Revista Exame

Doux, uma filial em apuros

Ameaçada de sofrer um boicote de uma centena de fornecedores, a operação brasileira da fabricante de carnes francesa Doux enfrenta a pior crise de sua história

Produtos com a marca LeBon, da Doux Frangosul: queda de 3,4% nas vendas para o mercado externo em 2010 (Tamires Kopp/EXAME.com)

Produtos com a marca LeBon, da Doux Frangosul: queda de 3,4% nas vendas para o mercado externo em 2010 (Tamires Kopp/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 7 de julho de 2011 às 18h24.

Durante uma década, a filial brasileira da fabricante de carnes francesa Doux, resultante da compra da gaúcha Frangosul em 1998, deu muito mais alegrias do que preocupações. Com faturamento de quase 2 bilhões de reais em 2008, a Doux Frangosul chegou a ter uma das mais altas margens de lucro do setor em anos anteriores, cerca de 6% — índice equivalente ao da Perdigão, à época vice-líder do mercado brasileiro.

Ao longo dos anos, a parcela de lucros enviada pela operação brasileira para Châteaulin, sede da companhia, localizada a 500 quilômetros de Paris, ajudou a matriz da Doux a equilibrar seu caixa. A situação começou a mudar há cerca de dois anos quando, após um rombo de 175 milhões de reais provocado pela crise dos derivativos cambiais, a Doux Frangosul passou a enfrentar seus próprios — e grandes — desafios financeiros.

Embora tenha fechado 2009 com um faturamento de 1,7 bilhão de reais e um lucro de 111 milhões de reais, a empresa passou a atrasar o pagamento a parte de seus 2 200 fornecedores a partir de 2009. A dívida da empresa, que raramente ultrapassava os 200 milhões de reais, teria dobrado para 400 milhões, o equivalente a duas vezes sua geração de caixa.

No dia 10 de janeiro deste ano, a situação ganhou cores mais dramáticas: um grupo de cerca de 100 criadores entregou à direção da fábrica de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, a segunda maior da empresa no país, um comunicado anunciando a suspensão das entregas de frangos por um período de 60 dias.

Segundo Luiz de Jesus, presidente da associação dos produtores de frango de Passo Fundo, os produtores da região não recebem pagamento desde outubro do ano passado. “A relação com o produtor é a espinha dorsal da indústria de frango”, afirma José Vicente Ferraz, diretor da consultoria Informa Economics FNP, especializada em agronegócio.


“Se a Doux deixou que a situação chegasse a esse ponto é porque a crise é grave.” Procurados, os executivos da Doux Frangosul não deram entrevista, preferindo enviar um comunicado no qual afirmam que “todos os rumores sobre sua situação financeira ou sua venda são totalmente falsos e infundados”.

A iniciativa dos produtores provocou uma reação imediata na Doux Frangosul. Naquela mesma semana, o presidente da empresa, Aristides Vogt, se reuniu com eles prometendo saldar a dívida com o grupo, estimada em 1,3 milhão de reais, em até 45 dias. (Ao todo, a dívida com fornecedores de aves no país é estimada em 10 milhões de reais.)

Sem chegar a um acordo com os donos das granjas (até o fechamento desta edição, a suspensão no fornecimento estava mantida), Vogt procurou, nos dias seguintes, o secretário de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul, Mauro Knijnik, e representantes da Receita Federal no estado na tentativa de obter a liberação de aproximadamente 40 milhões de reais em créditos de exportação — até agora, no entanto, o dinheiro não foi liberado.

Segundo cálculos dos produtores de frango, se for mesmo levado adiante, o corte no abastecimento deve provocar uma redução de 25% na produção da unidade de Passo Fundo.


Esse não é, entretanto, o único prato que Vogt tem de equilibrar no momento. A situação da Doux é também difícil com relação a parte de seus fornecedores de grãos, utilizados na produção da ração que é repassada aos criadores de frango.

Em alguns casos, os atrasos no pagamento chegam a 60 dias. Na tentativa de reduzir custos, a Doux teria diminuído a quantidade de insumos utilizados na fabricação da ração ao mínimo necessário: milho e farelo de soja.

Paralelamente, parte da criação de suínos que era feita pela própria empresa foi terceirizada. Sem contar com ativos relevantes que pudessem ser vendidos para fazer caixa — o último deles, a divisão de perus, foi adquirido pelo Marfrig em junho de 2009 por 65 milhões de reais —, Vogt teria entrado em contato com a matriz.

Em dezembro do ano passado, recebeu uma rápida visita do principal acionista da Doux e filho do fundador, o francês Charles Doux. Na ocasião, nenhum anúncio público de novos investimentos na operação brasileira foi feito. “A única coisa que nos foi dita é que o fundador ajudaria a resolver a situação”, diz um fornecedor. “Mas até agora nada aconteceu.”

Dificuldades na matriz

Não foi por descaso que os franceses da Doux deixaram a situação no Brasil chegar a esse ponto. Na Europa, os negócios não vão bem. Entre 2004 e 2008, o grupo, que opera na França, na Alemanha e no Brasil, acumulou um prejuízo de 90 milhões de euros. Em 2009, o lucro líquido foi de 12 milhões de euros para um faturamento de 1,3 bilhão de euros.

A mais recente tentativa da matriz de melhorar suas contas acabou frustrada em novembro do ano passado, quando a Doux ensaiou uma emissão de títulos de dívida no valor de 570 milhões de dólares. Os papéis foram considerados junk rates, jargão utilizado pelo mercado para alertar sobre títulos com poucas garantias de pagamento.


E a operação foi cancelada pela empresa. (Oficialmente, a Doux informou por meio de comunicado na época que a emissão foi cancelada devido à “volatilidade do mercado”.) “A matriz não está em condições de ajudar nenhuma subsidiária”, diz Pavlo Bidak, analista da corretora ucraniana Eavex Capital e especializado no setor de carnes. “Ao contrário. É ela quem precisa ser socorrida.”

A crise com os fornecedores já teve impacto nas vendas da subsidiária brasileira. A Doux, que exporta 75% de sua produção, foi a única grande empresa do setor a registrar queda nas vendas ao exterior ao longo de 2010.

Segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior, do Ministério do Desenvolvimento, enquanto a BR Foods e a Seara, da Marfrig, aumentaram suas exportações em 30% e 7%, respectivamente, a Doux teve uma redução de 3,4%. “A empresa nos disse que havia aumentado suas vendas no mercado interno em 25% para compensar a queda do dólar”, afirma o produtor Luiz de Jesus.

Segundo um grande varejista, porém, a principal marca da companhia, a LeBon, vendida sobretudo na Região Sul do Brasil, teve seu volume e a variedade de produtos reduzidos pela metade em suas lojas nos últimos quatro meses. O espaço deixado pela Doux, diz esse varejista, vem sendo desde então ocupado por marcas locais.

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