Secches e Furlan, copresidentes do conselho da BRF: levar o caso à Justiça pode custar caro (Germano Lüders/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 24 de junho de 2011 às 06h00.
São Paulo - A saga da fusão entre Perdigão e Sadia, que há dois anos criou a Brasil Foods e permanece sob avaliação do Cade, está repleta de números que impressionam pela magnitude.
A começar pelo porte da operação, que reuniu rivais históricas para criar uma empresa com receitas de 22 bilhões de reais em 2010, até seus desdobramentos mais recentes.
No dia 8 de junho, um volumoso documento de quase 500 páginas lido parcialmente ao longo de 5 horas por seu autor em sessão do Cade — o conselheiro relator do caso na autarquia, Carlos Ragazzo — defendeu que a fusão fosse desfeita.
O impacto na bolsa foi imediato, numa proporção igualmente grandiosa. A queda acumulada das ações da BR Foods, de meados de maio até o fechamento desta edição, no dia 20 de junho, chegou a 20% e fez desaparecer, no espaço de dias, quase 6 bilhões de reais.
É como se dois Magazines Luiza, uma das maiores varejistas do país, tivessem desaparecido da bolsa. Graças ao pedido de vistas do segundo dos cinco conselheiros que deveriam votar naquele dia, Ricardo Ruiz, o veredito final foi adiado.
Agora, os representantes da BRF têm até 13 de julho, data em que o caso volta a julgamento no Cade, para tentar convencer os demais conselheiros que ainda não votaram a reverter a decisão final. Nesse contexto, o adiamento se tornou uma vitória para a companhia.
“O caso, que já era complicado devido ao porte das empresas e de sua presença em diversos mercados, se tornou ainda mais difícil depois do voto do relator”, afirma o advogado Marcelo Calliari, ex-conselheiro do Cade e sócio do escritório TozziniFreire Advogados. “Agora, a Brasil Foods deverá mudar sua postura e começar a negociar.”
Por trás do primeiro revés da BRF no caminho para a aprovação do negócio está o mais jovem entre os atuais sete conselheiros do Cade. Aos 34 anos, Ragazzo ingressou na autarquia em 2008, após uma carreira de cinco anos na Secretaria de Acompanhamento Econômico.
Pelas suas análises, já passaram casos como o acordo que levou a Coca-Cola a se desfazer de operações para ter aprovada sua aquisição da Matte Leão em 2009. Diferentemente da decisão sobre a Coca, Ragazzo fechou todas as portas no caso da integração entre as operações da Perdigão e da Sadia.
Em seu voto, classificou a proposta apresentada pela companhia, que sugeriu a venda de marcas como Excelsior, Wilson e Rezende, como “muito branda” e ao fim disse que a fusão, que concentra até 90% de mercados como o de pratos prontos e lasanha congelada, serviria para a história de lei antitruste brasileira como “exemplo de fusão impossível”.
Em determinado ponto, as duas partes — BRF e Cade — trocaram acusações, o que tornou o caso um dos mais conflituosos da história brasileira dos processos de defesa da concorrência. Após o voto de Ragazzo, o presidente da BRF, José Fay, queixou-se da falta de diálogo.
Ele citou como exemplo a última reunião entre a empresa e o relator, que durou menos de 5 minutos. Para Ragazzo, a inflexibilidade veio por parte dos representantes da BRF.
A primeira proposta concreta da companhia à autarquia foi entregue cerca de 40 dias antes do voto final do relator — num cronograma considerado tardio por especialistas.
“Embora desde o início a operação apresentasse traços bastante preocupantes, Sadia e Perdigão adotaram uma estratégia que tentava demonstrar uma operação desprovida de quaisquer efeitos anticompetitivos”, afirmou Ragazzo em seu voto.
Junto aos demais conselheiros, a BRF agora tenta mostrar que não é inflexível. Nos sete dias seguintes ao primeiro voto, seus representantes se reuniram pelo menos três vezes com os conselheiros do Cade — excluído da próxima votação, Ragazzo não foi procurado.
Segundo executivos próximos, a empresa agora vai propor a venda de marcas maiores, como a Batavo, além de fábricas, algo que não estava previsto inicialmente. A prioridade é chegar a um acordo que mantenha as marcas Sadia e Perdigão em seu portfólio. Na hipótese de não haver aprovação pelo Cade, os acionistas poderão levar a discussão para o Judiciário.
Essa alternativa, no entanto, pode custar caro. No episódio mais conhecido de disputa perdida no Cade e levada à Justiça, Nestlé e Garoto tentam aprovar sua fusão nos tribunais há sete anos — ainda sem previsão para um desfecho.
Para uma empresa com ações na bolsa como a BRF, a saída judicial será um desgaste. “Isso traria grande instabilidade para os papéis”, afirma o analista Renato Prado, da Fator Corretora.
Sem chances de aprovar o negócio sem restrições, caberá aos acionistas, representados pelos copresidentes do conselho da BRF, Nildemar Secches e Luiz Fernando Furlan, calcular as perdas que estão dispostos a enfrentar.