Revista Exame

Facebook, uma história de cinema

O Facebook ruma para o primeiro bilhão de usuários e se torna uma das empresas mais admiradas — e temidas — do mundo digital

Zuckerberg, o criador do Facebook: ambição de conectar todas as pessoas do planeta (Robyn Twomey/EXAME.com)

Zuckerberg, o criador do Facebook: ambição de conectar todas as pessoas do planeta (Robyn Twomey/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 8 de abril de 2011 às 17h57.

Nas últimas 24 horas, mais de 250 milhões de pessoas entraram no Facebook, e você talvez faça parte desse grupo. Elas dividiram com seus amigos 1 bilhão de informações em um único dia, quase 42 milhões por hora: links de notícias interessantes, vídeos engraçados do YouTube, fotos do passeio do final de semana, desejos de feliz aniversário. Festejaram o nascimento de crianças, comentaram o começo de namoros e o fim de casamentos. Falaram de política e de religião. Jogaram pôquer e cuidaram de sua fazendinha eletrônica sem sujar as mãos (mas gastando dinheiro de verdade na compra de um novo trator ou de um pacote de sementes mágicas). Os de inclinação mais nobre fizeram doações para alguma causa humanitária. Mais e mais pedaços de nossa vida hoje em dia passam pela internet, e mais e mais a internet inteira passa pelo Facebook.

O que o americano Mark Zuckerberg criou no começo de 2004 em seu quarto da Kirkland House, um alojamento da Universidade Harvard, hoje é muito mais que um mero site: é uma poderosíssima rede de pessoas, suas ligações e seus interesses. Os 500 milhões que hoje têm uma conta no Facebook logo serão 1 bilhão, depois 2 bilhões, e 3 bilhões, até o dia em que todos os habitantes do planeta estiverem interligados pelos computadores da empresa, se a ambição de Zuckerberg for concretizada. O Facebook é um fenômeno cultural, mas também tem tudo para se tornar um negócio fenomenal.

A última estimativa calcula que a empresa — que não tem ações em bolsa — valha 41 bilhões de dólares. Trata-se de uma força tão ou mais poderosa que o Google, com as mesmas aspirações de domínio (ou monopólio?) da Microsoft. O negócio do Facebook é tecnologia. A empresa já desequilibrou o jogo de forças na internet. Seus funcionários gostam de falar em espírito hacker e trabalham num espaço repleto de cartazes que os instigam a quebrar as coisas para fazê-las funcionar melhor. Mas o Facebook é mais que um grupo de hackers usando crachá e dividindo o mesmo teto. Ele tem o potencial de transformar todo e qualquer tipo de negócio com sua imensa coleção de informações. Para o jovem Zuckerberg, de apenas 26 anos, a brincadeira está apenas começando.

Apesar do crescimento vertiginoso da internet e da conhecida sociabilidade de nossos internautas, o Facebook ainda é um relativo desconhecido dos brasileiros. Os usuários no país são cerca de 7,3 milhões, muito menos que os 36 milhões da rede social dominante, o Orkut, do Google. Muitos serão introduzidos ao Facebook no mais improvável dos lugares: as salas de cinema, um dos últimos espaços em que as pessoas estão offline. Está prevista para o dia 3 de dezembro a estreia de A Rede Social, a história da criação do Facebook em Harvard. Bem, é pelo menos uma versão da história, pois adota o ponto de vista de pessoas que foram vítimas de decisões moralmente duvidosas — ou que beiram a desonestidade — de Zuckerberg, na época um jovem que mal tinha completado 20 anos de idade.


Outra ironia com relação ao Facebook e o Brasil é que o cofundador do site, o primeiro sócio e melhor amigo de Zuckerberg na época, era o brasileiro Eduardo Saverin, um colega de Harvard que vivia em Miami desde a adolescência. Saverin, filho de uma rica família paulistana, fez um aporte inicial de 1 000 dólares para começar o site. O filme mostra como Zuckerberg teria puxado o tapete do ex-melhor amigo, que era dono de 30% do capital da empresa e viu sua participação ser reduzida a quase nada. Ou pelo menos essa é a história de Bilionários por Acaso, de Ben Mezrich (editora Intrínseca), livro no qual foi baseado o roteiro de A Rede Social. Depois de ter contado sua versão a Mezrich, Saverin fez um acordo extrajudicial com Zuckerberg. Seu nome foi recolocado na lista dos cofundadores do Facebook e, segundo a mais recente lista de bilionários da Forbes, Saverin, de 28 anos, teria uma fortuna de 1,15 bilhão de dólares em ações da empresa. (Provavelmente como resultado do acordo, Saverin sumiu do mapa. Ele cortou os contatos até mesmo com Mezrich e não respondeu aos pedido de entrevista de EXAME.)

O filme pinta um retrato negativo de Zuckerberg. Os mitos da fundação das grandes empresas de tecnologia costumam ser românticos e benevolentes com seus protagonistas: Steve Jobs e Steve Wozniak montando computadores numa garagem; Bill Gates e Paul Allen criando a ideia de que o software, até então gratuito, poderia ser um produto vendável; os fundadores do Google, Sergey Brin e Larry Page, abrindo as portas da internet para os mortais. Zuckerberg provavelmente nunca mais conseguirá se livrar da imagem que o filme lhe empresta: um jovem disposto a passar por cima de tudo e de todos, um nerd de habilidades sociais quase inexistentes, ou, como ele ouve da namorada no primeiro diálogo do filme, um “c..ão”, ou sujeito desprezível, em linguagem publicável.

É uma injustiça. O que Zuckerberg já construiu — e segue construindo — é uma empresa admirável. Muitos já tentaram criar uma rede social de sucesso, dos pioneiros do Friendster ao Google, com seu Orkut (que segue sendo popular só mesmo no Brasil). Mas só Zuckerberg conseguiu. A ideia inicial de criar um diretório de alunos de Harvard, exclusivo para os estudantes da universidade, ficou para trás. Hoje, o Facebook é muito mais que isso, e todo o mérito é de Zuckerberg. Nos últimos seis anos e meio, não foram poucas as oportunidades que ele teve de vender a empresa ou fazer negócios que lhe deixassem numa posição de fragilidade em relação aos sócios-investidores. Mas Zuckerberg nunca abriu mão de sua visão e do controle completo dos rumos do Facebook. O resultado, hoje, é uma das empresas mais admiradas e poderosas do Vale do Silício, a meca mundial da tecnologia.

A missão do Facebook, como disse Zuckerberg numa entrevista exclusiva a EXAME, é fazer do mundo um lugar “mais aberto e conectado”. Seria simples descartar a ideia como uma platitude, uma frase vazia. Mas essas duas palavras são essenciais para entender o que quer o Facebook. O maior ativo do site é o que os acadêmicos chamam de “grafo social”. Nós sabemos quem são nossos amigos, do que eles gostam, que grau de confiança e intimidade temos com cada um deles. O Facebook consegue capturar e mapear essas conexões. O Facebook também é um gigantesco repositório das preferências e das paixões de seus 500 milhões de usuários. Esse conjunto de informações é um ativo cujo valor só está começando a ser entendido. “As pessoas confiam no Facebook e colocam uma quantidade assustadora de informações no site”, diz Gene Munster, do banco Piper Jaffray, um dos mais respeitados analistas de tecnologia dos Estados Unidos. “Isso vai permitir, de saída, que eles ganhem muito dinheiro com publicidade.” De fato, os anúncios já começam a dar dinheiro. Embora a empresa seja privada e seus números permaneçam em sigilo, estima-se que as receitas com a venda de publicidade no site cheguem a 1,4 bilhão de dólares e passem de 2,2 bilhões no ano que vem.


Expandir o mapa

Mas o site, diz Zuckerberg, é apenas parte do negócio. O Facebook é uma rede de pessoas — a maior, mais abrangente e mais poderosa jamais criada. Em países como Canadá, Singapura e Noruega, mais de metade da população está conectada por meio dele. Na Dinamarca, no Reino Unido e nos Estados Unidos, falta pouco para alcançar 50% de penetração. São números assustadores — e eles não são suficientes para Zuckerberg. Expandir o mapa ainda é seu objetivo mais importante. O lugar escolhido para abrigar a sala do presidente diz muito sobre as prioridades da empresa. O Facebook tem hoje cerca de 1 700 funcionários, distribuídos em dois prédios de dois andares na cidade de Palo Alto, no coração do Vale do Silício. Os responsáveis pela área de negócios ficam em um deles. Zuckerberg se instalou no outro, junto com os programadores. A mesa mais próxima à porta de sua sala não é a de sua secretária, mas a de Bret Taylor, o responsável pela estratégia tecnológica da companhia. “Crescer essa plataforma será a chave do nosso sucesso”, diz o criador do Facebook.

O crescimento, por enquanto, não tem sido um problema. A empresa se beneficia como poucas do efeito de rede: quanto mais contas são criadas, maior é o incentivo para que novas pessoas entrem no Facebook, afinal de contas seus amigos já estão lá. O salto de 400 milhões para 500 milhões de usuários aconteceu em apenas cinco meses e meio. Essas pessoas são a base da tal plataforma de que Zuckerberg fala. Mais de 1 milhão de desenvolvedores já criam programas que rodam dentro do Facebook. O exemplo de maior sucesso é a Zynga, empresa de jogos que lançou a febre Farmville, que permite que o jogador cuide de uma fazenda virtual e interaja com seus amigos. Se um jogo como o Farmville é uma casa, a fundação são as informações recolhidas pelo Facebook, como as listas de amigos, o perfil dos usuários e assim por diante. Os jogos sociais, para Zuckerberg, são o primeiro exemplo de uma transformação profunda que o Facebook está provocando: agora, tudo vai ser social, diz ele. Estimase que a Zynga valha 5,5 bilhões de dólares, mais que a Electronic Arts, uma das maiores produtoras de games do mundo. A EA, diga-se, pagou 400 milhões de dólares pela Playfish, uma empresa que tinha apenas dois anos de vida, para criar versões sociais de sucessos como a série Fifa.

Não é exagerado comparar o modelo do Facebook ao da Microsoft. A onipresença do sistema Windows estimula os desenvolvedores de software a criar programas para o sistema operacional. O mesmo já está acontecendo com o Facebook e seu diretório planetário de pessoas. O Facebook também está se desmaterializando. O site ainda é importante, mas no futuro a empresa vai ser invisível e insidiosa, uma “rede dentro da rede”, o tecido social da internet. Os principais sites do mundo já usam o sistema Facebook Connect, que permite aproveitar o mapa social do Facebook. Quando você lê uma reportagem em ExAME.com, por exemplo, pode clicar num botão de recomendação no próprio site. Essa recomendação aparece para os seus amigos do Facebook, o que por sua vez ajuda a gerar tráfego de volta para o site. É por isso que, no Google, o Facebook é cada vez mais visto como uma ameaça muito real, talvez a maior da curta história da empresa. O Google entende e organiza o mundo com fórmulas matemáticas. O Facebook se apoia nos desejos expressos por pessoas reais.

A quantidade massiva de informações que os usuários fornecem ao Facebook também é uma arma poderosa na venda de publicidade. “As campanhas institucionais continuam chegando à internet, e o Facebook está capturando boa parte desse crescimento”, diz Andrew Lipsman, diretor de análises da comScore, uma das principais empresas de pesquisas sobre o mercado online. “O Google se concentra nos anúncios que vão levar às compras”, diz Tim Kendall, o diretor de monetização do Facebook. Ele desenha um funil, traça uma linha na parte inferior e aponta para o maior pedaço: “Nós atuamos no ponto anterior, que é o da geração da demanda — um mercado muito maior.”


A companhia também começou a gerar receitas vindas dos desenvolvedores de programas, e o modelo escolhido para isso indica um potencial novo negócio. Jogos como o Farmville exigem um enorme poder de computação dos servidores do Facebook (a empresa anunciou em novembro o plano de construir um data center de 450 milhões de dólares. Neste ano, o Facebook criou uma moeda virtual chamada Facebook credit. Os jogadores que querem comprar itens dentro dos jogos usam os tais créditos, e o Facebook fica com 30% do dinheiro, a título de pagamento do uso da infraestrutura. Uma das especulações é que essa moeda virtual também seja usada para pagamentos em outros sites. Está fazendo uma compra? Por que não pagar com créditos do Facebook? Outra expansão importante da plataforma Facebook é no mundo dos celulares. Hoje, 200 milhões de pessoas já usam o serviço móvel. O Facebook lançou em agosto o sistema Places, que permite que os usuários mostrem onde estão. Um lojista pode criar promoções exclusivas para seus “amigos” no Facebook quando souber que eles estão nas redondezas, por exemplo.

O sucesso da visão de Zuckerberg vai depender de um delicado equilíbrio entre a disposição das pessoas de seguir compartilhando cada vez mais informações pelo Facebook e o outro lado desse fenômeno: a perda de privacidade. É verdade que ninguém é forçado a colocar nada no site: todas as contribuições são voluntárias. O Facebook também oferece uma série de controles para que certas informações sejam vistas apenas por um grupo de amigos, ou pela família, por exemplo. Mas é claro que o sistema se torna mais valioso quanto mais as informações ali postadas forem públicas.

No ano passado, a empresa fez uma mudança e passou a deixar abertas todas as informações colocadas no site, a menos que os usuários fizessem uma alteração nas suas configurações. Depois de grande controvérsia, voltou atrás. Também há a possibilidade cada vez mais real de que o Facebook detenha um monopólio do mapa das ligações entre as pessoas. Existem outros grafos sociais que podem ser explorados, como as relações entre os usuários do Twitter ou os participantes da rede LinkedIn, voltada para o mundo profissional. Mas o Facebook é maior e mais abrangente. O poder da empresa em criar e tornar viáveis novos empreendimentos vai ser enorme, e com ele virão muitas responsabilidades novas para Zuckerberg. “Ele terá de assumir uma postura mais pública e aberta”, diz David Kirkpatrick, autor do livro O Efeito Facebook, que será publicado no Brasil em janeiro pela editora Intrínseca. “Se ele não fizer isso, pode começar a perder a batalha da percepção pública. Isso é um problema.”


Quem já ouviu Zuckerberg falando em público é obrigado a concordar. Embora ele esteja mais à vontade em suas últimas aparições, é bastante claro que o dono da maior rede social do mundo não gosta de encarar uma plateia, muito menos de dar entrevistas. Filho de um dentista e de uma psiquiatra, Zuckerberg ainda tem cara de garoto e se veste como tal: sempre de camiseta, jeans e tênis. Ele conta com mentores como Steve Jobs, da Apple, e Marc Andreesen, criador da Netscape, além de Donald Graham, presidente do Washington Post. Kirkpatrick diz que Zuckerberg nutre uma certa obsessão pelo Google, e algumas de suas contratações sustentam essa ideia. Sheryl Sandberg, a responsável pelo dia a dia das operações, veio do gigante das buscas, assim como Elliot Schrage, que cuida da imagem da empresa. Estimase que mais de uma centena de engenheiros também tenham trocado o Google pelo Facebook. Mas talvez igualmente importante seja observar quem já deixou a empresa. A conta inclui pelo menos dois dos cofundadores, Dustin Moskovitz e Chris Hughes.

Além de gerenciar as expectativas de 500 milhões de usuários, o jovem presidente tem o desafio de manter vivo o espírito hacker que caracteriza a empresa. Hoje, são 1 700 funcionários, e a expectativa de observadores e analistas é que esse número cresça pelo menos 50% no ano que vem. O trabalho é feito em times pequenos e ágeis: um sistema de mensagens recém-anunciado foi desenvolvido por 15 engenheiros, a maior equipe já montada pelo Facebook. O gaúcho Rodrigo Schmidt, primeiro engenheiro brasileiro contratado pela empresa, diz que a hierarquia é praticamente inexistente e que o ambiente ainda é bastante aberto e descontraído. As hackathons, maratonas de programação que duram a noite inteira, ainda acontecem com regularidade. O americano Soleio Cuervo, funcionário desde 2005, quando o Facebook tinha menos de 100 empregados, é um dos organizadores das noitadas. “Acho que fizemos duas no último mês. Não posso ficar tanto tempo sem dormir!”, diz Cuervo, às gargalhadas. “Devo estar ficando velho.” Ele pode rir, mas esse é o tipo de piada que deve deixar Zuckerberg preocupado.

O futuro

Uma unanimidade em relação às opiniões sobre Zuckerberg é seu compromisso com o longo prazo, um atributo raro entre os jovens de menos de 30 anos. Quando estava no ensino médio, ele criou com um amigo o Synapse, um programa para identificar e sugerir músicas. Colocou o software na internet e em poucas semanas já tinha recebido uma oferta de 1 milhão de dólares pelo programa. Recusou, pois a oferta estava atrelada a um contrato de trabalho, e ele queria ir para a faculdade de ciência da computação. Na curta história do Facebook, Zuckerberg também disse não a ofertas bilionárias para vender a empresa. Dono de uma fortuna pessoal estimada pela Forbes em 4 bilhões de dólares, um número que deve ser multiplicado algumas vezes quando o Facebook abrir o capital, Zuckerberg diz não estar preocupado com o dinheiro. Por enquanto ele quer apenas fazer mais alguns amigos. Alguns bilhões de amigos.

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