Revista Exame

Um rebelde na Savile Row

Um costureiros faz ternos de "apenas" 3 000 dólares e provoca alvoroço entres os alfaiates londrinos, os mais exclusivos - e caros - do mundo

Farnes, o "alfaiate problema": ideias novas para um público novo - para desespero da velha guarda (Andrew Buckell/EXAME.com)

Farnes, o "alfaiate problema": ideias novas para um público novo - para desespero da velha guarda (Andrew Buckell/EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h39.

Estão afiadas as tesouras na Savile Row, rua de Londres que concentra as mais refinadas casas de alfaiataria da Inglaterra. E não apenas na hora de dar aos ternos feitos à mão o corte impecável e o caimento perfeito louvados mundo afora. Uma quase batalha vem sendo travada entre os alfaiates da rua, a "velha guarda", e outros mais jovens, tidos pelos primeiros como "rebeldes" e cuja produção seria inferior em qualidade. "Eles não contribuem em nada, nem com o presente nem com o futuro da alta alfaiataria. É uma tragédia", disse dramaticamente ao jornal The Wall Street Journal Angus Cundey, presidente da Henry Poole & Co., alfaiataria inaugurada em 1806.

Na mira das casas tradicionais estão, por um lado, lojas que vendem ternos chineses por 400 dólares. Mas o jovem Matthew Farnes, o rebelde mais famoso e odiado do momento, não vende ternos chineses — muito pelo contrário. O alfaiate londrino de 35 anos trabalhou por dez anos em casas da Savile Row e sua família está no ramo desde o começo do século passado. Farnes segue o mesmo modo de produção artesanal que fez a fama da Savile Row. Cada um dos dez alfaiates de seu ateliê é especializado em uma tarefa — há até, requinte dos requintes, um expert em pregar botões. A produção do ateliê de Farnes se limita a 100 ternos por ano, para que seja mantido o padrão de qualidade do trabalho.

É bem difícil enxergar rebeldia nesse alfaiate, que trabalha munido de uma tesoura herdada de seu bisavô. Mas, há nove meses, quando ele optou pelo voo solo e deixou a Ede & Ravenscroft (que, aos 321 anos de existência, é a mais antiga casa de alfaiataria da Inglaterra), Farnes acabou no centro de uma polêmica. A empresa o está processando por quebra de contrato e alega que o alfaiate fez ternos para um time de rugby sem os patrões saberem. Segundo a casa, ele teria levado consigo parte do cadastro de clientes — que inclui figuras da família real britânica, como o príncipe Charles. Farnes não comenta as acusações.


Por trás das mágoas e do enrosco jurídico, existe uma questão mais profunda em jogo: estariam as casas tradicionais ultrapassadas? O próprio Farnes é o primeiro a sair em defesa da alfaiataria à moda antiga. "Não tenho o menor interesse em ver a Savile Row desaparecer. Tenho muito orgulho de ter pertencido à rua no passado", diz ele. Seu blog, inclusive, foi batizado de O Artesão de Savile Row. Mas a página deve arrepiar os cabelos dos alfaiates mais tradicionalistas: no meio dos vídeos que mostram alguns detalhes da profissão e de dicas de bons lugares para comprar tecidos, Farnes ensina como combinar blazers de terno com calças jeans, sugerindo ainda quais sapatos esportivos escolher para arrematar o look.

Novo público

As dicas modernas do blog não estão lá à toa. A ideia de Farnes é atrair clientes mais jovens e menos abonados. Seus preços são mais baixos que os praticados na lendária rua: os ternos de duas peças custam a partir de 3 000 dólares. Na Savile Row, os preços começam entre 5 000 e 8 000 dólares. Essa diferença pode ser explicada pelos altos custos fixos da badalada rua. Abrir um estabelecimento com decoração e mobília nos padrões da Savile Row custa em torno de 400 000 dólares. Some-se a isso o aluguel, não menos de 150 000 dólares por ano, e temos um acréscimo automático de 2 300 dólares no preço de cada terno lá produzido.

Ao sair da Savile Row, Farnes fugiu dos custos — mas não da tradição. "Quero um produto do mais alto nível, mas com um serviço enxuto", diz. Entre seus clientes há tanto frequentadores da Savile Row quanto pessoas que estão adquirindo um terno feito à mão pela primeira vez. Farnes diz que muitos deles lhe confessaram achar a atmosfera de Savile Row algo intimidadora. "É como eu sempre digo: ter um terno deveria ser uma experiência prazerosa e recompensadora", diz ele, numa única alfinetada à velha guarda.

É difícil imaginar o fim da alta alfaiataria inglesa se até os que querem reno vá-la não abrem mão de seus métodos tradicionais de produção. Além da qua lidade ímpar do produto, muitos clientes não querem perder a relação de ex tre ma confiança com os alfaiates. Resume ao diário Wall Street Journal o cliente James Sherwood, com o típico humor inglês: "O alfaiate é o único ser, além da mulher e da amante, que irá ver um homem de cuecas regularmente".

Publicado originalmente na revista EXAME de 22/09/2010
 

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