Otimismo nos mercados: a bolsa de Nova York e outras estão batendo recorde de alta | Spencer Platt/Getty Images /
Flávia Furlan
Publicado em 1 de fevereiro de 2018 às 05h18.
Última atualização em 3 de agosto de 2018 às 09h05.
De tempos em tempos, a economia mundial costuma surpreender. Não necessariamente sobre o que vai acontecer, mas em relação a quando e com qual intensidade. Em épocas mais prósperas, com o desemprego baixo, as pessoas gastando mais e os ativos hipervalorizados, os analistas tentam adivinhar onde a próxima bolha vai estourar. Já em tempos de recessão, com os governos usando toda a artilharia para fazer a economia reagir, as apostas são sempre sobre o momento da guinada e sobre o ritmo da recuperação. Levando em conta o tom das discussões no Fórum Econômico Mundial, realizado em janeiro em Davos, na Suíça, mais uma vez a economia mundial surpreende: a recuperação engatou uma marcha mais forte do que a esperada.
Ao longo da última década, os governos e os bancos centrais de países ricos despejaram dinheiro nas economias, reduziram os juros abaixo de zero e socorreram bancos e empresas. Mas só agora está mais nítido o processo de recuperação da crise financeira de 2008 e da crise fiscal em países europeus que sobreveio no início dos anos 2010. Ajudaram também na superação dessas turbulências as medidas tomadas pelos países emergentes para trazer mais estabilidade às suas economias, como a adoção de câmbio flutuante e o acúmulo de reservas internacionais. “Houve uma melhora gradual desde a crise”, diz o americano Maurice Obstfeld, economista-chefe do Fundo Monetário Internacional. “O processo foi reforçado pela manutenção, durante um longo período, de políticas monetárias e fiscais de estímulo.”
A recuperação ficou mais clara em meados de 2016, ganhou ritmo no ano passado e deve se tornar mais sólida neste ano. Em janeiro, o FMI elevou para 3,9% a projeção de crescimento para o mundo em 2018 — em outubro, o avanço esperado era 0,2 ponto inferior. “Este deve ser o primeiro ano desde a crise financeira em que a economia global vai operar perto de sua capacidade total”, diz o economista turco Ayhan Kose, do Banco Mundial.
Uma característica desta fase de aceleração é que ela tem sido sincronizada. Estados Unidos, China e as principais economias europeias estão com a atividade mais aquecida do que em anos anteriores. Os dados do FMI mostram que, em 2009, no auge da crise, 91 países entre os 192 analisados tiveram uma queda no produto interno bruto. Já para este ano são esperadas recessões em apenas cinco países, entre eles a Venezuela.
Até mesmo o Brasil, que enfrentava a maior crise em um século, reagiu e deverá voltar a crescer em 2018 — no nosso caso, as projeções do FMI melhoraram de um crescimento de 1,5%, na estimativa de outubro, para 1,9%, na de janeiro. “Essa sincronia decorre da globalização: o crescimento de um país acaba puxando o de outros”, diz José Alexandre Scheinkman, professor de economia na Universidade Colúmbia, nos Estados Unidos.
Há mais um elemento que merece ser considerado para essa recuperação: a sorte. Os fatores de risco que poderiam travar o crescimento parecem controlados — apenas por ora, é bom considerar. A consultoria britânica Oxford pergunta a cada trimestre a cerca de 200 clientes, que são investidores e executivos de todo o mundo, qual a probabilidade de que fatores de risco que levem a uma recessão ocorram: a chance caiu de cerca de 40%, no terceiro trimestre de 2016, para perto de 30% nos últimos três meses de 2017.
Entre os itens que representam maior risco estão a saída do Reino Unido da União Europeia — chamada de Brexit, a separação caminha lentamente — e a atuação do presidente americano, Donald Trump, que está menos radical do que havia alarmado em sua campanha eleitoral. São riscos relacionados à onda de protecionismo e antiglobalização que, até agora, não foram capazes de realmente reduzir o comércio internacional ou de criar uma guerra comercial.
A Oxford está chamando este momento da economia mundial de uma nova fase de estabilidade. A última vez que o mundo viveu um período assim foi de 1990 a 2006, quando ocorreram choques econômicos mais fracos do que nas décadas anteriores — o Brasil, mestre em criar problemas para si mesmo, foi uma exceção: teve nesse intervalo a crise do Plano Collor e uma maxidesvalorização em 1999, além do apagão de energia. Para o mundo, no entanto, foi uma fase marcada por mais independência de bancos centrais e mais transparência nos governos. Além disso, as pessoas e as empresas tiveram mais acesso a crédito e os governos ampliaram a abertura ao comércio externo.
Hoje, algumas evidências de que vivemos um período de estabilidade são a menor volatilidade dos mercados e as projeções mais acuradas dos analistas. Na década anterior à crise de 2008, as projeções para o produto interno bruto mundial costumavam ter uma diferença, em média, de 1 ponto, para mais ou para menos, do que de fato acabava se registrando. Desde 2011, porém, essa diferença entre projeção e realidade está numa média de apenas 0,2 ponto percentual. “Dado que a queda da incerteza turbina a economia num intervalo de um a dois anos, espera-se um impulso para a atividade global até 2019”, diz o economista Gabriel Sterne, diretor de pesquisas macroeconômicas globais da consultoria Oxford.
É claro que neste novo ciclo da economia há riscos pelo caminho — basta lembrar como terminou o último período de grande estabilidade, com nada menos do que a crise financeira de 2008 que abalou o mundo todo. Um risco que está no radar é o de aumento da inflação nos Estados Unidos e em outros países desenvolvidos. A economia americana cresce e está numa fase de pleno emprego. O governo promove reformas estruturais e, mesmo assim, a inflação continua baixa. Estima-se que a reforma tributária para as empresas promovida por Trump deva trazer um crescimento adicional de 1,5 ponto na economia americana nos próximos dois anos (ainda que no longo prazo tenha forte impacto fiscal).
Uma volta rápida da inflação, no entanto, poderia resultar na elevação dos juros na economia americana, atraindo o capital financeiro para lá e derrubando as bolsas e as moedas pelo mundo. O mesmo pode ocorrer em outras economias avançadas, já que crescem a um ritmo de 2,3% neste ano, bem acima do potencial de 1,5%. Outro risco é que os mercados financeiros estão otimistas e batendo novos recordes. A dúvida: qual é a próxima bolha? O índice Standard & Poor’s 500, composto de 500 ativos cotados nas bolsas de Nova York e Nasdaq, quase quadruplicou de valor desde seu pior momento, em fevereiro de 2009. A bolsa de Nova York, por sua vez, tem batido novos recordes, superando o patamar dos 26 000 pontos. Com a estabilidade prevista, isso dá tempo de sobra para as bolhas inflarem.
Diante da calmaria, os países precisam pensar em formas de elevar o potencial de crescimento. Depois da crise de 2008, os investimentos das empresas e a produtividade das economias estão crescendo menos. Para ter uma ideia, o investimento em máquinas, equipamentos e na construção civil caiu para 23% do PIB mundial em 2016, depois de ter alcançado 24,5% antes da crise de 2008. A demografia também deverá se tornar menos favorável daqui para a frente, com a redução da força de trabalho devido à baixa taxa de natalidade.
De acordo com o Banco Mundial, o produto interno bruto potencial — que considera um crescimento que não pressiona a inflação — caiu em 90% das economias avançadas e em metade das economias emergentes na última década. As fontes de crescimento não vão continuar para sempre: a política monetária nos países avançados deve se tornar mais apertada, e a China deve balancear suas contas fiscais e controlar os empréstimos domésticos. Tudo isso só enfatiza a importância de políticas fiscais responsáveis e de reformas que levem ao crescimento.
O diagnóstico se aplica ao Brasil. Por aqui, há discussões de uma reforma da Previdência para o governo conseguir arcar com os custos das aposentadorias, diante do envelhecimento da população, e de uma reforma tributária para reduzir a burocracia e a taxação dos negócios e das pessoas. Mas outra reforma, não menos importante, seria integrar-se mais ao mundo — pelo menos às economias que estão mais abertas a isso, como as do Pacífico. Isso poderia levar o Brasil a ganhar mais com a recuperação mundial. “Resistir ao protecionismo é a melhor maneira de garantir um crescimento forte daqui para a frente”, diz Jens Arnold, economista sênior para a América Latina da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, o grupo de países mais ricos. É um recado que serve para o Brasil, mas que precisa ser reforçado no mundo todo.