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J.R. Guzzo — Ninguém sentiu falta do Ministério do Trabalho

O Ministério do Trabalho andou vago por esses dias. Parece que não mudaria nada se esse mamute deixasse de existir

Usinas de papel: portarias, despachos e ofícios são o principal produto que sai dos prédios da Esplanada dos Ministérios, em Brasília |  /  (Jane Sweeney/Getty Images)

Usinas de papel: portarias, despachos e ofícios são o principal produto que sai dos prédios da Esplanada dos Ministérios, em Brasília | / (Jane Sweeney/Getty Images)

JG

J.R. Guzzo

Publicado em 18 de janeiro de 2018 às 05h00.

Última atualização em 3 de agosto de 2018 às 10h17.

O Ministério do Trabalho, como é do conhecimento de quem acompanha o noticiário, andou vago por esses dias, como resultado de uma miserável sucessão de atos de inépcia por parte do gabinete da Presidência da República e de surtos repetidos de demência por parte de integrantes do Poder Judiciário. O que mais chamou a atenção na história foi o seguinte: nenhum trabalhador brasileiro honesto sentiu a menor falta do ministro do Trabalho durante esse tempo todo. Tanto faz que haja um ministro do Trabalho ou que não haja nenhum — não muda nada, e a suspeita, mais do que razoável, é que não mudaria nada jamais, até o fim dos tempos, se o Ministério do Trabalho nunca mais voltasse a ter um ministro. Ou, melhor ainda, que não houvesse mais o próprio ministério em si. Para que mais esse mamute na Esplanada dos Ministérios? Ele, como tantos outros primos, só serve mesmo para seus donos roubarem o Erário público, cevarem manadas inteiras de fiscais que vivem de extorquir empresas e criar novas regras para dificultar cada vez mais a criação e a manutenção de empregos neste país.

A inexistência dessa geringonça que os devotos do “Estado forte” gostam de chamar de “histórica”, porque foi fundada por São Getulio Vargas 88 anos atrás, pouparia o Brasil das cenas, impróprias para todas as idades, que acabam de ser exibidas durante esta última vacância. O presidente da República é proibido por um aliado de nomear o ministro do Trabalho que tinha escolhido. Tenta então nomear uma deputada, e descobre que ela tinha sido condenada em duas ações trabalhistas — o que não é pecado para ninguém, salvo para quem vai assumir, justamente, o raio do Ministério do Trabalho. Um juiz de Niterói proíbe sua posse, uma aberração jurídica extravagante até mesmo no Brasil sem lei de hoje. O governo, em pânico, larga as decisões finais para os mais altos tribunais da nação — e, para completar, constata-se que a ministra nomeada tem como seu suplente na Câmara dos Deputados um colega que foi condenado a 12 anos de prisão por estupro. É, ainda por cima, irmão do ex-governador Anthony Garotinho, ele próprio um ex-presidiário beneficiado pelo programa “Meu Alvará de Soltura, Minha Vida”, do ministro Gilmar Mendes. Para que todo esse vexame? Só para ter mais um (ou mais uma) parasita com carro oficial em Brasília, onde sua ausência não é sentida por nenhuma pessoa séria? O único efeito prático de não haver um ministro do Trabalho é que deixam de ser assinadas portarias, e despachos, e ofícios, e o resto de toda essa infame papelada que não serve para coisa nenhuma — ou melhor, serve, e serve muito, mas apenas aos interessados em arrancar do Tesouro Nacional algum proveito para si mesmos.

Mas tudo que está dito aí acima poderia ter sido escrito em grego, caso alguém imagine que um único político brasileiro possa encontrar alguma coisa de estranho nessa alucinação toda. Para eles, é justamente essa farinata disforme que serve como pão nosso de cada dia. De seu ponto de vista, a única função que o Brasil tem hoje é prover, com o dinheiro dos impostos, sua sobrevivência e prosperidade — sua, das famílias, dos amigos e dos amigos dos amigos. Com exceção da equipe econômica, das Forças Armadas, do Itamaraty e de um ou outro órgão que exerce funções de Estado verdadeiras, o governo brasileiro, como sempre, continua servindo só para duas coisas: roubar e mentir. Sua diferença com o passado recente é que os governos imediatamente anteriores, de Lula e de Dilma Rousseff, roubavam e mentiam mais; fora isso, a essência é exatamente a mesma em todos eles, e não apenas na área do Poder Executivo. O Legislativo é um bazar como a Rua 25 de Março em São Paulo ou o Saara no Rio de Janeiro — com a diferença de que nesses dois lugares os padrões de honestidade comercial são incomparavelmente mais elevados. O Judiciário é uma zona de catástrofe da qual qualquer brasileiro decente reza para ficar o mais distante possível.

Trancaram o Brasil pelos três lados.

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