Revista Exame

Um raro legado de Eike

O porto fluminense do Açu, concebido pelo empresário Eike Batista, ficou mais modesto — mas ao menos está saindo do papel

Porto do Açu, no Rio de Janeiro: quase pronto, mas à espera de empresas (Divulgação)

Porto do Açu, no Rio de Janeiro: quase pronto, mas à espera de empresas (Divulgação)

DR

Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2014 às 17h32.

São Paulo - A história mostra que os investimentos em infraestrutura no Brasil só andam a duras penas. É uma ótima notícia, portanto, que o porto do Açu, em São João da Barra, no litoral norte do Rio de Janeiro, deva entrar em operação em dezembro. Trata-se de uma obra até recentemente ameaçada pela derrocada das empresas do grupo X, de Eike Batista.

O porto está saindo do papel pelas mãos da gestora americana EIG, que assumiu o controle da então LLX em dezembro de 2013, quando fez um aporte de 1,1 bilhão de reais e ficou com 53% da companhia. Rebatizada de Prumo, a empresa está investindo 1,5 bilhão de reais para concluir o empreendimento.

A participação de Eike foi reduzida para 20% — e deverá cair a 10% em breve com a transferência de parte de suas ações para o Mubadala, fundo soberano de Abu Dhabi. No dia 28 de agosto, quando EXAME visitou a obra, dragas aprofundavam canais e berços que em breve receberão embarcações.

Caminhões transportavam pedregulhos ao quebra-mar e grandes blocos de concreto eram instalados para formar os cais dos dois terminais do porto. Agora, o desafio é atrair empresas. Esse tem sido o principal trabalho de Eduardo Parente, presidente da Prumo desde fevereiro.

Uma vez por semana, ele deixa o escritório da Prumo, na zona sul carioca, para se encontrar com grupos de empresários em São João da Barra e mostrar a eles o empreendimento. “Quando o porto iniciar a operação, muitas empresas com as quais estamos negociando deverão anunciar sua instalação no Açu”, afirma Parente.

Ele não informa com quem está conversando. Há rumores de que a montadora chinesa JAC poderia se instalar no porto. Procurada, a JAC não comentou. Companhias petrolíferas, como Petrobras e BG, também estariam avaliando o uso de um terminal de transbordo de óleo. 

“Açu” é um termo tupi-guarani que pode ser traduzido como “grande” — não surpreende que tenha sido pinçado para batizar uma das principais apostas de Eike. O projeto foi concebido para reunir o maior porto do país, o maior estaleiro das Américas e um polo industrial. De início, estava ligado a outro investimento, a extração de minério de ferro em Minas Gerais, que seria feita pela mineradora MMX.

A ideia era que um duto trouxesse a carga da mina ao porto, ao longo de 525 quilômetros. O minério seria beneficiado em siderúrgicas que seriam construídas pela Ternium, com sede em Luxemburgo, e pela chinesa Wisco. O aço produzido abasteceria o estaleiro da OSX — também do grupo de Eike — e montadoras como a Fiat. Subprodutos seriam aproveitados por cimenteiras.

Era para ser uma espécie de “Roterdã dos trópicos” — alusão a um dos complexos portuários e industriais mais bem-sucedidos do planeta. Com a perda de fôlego da economia e a queda do império X, muitas empresas cancelaram os projetos. O estaleiro da OSX, em recuperação judicial, virou um esqueleto.

Dos projetos iniciais, só o mineroduto está em andamento. Deverá começar a operar até dezembro, mas agora pertence à multinacional Anglo American, que comprou o negócio da MMX. “O Açu ainda mantém o conceito de porto-indústria”, diz Parente. “Mas não temos mais pressa. Isso poderá demorar até 15 anos para se consolidar.”

Área industrial do Porto de Roterdã: um modelo para o Açu (Peter Horree/Alamy/GLOW IMAGES)

Por ora, sobrou para o Açu uma espécie de vocação natural: atender a indústria de petróleo — ou seja, direta ou indiretamente, depende bastante dos rumos da Petrobras. O porto fica, em média, a 128 quilômetros dos poços nas bacias de Campos e de Santos — mais próximo, portanto, do que os portos de Macaé, a 190 quilômetros, e de Vitória, a 340.

Fornecedores das cadeias de óleo e gás começam a se instalar no terminal 2, um canal artificial de 6,5 quilômetros de extensão por 300 metros de largura que avança terra adentro. A francesa Technip e a americana Nov, fabricantes de dutos que ligam as plataformas de petróleo aos poços, foram as primeiras empresas a inaugurar fábricas no terminal.

A finlandesa Wärtsilä, que produz geradores de energia e motores para navios, deverá ser a próxima a inaugurar uma unidade. A americana Edison Chouest, operadora de barcos de apoio para o setor petrolífero, vai investir 530 milhões de reais para construir uma base no Açu.

“A localização do Açu é vantajosa”, diz Ricardo Chagas, diretor da Edison Chouest. “Dali, o tempo de deslocamento de barco até a bacia de Campos é 12 horas menor do que da Baía de Guanabara.”

Espaço de sobra

Ao entrar em operação, o Açu terá custado 3,9 bilhões de reais — 1,4 bilhão a mais do que o previsto — e estará atrasado quatro anos em relação ao cronograma inicial. Os demais investimentos em curso somam perto de 5 bilhões de reais. “Mas será preciso atrair muito mais empresas para o Açu ser economicamente viável”, diz Victor Mizusaki, analista do banco de investimento UBS.

O que Parente tem a oferecer? Seu principal argumento é o espaço disponível. O cais terá de início 2,7 quilômetros de extensão e capacidade para receber 11 embarcações simultaneamente. A profundidade nos berços de atracação varia de 14,5 a 18,5 metros. No Brasil, poucos portos, como o de Tubarão, no Espírito Santo, pertencente à mineradora Vale, são mais profundos.

Outro trunfo é a área de 90 quilômetros quadrados para a instalação de empresas e terminais. O porto de Santos, o maior do país, oferece apenas 7,7 quilômetros quadrados. Paranaguá, no Paraná, tem 2 quilômetros quadrados. A desvantagem do Açu: sua localização é remota, sem fornecedores de serviços e sem moradias para os funcionários na vizinhança.

A cidade média mais próxima é Campos dos Goytacazes, a 45 quilômetros. Pelo projeto do complexo, uma área urbana concebida pelo arquiteto Jaime Lerner seria erguida para acolher 50 000 pessoas.

Essa “Cidade X” seria construída pela REX, braço imobiliário do grupo EBX. O projeto naufragou junto com o grupo. Para atacar o problema, a Prumo quer incentivar incorporadoras a construir residências no entorno. É ótimo que o porto vire realidade — mas ainda há muito esforço pela frente para que o legado seja um sucesso completo.

Acompanhe tudo sobre:Edição 1073Eike BatistaEmpresáriosEmpresasInfraestruturaMMXOSXPersonalidadesPrumo (ex-LLX)Setor de transporte

Mais de Revista Exame

Invasão chinesa: os carros asiáticos que chegarão ao Brasil nos próximos meses

Maiores bancos do Brasil apostam na expansão do crédito para crescer

MM 24: Operadoras de planos de saúde reduzem lucro líquido em 191%

MM 2024: As maiores empresas do Brasil