Plataforma da Petrobras: a estatal perdeu quase 400 bilhões de reais em valor de mercado (Germano Lüders / EXAME)
Da Redação
Publicado em 1 de julho de 2015 às 18h01.
São Paulo - Em nenhum outro setor econômico o peso do Estado é tão relevante quanto na indústria do petróleo. Cinco das dez maiores empresas do setor são estatais. A maior delas é a Aramco, da Arábia Saudita, que fatura mais de 1 bilhão de dólares por dia. México, Venezuela, Irã, China, Argélia, Nigéria — países emergentes — têm o hábito de manter o controle total de suas petroleiras.
A percepção, nesses casos, é que mandar numa indústria tida como “estratégica” vale mais do que ter práticas de gestão testadas na iniciativa privada. Naturalmente, a coisa tende a acabar em desastre. Na última década, a gestão anacrônica da Pemex fez a produção de petróleo no México estagnar.
Os abusos bolivarianos arrebentaram a PDVSA, forçada a cobrar centavos pela gasolina nos postos venezuelanos. Finalmente, chegou a vez de o Brasil mostrar sua capacidade de estragar sua empresa de petróleo, a Petrobras.
Desde 2008, a estatal perdeu quase 400 bilhões de reais de valor de mercado, abalroada por uma mistura de políticas públicas que sangram seu caixa e a roubalheira descoberta há coisa de um ano. Sua dívida, de 300 bilhões de reais, é a maior entre as principais petroleiras do planeta. A produção não cresce desde 2011.
É natural que, depois de tantos exemplos nefastos da interferência estatal, os defensores de uma maior abertura à iniciativa privada ganhem estímulo. Mas há estatais de petróleo que dão certo. Para a Petrobras sair do atoleiro no qual o governo a meteu, basta seguir os exemplos certos, em vez de copiar os errados.
O exemplo limite é a norueguesa Statoil, em que o conselho de administração é totalmente independente dos desejos do governo. Mas não é preciso ir tão longe. A Colômbia é mais pobre, mais violenta e menos desenvolvida do que o Brasil. Mas a Ecopetrol, petroleira controlada pelo governo colombiano, tem se especializado em superar a Petrobras.
A Ecopetrol tem margem operacional de 32%, ante 20% da Petrobras. Produz 89 barris de petróleo diários para cada funcionário — na Petrobras são 29. A empresa tem um quarto do tamanho da Petrobras em faturamento, investimento e produção. Mas vale metade na bolsa. O principal motivo é a gestão — também estatal. Cerca de 80% das ações estão na mão do governo colombiano, e três ministros têm cadeira cativa no conselho de administração. Mas bons controles impedem que o governo transforme a Ecopetrol numa bagunça.
Assim como no Brasil, a Colômbia também controla os preços do diesel e da gasolina. A diferença é que, lá, o subsídio sai do bolso do governo, e não do caixa da Ecopetrol, como é feito por aqui. Além de mais transparente, a medida faz com que a conta seja paga pela sociedade (a quem a medida, em tese, quer beneficiar), e não pelos acionistas da petroleira.
Já no Brasil... De 2010 para cá, a Petrobras gastou cerca de 60 bilhões de reais para manter os preços dos combustíveis artificialmente baixos, o que aumentou seu endividamento. O processo de escolha do presidente mostra o abismo entre as duas empresas.
Por aqui, o governo federal escolhe sozinho — como aconteceu em fevereiro, quando Aldemir Bendine assumiu o posto. Claro, o conselho de administração tem de chancelar o nome, mas sete dos dez conselheiros são indicados pelo governo. A Ecopetrol escolheu seu novo presidente, o ex-ministro da Fazenda Juan Carlos Echeverry, um mês depois.
Na estatal colombiana, o conselho define o perfil ideal de executivo e contrata uma empresa de recrutamento para selecionar os candidatos. A escolha final cabe ao conselho — que tem três ministros e seis membros independentes.
Mas a grande diferença entre a Petrobras e as petroleiras mais bem-sucedidas — como a Ecopetrol — é o foco. Ao longo dos últimos anos, a Petrobras investiu em uma enorme gama de negócios que eram de interesse do governo, mas que só destruíram valor. A empresa tem, por exemplo, 12 refinarias que só perdem dinheiro. A Statoil tem apenas duas.
A Petrobras tem ainda gasodutos, usinas termelétricas, navios. Bendine já anunciou que colocará à venda negócios avaliados em 14 bilhões de dólares e que priorizará investimentos na exploração e na produção.
Mas especialistas são unânimes em afirmar que é preciso fazer muito mais e vender negócios ou atrair sócios para tudo que não tenha relação com exploração ou produção. E que é preciso abandonar uma série de campos de exploração deficitários, como no Nordeste.
Enquanto a Petrobras investiu nos últimos cinco anos de 48% a 62% de seu orçamento em exploração e produção, a Ecopetrol investiu 80%. Em seu plano de negócios para 2020, a empresa colombiana ainda anunciou que vai se concentrar apenas nos campos mais rentáveis — o do mar da Colômbia e o do Golfo do México.
O plano também inclui a venda de participações em negócios considerados não estratégicos, como a empresa de energia Invercolsa. “A Petrobras passou muito tempo tentando fazer de tudo. Passou da hora de olhar para os bons exemplos e investir no que realmente dá lucro para a empresa”, afirma Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura.
Se interfere menos na gestão de sua petroleira, o governo colombiano também não atrapalha no ambiente de negócios. Por aqui, na ânsia de ganhar o máximo com as promissoras reservas do pré-sal, o governo ficou sem fazer leilões de exploração de 2008 a 2012. Pelas novas regras, a Petrobras teria de comandar a exploração de todos os poços do pré-sal.
A Colômbia caminhou no sentido inverso. Por lá, as petroleiras estrangeiras podem ser donas de 100% dos poços. Até no México, que tem na Pemex uma das petroleiras mais mal geridas do mundo, o governo está reformulando a política de concessões pela primeira vez em 76 anos.
A ideia é quebrar o monopólio da Pemex, atrair estrangeiras mais eficientes e, com isso, mudar não só o ambiente de negócios como também forçar a estatal a se mexer. Parece estar finalmente entrando na cabeça dos mexicanos que o petróleo não vale coisa alguma enquanto alguém não tirá-lo do fundo do mar.
Nada disso, evidentemente, é garantia de sucesso. A Ecopetrol anunciou em maio seu primeiro prejuízo trimestral desde a abertura do capital em 2007. Suas ações caíram mais de 50% no último ano — a maior queda entre as grandes petroleiras. A margem operacional caiu de 40% para 32% em 2014.
A principal explicação, segundo analistas, não está nos problemas da companhia, mas na queda de 40% no preço do petróleo e na desvalorização do peso colombiano. No vaivém do mercado de petróleo, mesmo quem faz a lição de casa pode sofrer um bocado. Quem não faz consegue sofrer mesmo quando era para tudo estar indo bem.