Revista Exame

Uma faculdade voltada a formar "resolvedores de problemas"

Reitor da faculdade Minerva, o renomado psicólogo americano Stephen Kosslyn está à frente de uma das mais inovadoras experiências educacionais do mundo

Ben Nelson e Stephen Kosslyn, líderes do Projeto Minerva (Divulgação/Divulgação)

Ben Nelson e Stephen Kosslyn, líderes do Projeto Minerva (Divulgação/Divulgação)

DR

Da Redação

Publicado em 2 de novembro de 2017 às 05h52.

Última atualização em 14 de novembro de 2017 às 12h16.

A carreira do psicólogo americano Stephen Kosslyn pode ser dividida entre antes e depois da faculdade Minerva, da qual ele é um dos fundadores. Antes da instituição de ensino de São Francisco, Kosslyn ficou famoso por liderar estudos nas áreas de neurociência e psicologia cognitiva em universidades como Harvard e Stanford. Foram mais de 300 artigos científicos publicados. Em 2012, veio a guinada.

O psicólogo decidiu transformar tudo o que pesquisou na academia em um novo modelo de ensino para desenvolver as competências do futuro. Na Minerva, ele aboliu as aulas-palestras e criou um sistema de aulas online que exigem a participação do aluno. Kosslyn recebeu EXAME na sede da Minerva, onde explicou por que o modelo atual de ensino superior não funciona mais, e como a tecnologia pode ser uma aliada no aprendizado.

Kosslyn, da faculdade Minerva: “A tecnologia está a serviço da pedagogia” | Divulgação

O senhor costuma dizer que o ensino universitário está em crise. Por quê?

A maioria das universidades americanas não entrega o que os estudantes e os pais querem. Elas não preparam os alunos para ser bem-sucedidos depois da graduação. Essa insatisfação é ampliada porque as universidades são caras. Fica a sensação de que se paga muito e não se recebe algo útil de volta. Quando o projeto da Minerva começou, surgiu a pergunta: quais conhecimentos e habilidades são necessários para os estudantes se adaptarem a um mundo em constante mudança? E concluímos que precisávamos de um currículo focado no conhecimento prático. Não se trata de ensino técnico ou vocacional, que prioriza uma carreira. É o conhecimento que ajuda o aluno a ser bem-sucedido ao -longo da vida dele, que não é focado no imediatismo.

E quais são essas competências ?

Nosso currículo é focado em quatro competências: duas no campo cognitivo — que são o pensamento crítico e o pensamento criativo — e duas no campo pessoal, que são aprender a comunicar-se e a interagir de forma efetiva com pessoas e instituições. A partir disso, surgiu uma centena de objetivos específicos de aprendizagem.

Como isso é aplicado em sala de aula?

Mais do que conteúdo, ensinamos a melhor forma de os estudantes aprenderem. As aulas-palestras são uma grande forma de ensinar, porque se trata de um modelo que pode atingir de dez a 1 000 pessoas, mas são uma péssima forma de aprender. Há inúmeros estudos mostrando que as pessoas não retêm muito o que ouvem numa aula expositiva. Na Minerva, todas as aulas são em formato de seminário, e vemos que a aprendizagem ativa é bem mais eficiente, pois exige o engajamento dos alunos.

Por que o ensino tradicional é tão ineficiente?

O que acontece hoje é o que chamo de “ilusão do aprendizado”. O que é isso? O professor chega com um punhado de conteúdos para passar e os alunos tomam nota de tudo aquilo. Ambos acreditam que funcionou: o professor acha que ensinou e o aluno que aprendeu. Mas não deu certo. Existe uma crença de que, ao anotar o conteúdo, você está aprendendo, mas isso não é verdade. Na aprendizagem ativa, o aluno não toma notas e está focado na solução de problemas e na construção de argumentos. Isso de fato faz com que ele retenha o conhecimento.

O modelo Minerva é de ensino digital, criticado pela menor interação entre alunos e professores…

Isso depende de que tipo de ensino digital está sendo feito. A tecnologia aqui está a serviço da pedagogia. Numa aula online da Minerva, é como se todos os alunos estivessem sentados na primeira fila e interagindo diretamente entre eles. Ninguém está sentado na fileira de trás, vendo o pescoço do colega. Para funcionar, há um limite de 19 alunos por aula para que todos participem. Além do engajamento do aluno, a plataforma permite que o professor reveja a participação de cada estudante. A ciência do aprendizado já provou que o feedback contínuo é fundamental para aprender mais. Uma das coisas interessantes em relação à Minerva é que esse é um projeto que começou do zero. Não havia interesses a ser defendidos, não havia legado, não havia restrições. Então, podíamos fazer algo inovador em relação à aplicação de tecnologia do século 21 no aprendizado.

A Minerva é uma faculdade que nasceu no Vale do Silício. Existe uma vocação para a criação de startups na escola?

Embora algumas startups já tenham sido desenvolvidas aqui, nós não somos uma faculdade de startups. Não achamos que todo mundo vai criar uma startup, porque nem todo mundo quer isso. Queremos ser uma faculdade que forma bons “resolvedores de problemas”. A cidade de São Francisco, por exemplo, tem um problema sério com a população de rua há anos. E nossos estudantes têm feito um trabalho com a prefeitura local para desenvolver políticas públicas nesse sentido. O que tentamos ensinar é que, quando se cria uma solução, podem surgir efeitos de primeira e de segunda ordem. Portanto, não se pode ter uma visão de curto prazo nem inventar uma solução rápida sem ir fundo nas consequências que ela possa ter. Isso pode ser aplicado dentro de uma empresa, de uma ONG ou originar uma startup. De fato, temos um número grande de estudantes com veia empreendedora. Mas certamente esse não é o único caminho.

Acompanhe tudo sobre:EducaçãoEXAME 50 AnosFaculdades e universidadesInovaçãovale-do-silicio

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda