Apple, mas todo mundo usa.” A ­Microsoft aposta que a onda de decisões anticoncorrenciais devem facilitar a entrada do Copilot em serviços e produtos de concorrentes, e agora tem uma parceria mais azeitada com a Qualcomm, que fabrica os processadores neurais, capazes de rodar IA em variados tipos de dispositivos. Em paralelo, investe em soluções de inteligência artificial para além dos smartphones. “O mundo tem 2 bilhões de smartphones e eles não vão deixar de existir, mas haverá mais devices que não estarão no seu bolso e poderão ver o mundo e ouvir o que você ouve caso você permita”, diz Mehdi. O plano não é necessariamente fabricar os devices, mas trabalhar em parceria com fabricantes — inclusive no desenvolvimento. A EXAME visitou os laboratórios de hardware da companhia em Redmond, nos Estados Unidos, que fazem os testes dos notebooks ­Surface e do videogame Xbox, com instalações de última geração, como a sala mais silenciosa do mundo, certificada pelo ­Guiness, para testar sutilezas como o som do clique nos botões.

Jeff Bezos, da Amazon: AWS é principal concorrente de nuvem da Microsoft no mercado de IA (SAJJAD HUSSAIN/AFP/Getty Images)

Manter-se na liderança em IA vai custar cada vez mais dinheiro. No primeiro semestre de 2024, as sete maiores empresas de tecnologia do mundo investiram juntas mais de 106 bilhões de dólares em infraestrutura de nuvem e inteligência artificial, um aumento de 50% em relação ao mesmo período do ano anterior. A Meta, controladora do Facebook, que ainda não alcançou o trilhão em valor de mercado, revelou que seus gastos de capital podem atingir 40 bilhões de dólares até o final do ano. Para essas empresas, o risco de investir antes que a demanda se concretize é menor do que o de ser pega desprevenida no momento em que a infraestrutura se tornar crítica. A Alphabet, dona do Google, aumentou seus gastos de capital em 90%, chegando a 25 bilhões de dólares apenas nos primeiros seis meses de 2024. O foco? Data centers e chips de alto desempenho — o mesmo da Microsoft. A empresa de Redmond aumentou em 78% seus investimentos, totalizando 33 bilhões de dólares no mesmo período. Investidores começam a se perguntar se esses bilhões de dólares dedicados à infraestrutura de IA terão retorno. O Goldman Sachs publicou um relatório com o título provocativo “IA generativa: muito gasto, pouco benefício?”, questionando se o investimento previsto de 1 trilhão de dólares em IA nos próximos cinco anos realmente traria o retorno esperado. A gestora Sequoia Capital projetou que as empresas precisam gerar 600 bilhões de dólares apenas para cobrir seus custos com novas tecnologias. “Eu costumo responder que a adoção inicial de IA é maior do que esperávamos, mas que, ao mesmo tempo, é um jogo de longo prazo”, diz Nadella.

As dúvidas sobre o investimento necessário para financiar o longo prazo são especialmente relevantes porque a Microsoft tem apetite crescente por aquisições. Na maior delas, em 2022, pagou 69 bilhões de dólares na desenvolvedora de jogos Activision Blizzard. O investimento mais transformador todo mundo conhece: a startup OpenAI. No início de 2019, Nadella encontrou um projeto sem fins lucrativos do empreendedor Sam Altman que estava ganhando notoriedade com a missão de criar uma inteligência artificial geral, um conceito de IA que visa algoritmos capazes de atuar em qualquer tarefa feita por humanos. Em junho de 2019, a Microsoft anunciou um investimento inicial de 1 bilhão de dólares na OpenAI. Para Altman, isso representava muito mais do que apenas um alívio financeiro. O acordo permitia que a OpenAI utilizasse os vastos recursos de computação do Azure para treinar seus complexos modelos de IA, uma necessidade fundamental para a empresa. A primeira grande aplicação prática da parceria veio com o GitHub Copilot, lançado em 2021. Desenvolvido com base no modelo Codex, derivado do GPT-3, o Copilot foi integrado à plataforma GitHub, por sua vez comprada em 2018, e logo mostrou sua capacidade de aumentar a produtividade dos desenvolvedores, sugerindo linhas de código automaticamente e acelerando o processo de programação. O sucesso do Copilot não foi apenas um ganho para os programadores; para Nadella, isso representava a prova de que a IA generativa poderia ser aplicada em escala comercial, revolucionando o mundo do software.

Bill Gates com Lula na ONU: investimento em IA virou prioridade para os países (Leandro Fonseca/Exame)

Conforme a relação entre Microsoft e OpenAI se aprofundava, Nadella continuou a explorar novas formas de integração. Entre 2020 e 2023, a Microsoft ampliou seus aportes na OpenAI, e o investimento total chegou a 14 bilhões de dólares. A Microsoft passou a ofertar na Azure os vários tipos de modelos de linguagens criados pela OpenAI, com capacidade de atender a pequenas empresas em nível semelhante ao dos modelos mais robustos, mas por uma fração do valor. Do lado da ­OpenAI, com perdas estimadas em 5 bilhões de dólares por ano, a empresa tem um 2024 marcado por disputas entre Altman, acionistas e executivos. Ainda assim, fechou recentemente uma captação de 6 bilhões de dólares, com um valor de mercado estimado em 157 bilhões de dólares. O valor deve continuar a subir — a necessidade de recursos, também. Neste universo de altas expectativas e alta octanagem, a sobriedade de Nadella, conhecido por dedicar minutos diários à meditação e a fazer dever de casa com os filhos, vale trilhões. Três trilhões de dólares, para ser mais exato.


“O Brasil pode dar um salto à frente”

Satya Nadella, CEO da Microsoft, explica como a IA pode transformar sociedades ao impulsionar inclusão, inovação e crescimento econômico sustentável de países e da própria empresa | Lucas Amorim

As lições de Satya Nadella: “Como transformamos o potencial da IA em impacto real?” (Leandro Fonseca/Exame)

Satya Nadella tem uma visão clara sobre o futuro da empresa que comanda, destacando a missão de capacitar pessoas e organizações. Em uma rara entrevista, ele explica à EXAME o impacto da inteligência artificial, o investimento em data centers no Brasil e a busca por resultados reais em áreas como educação e saúde. Para ele, a inovação precisa gerar, sobretudo, crescimento social e econômico.

Ao pensar no futuro, a Microsoft busca ser a empresa mais inovadora em IA ou aquela que conseguiu democratizar a IA para o maior número de pessoas?

Para mim, sempre foi sobre cumprir a missão da empresa, que é capacitar cada pessoa e organização a fazer mais. As tecnologias vêm e vão, mas a questão é: estamos usando essas inovações para atingir esse objetivo? No Brasil, por exemplo, como transformamos o potencial da IA em impacto real? Como geramos melhores resultados educacionais, em avanços na saúde, em mais eficiência no setor público? A questão é: estamos vivendo nossa missão de empoderar toda pessoa e toda empresa a conquistar mais? É isso que buscamos.

Mas para isso vocês precisam ser tanto a empresa mais inovadora quanto a que melhor distribui a tecnologia, certo?

Sim, mas não se trata apenas de inovação. Também envolve ter um modelo de negócios que incentive o sucesso coletivo. A Microsoft só vai prosperar se nossa inovação gerar crescimento social e econômico nas comunidades. Porque inovar apenas por inovar tem seus limites. Não é apenas sobre ter a próxima grande novidade, e sim sobre garantir que essa novidade traga benefícios amplos.

Aqui no Brasil, há uma preocupação de que a IA possa deixar o país e outras nações em desenvolvimento para trás. O que você pensa sobre isso?

Eu diria que, pela primeira vez na história, a difusão de tecnologia está acontecendo quase instantaneamente. Quando converso com empreendedores no Brasil, como as fundadoras da Radarfit ou com organizações como o Hospital Albert Einstein, vejo que todos estão na vanguarda do uso da IA. Estamos investindo 14,7 bilhões de reais para expandir nossa infraestrutura de data centers no Brasil. E, sinceramente, acredito que o Brasil pode dar um salto à frente. Conversando com o presidente do Banco Central, por exemplo, está claro que o Brasil pode estar liderando mundialmente em inovação financeira.

Você está há dez anos à frente da Microsoft e fez muitas parcerias e aquisições. Como você decide quando seguir sozinho e quando buscar uma parceria, como foi com a OpenAI?

Acredito que o mais importante é o investimento orgânico que fazemos em nossas próprias tecnologias. Construímos grandes franquias, como o Azure e o Office 365. Mas também fizemos aquisições e parcerias importantes. Quando você adquire algo, precisa agregar valor. Foi o que fizemos com o GitHub e o LinkedIn. Essa combinação entre inovação interna, aquisições e parcerias é o que nos torna únicos.

E sobre a OpenAI? Qual é a relação entre a estratégia da OpenAI e a da Microsoft?

A OpenAI é uma parceira fantástica. Quando ninguém falava sobre IA generativa ou modelos de linguagem, vimos o potencial e nos comprometemos totalmente. Hoje, isso é consenso, mas fomos pioneiros. Sempre acreditei em parcerias de ganha-ganha, e é assim que abordamos a OpenAI.

Últimas perguntas: por quantos anos mais você pretende ser CEO da Microsoft? E como você gostaria de ser lembrado?

Estou aproveitando cada ano que passo na Microsoft. Já são 32 anos aqui, e ainda estou muito envolvido com o que estou fazendo agora. Ainda é cedo para pensar nisso. O que me importa, por enquanto, é garantir que estamos vivendo nossa missão e nossa cultura todos os dias. Cada dia de trabalho é uma oportunidade para construir uma Microsoft mais forte.


Satya Nadella transformou a Microsoft na maior superpotência da IA

O verdadeiro poder de uma empresa está em sua capacidade de transcender a figura de um CEO | Miguel Fernandes

A liderança de Satya Nadella na Microsoft marca um contraste interessante com a forma como outras grandes empresas de tecnologia são conduzidas. Enquanto figuras como Elon Musk e Mark Zuckerberg moldam suas empresas ao redor de suas personalidades, Nadella conseguiu algo mais raro e poderoso: tornar a Microsoft uma instituição independente da sua figura. Em vez de a Microsoft ser um reflexo de seu CEO, é a própria empresa que se impõe, como uma entidade que inspira confiança e estabilidade no mercado.

Elon Musk, por exemplo, é indissociável de suas criações. Tanto Tesla quanto SpaceX carregam sua marca de irreverência, inovação disruptiva e, muitas vezes, controvérsias. Musk busca constantemente quebrar paradigmas e, em muitos casos, desafia as normas de mercado, quase como se fosse um “partido” que dita sua própria ideologia. De certa forma, suas empresas são extensões de sua personalidade, o que pode gerar grande fascínio e, ao mesmo tempo, insegurança para investidores e parceiros.

Mark Zuckerberg segue uma linha parecida. O fundador da Meta permanece no comando, sendo um dos raros exemplos de CEO de uma grande empresa de tecnologia que ainda ocupa o mesmo cargo desde sua fundação. Isso cria uma forte identificação entre Zuckerberg e a companhia, o que pode ser tanto uma força quanto uma fraqueza. A Meta é, antes de tudo, a empresa de Zuckerberg, e sua visão pessoal é o que impulsiona suas inovações, como o metaverso. No entanto, essa personalização também limita a percepção de que a empresa possa ser maior do que seu fundador.

Satya Nadella, por outro lado, conseguiu posicionar a Microsoft de outra maneira. Desde que assumiu o cargo, Nadella transformou a Microsoft em uma das empresas mais confiáveis do setor, com um foco claro em criar impacto social e econômico real por meio da tecnologia. Ao contrário da obsessão pela “próxima grande revolução” tecnológica, Nadella tem enfatizado a importância de inovar com propósito. Como ele mesmo disse, “tecnologia por tecnologia já atingiu um limite”. Esse foco em resultados concretos, em vez de inovações grandiosas sem um propósito claro, tem sido o motor por trás do sucesso da Microsoft, especialmente no campo da inteligência artificial.

Sob sua liderança, a Microsoft tornou-se a principal vencedora da corrida pela IA. A parceria com a OpenAI e o desenvolvimento de ferramentas como o Copilot são exemplos de como a empresa usa sua credibilidade para impulsionar a adoção de novas tecnologias em um ambiente seguro e confiável. Muitas empresas ainda hesitam em usar a IA amplamente, mas adotam as ferramentas da Microsoft com confiança, sabendo que há uma garantia implícita de segurança e responsabilidade.

Ao contrário de empresas como a Meta ou as de Musk, que parecem depender fortemente de seus líderes carismáticos, a Microsoft hoje é uma superpotência que se sustenta por sua própria cultura e missão. Nadella soube usar sua posição para moldar a empresa de acordo com as demandas do mercado e as necessidades de seus clientes, construindo uma organização resiliente e preparada para enfrentar o futuro sem depender exclusivamente de sua liderança.

Para os líderes de negócios, há aqui uma lição valiosa: o verdadeiro poder de uma empresa está em sua capacidade de transcender a figura de um CEO. A liderança eficaz não é aquela que coloca o fundador ou o líder no centro das atenções, e sim aquela que constrói uma instituição forte, capaz de se reinventar e prosperar independentemente de quem está no comando. Satya Nadella é a prova viva de que uma liderança focada na cultura institucional e no impacto social pode ser tão (ou mais) poderosa quanto aquela que gira em torno de uma figura carismática.

Hoje, a Microsoft é a maior ganhadora da revolução da inteligência artificial. E isso se deve, em grande parte, à capacidade de Nadella de liderar com visão estratégica, sem buscar os holofotes para si, mas colocando a empresa e sua missão acima de tudo.


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