Siderúrgica nos Estados Unidos: frear o aquecimento global depende demais das empresas | Alamy/Fotoarena /
Da Redação
Publicado em 22 de novembro de 2018 às 05h42.
Última atualização em 22 de novembro de 2018 às 05h42.
Doze anos. esse é o tempo hábil para impedir que o aquecimento do planeta ultrapasse a marca de 1,5 grau Celsius — diferença tida como o limite de segurança por especialistas, na comparação com a era pré-industrial. A extrapolação desse limiar até 2030 poderá elevar ainda mais o nível dos mares, tornando submersas ilhas hoje habitadas, bem como resultar em prejuízos à agricultura por causa das secas prolongadas. O prognóstico requer um corte global de 45% das emissões de gases do efeito estufa nesse período, tendo como ponto de partida o ano 2010.
A conclusão é do quinto relatório do Painel Intergovernamental de Mudança do Clima da ONU, o IPCC (na sigla em inglês), lançado no dia 5 de outubro. A produção do documento, que menciona cerca de 6.000 estudos sobre o tema, reuniu 91 cientistas de todo o mundo. O objetivo era redimensionar a chamada linha do perigo climático, que havia sido estabelecida em 2 graus pelo Acordo de Paris, o mais amplo tratado do clima, assinado na França em 2015 por 196 países.
Há três anos, o horizonte de corte das emissões era de 20% até 2030. Mas a ciência mostra que meio grau pode fazer toda a diferença. Hoje, a Terra já é 1 grau mais quente do que era antes da Revolução Industrial. Muito mais do que governos, as empresas terão um papel fundamental nessa corrida climática. “O atual cenário impõe muito mais do que mudanças incrementais, ele requer revisão dos modelos de negócios”, diz Aron Belinky, pesquisador do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGVces), responsável pela metodologia do Guia EXAME de -Sustentabilidade, maior levantamento de práticas de responsabilidade corporativa do Brasil.
Nesta 19a edição do guia, foram analisadas informações sobre a conduta das 189 empresas que responderam aos questionários preparados pelo FGVces, que analisa a temática da sustentabilidade em três dimensões: social, ambiental e econômica. A escolha das melhores passou, primeiro, pela identificação das empresas que obtiveram pontuação acima da média. A isso foi somado o desvio-padrão verificado na análise de cada uma das dimensões, independentemente dos setores em que as empresas -atuam. Em seguida, um processo de apuração jornalística a respeito de questões críticas pertinentes a cada empresa se deu em paralelo ao auxílio de um conselho deliberativo, formado por especialistas.
Assim, EXAME- chegou à lista das 65 melhores empresas desta publicação, posteriormente divididas em 16 setores. Também foram eleitos destaques em dez categorias temáticas: Direitos Humanos, Ética e Transparência, Gestão da Água, Gestão da Biodiversidade, Gestão de Fornecedores, Gestão de Resíduos, Governança da Sustentabilidade, Mudanças Climáticas (que inclui gestão de energia), Relação com a Comunidade e Relação com Clientes. Por fim, EXAME também selecionou, entre as empresas mais sustentáveis de cada setor, a Empresa Sustentável do Ano.
Os dados desta 19a edição do guia EXAME– mostram que os esforços do setor privado na seara climática vêm ganhando força. A boa notícia é que as emissões relativas de gases do efeito estufa diminuíram entre as participantes. Essa medida leva em conta o volume de carbono gerado por unidade de produto, e não o volume total emitido pelas operações — que pode variar com a alta ou a baixa na produção, a depender da demanda e do contexto econômico.
Há dois anos, 36% das empresas conseguiam comprovar a efetiva redução das emissões. Neste ano, a proporção é de 44%. Ainda assim, há uma lacuna entre o entendimento das empresas acerca da conexão de seus negócios com a necessidade de combater a mudança do clima e a efetiva alocação de recursos para atingir objetivos e metas nesse tema. É o que se verifica na resposta às perguntas sobre o nível de adesão das empresas aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU, o mais amplo plano em escala global para combater a pobreza, a superexploração de recursos naturais e a desigualdade de gênero, entre outros temas, até 2030. Mais da metade afirma que há uma relação direta entre as práticas da empresa e a adesão voluntária ao compromisso com o clima, mas só 35% preveem recursos compatíveis com seu nível de ambição na seara climática.
Para a operadora de telefonia Algar Telecom, repensar a alocação de recursos em frentes importantes para o negócio, como o gasto com energia, foi o ponto de partida para uma transição energética. Em 2014, diante da alta das tarifas de energia, a companhia decidiu instalar seus primeiros painéis solares. O objetivo era, ainda em pequena escala, começar a tornar parte da operação autossuficiente em energia — e de fonte renovável. Na época, somente 2% das operações da Algar eram abastecidas pela energia gerada dentro de casa.
A Algar foi a primeira empresa do setor a fazer essa aposta. De lá para cá, o barateamento da tecnologia fotovoltaica e a obrigatoriedade, pelas distribuidoras de energia, de conectar à rede pontos de geração descentralizada impulsionaram esse mercado no país. Hoje, quase 20% de toda a energia consumida pela Algar vem da geração solar. Desde o ano passado, parte desse suprimento vem de uma parceria com a CPFL, empresa de energia que opera uma fazenda solar em Capim Branco, em Minas Gerais. A mudança ajudou a Algar a reduzir sua pegada de carbono, mesmo com a expansão das operações. A relação entre as emissões e as unidades geradoras de receita caiu quase pela metade de 2013 para cá: de 3,75 para 2,12 toneladas de carbono equivalente. “Quase dobramos de tamanho em cinco anos e nosso escopo de emissões relativas à energia se manteve estável”, afirma Jean Carlos Borges, presidente da Algar Telecom.
No centro do negócio
Cerca de 57% das companhias participantes deste guia declaram que consideram o fator adaptação às mudanças climáticas já na concepção de seus processos, produtos e serviços. É o caso da multinacional francesa de equipamentos elétricos e de automação industrial Schneider Electric. A companhia traçou uma meta ousada: de 2018 a 2020 deverá diminuir as emissões geradas por seus clientes em 100 milhões de toneladas de carbono — volume cerca de 200 vezes superior às emissões da própria operação. A conta foi feita com base na projeção de que, até 2050, o consumo de energia vai crescer 50% em todo o mundo.
Considerando as metas globais de redução das emissões de carbono, a eficiência desses sistemas precisará ser três vezes maior. Só neste ano 31 milhões de toneladas de carbono já deixaram de ser emitidas por clientes da Schneider. Hoje, 45% da receita da empresa vem de produtos que reduzem o impacto ambiental — entre eles estão equipamentos que automatizam processos de refrigeração em fábricas e prédios e medem em tempo real o consumo de água e eletricidade. “Com o combate à mudança climática no cerne da estratégia da empresa, há uma convergência forte entre o crescimento das vendas e a redução de impactos ambientais”, afirma Regina Magalhães, diretora de sustentabilidade e inovação da Schneider Electric para a América do Sul.
O mesmo princípio vem regendo a multinacional francesa de cosméticos L’Oréal. No ano passado, a empresa reduziu 73% das emissões de gases do efeito estufa nas fábricas e nos centros de distribuição. O percentual superou a meta da própria companhia, que pretendia diminuir em 60% suas emissões até 2020. Na subsidiária brasileira, o avanço se deu na mesma proporção. Há cinco anos, o óleo diesel queimado nas caldeiras que geram calor para determinados processos fabris começou a dar lugar ao etanol. Hoje, 100% da demanda energética das fábricas é atendida por fontes renováveis. Os investimentos em eficiência energética também reduziram o carbono lançado na atmosfera. Ajustes em equipamentos de refrigeração e outros maquinários intensivos em uso de energia também fizeram saltar o ganho de eficiência.
Na seara dos transportes, a reorganização das cargas que saem diariamente dos centros de distribuição em caminhões resultou na diminuição de 14% do volume de carbono emitido por quilômetro rodado desde 2011. Agora o objetivo é neutralizar todas as emissões nos próximos três anos, tendo como base 2005. Desde então, a L’Oréal aumentou 33% seu volume de produção. Ou seja, os ganhos se deram mesmo em meio à maior demanda por insumos e energia.
Economia circular
A proporção de empresas que afirmam utilizar até 30% de material reciclado nos processos produtivos, que cresceu de 53% para 59% do ano passado para cá, também aponta avanços na corrida climática. Mais do que diminuir o volume de resíduos gerados pela produção e pelo consumo de seus produtos e serviços, a aposta na chamada economia circular, que visa reutilizar recursos da maneira mais eficiente possível, pode render às empresas avanços significativos na redução das emissões de gases do efeito estufa. Na Raízen, a correlação entre essas duas frentes tem se dado pelo reaproveitamento da vinhaça, resíduo da destilação do caldo de cana-de-açúcar fermentado, parte do processo de obtenção do etanol.
Rico em nutrientes como nitrogênio e potássio, essenciais para a fertilização dos canaviais, esse resíduo pode substituir o adubo sintético, segunda maior fonte de emissão de gases do efeito estufa (depois dos processos fabris). Na última safra, a Raízen conseguiu substituir fertilizantes sintéticos pelo adubo natural em um terço de sua área plantada. A empresa também é pioneira no Brasil na fabricação do chamado “etanol de segunda geração” — o etanol celulósico —, obtido das fibras do bagaço de cana. O reaproveitamento permite que a produção de etanol seja 50% maior sem ampliar a área de plantio. Isso significa uma redução de cerca de 35% no carbono emitido para a plantação de um canavial. “De nada adianta contribuir com uma economia de baixo carbono com nossos produtos se eles não forem entregues de modo sustentável”, afirma Marina Carlini, principal executiva de sustentabilidade da Raízen.