NÃO USAR - As contas do descaso: o viaduto interditado em São Paulo após uma ruptura por falta de manutenção causa outro prejuízo — enormes congestionamentos na cidade | Leo Otero/Folhapress /
Natália Flach
Publicado em 31 de janeiro de 2019 às 05h56.
Última atualização em 8 de fevereiro de 2019 às 12h07.
A tragédia provocada pelo rompimento de uma barragem da mineradora Vale em Brumadinho (MG) escancara um velho problema no Brasil: a negligência com a manutenção do patrimônio e das obras. É uma realidade triste que, como se viu, se estende tanto pelo campo público quanto pelo privado. Não faltam exemplos. Em 2 de setembro de 2018, um incêndio atingiu o Museu Nacional do Rio de Janeiro, uma instituição de 200 anos que abrigava um dos mais ricos acervos de antropologia e história natural da América Latina. Peritos atribuíram o incêndio à falta de manutenção do prédio, que tinha fiações expostas e não contava com um sistema tão básico de detecção e combate ao fogo como os equipamentos chamados de sprinklers, que, ao ser acionados, borrifam água sobre as chamas.
Às vezes, só mesmo a sorte ajuda a evitar danos maiores. Na madrugada de 15 de novembro, um viaduto na pista expressa da Marginal Pinheiros, em São Paulo, cedeu abruptamente cerca de 2 metros e assustou os poucos motoristas que passavam pelo local. Ninguém se feriu gravemente, mas, mais de dois meses depois, a interdição da pista — que foi necessária — ainda causa transtornos aos cerca de 225.000 veículos que transitam diariamente pela via e aos quase 600.000 usuários dos trens que circulam com velocidade reduzida na região.
O desastre, ao menos, serviu para acelerar a vistoria de 73 pontes e viadutos na capital paulista, que agora passam por uma fiscalização minuciosa para averiguar seu real estado. Inclusive, foi graças à inspeção que a prefeitura de São Paulo identificou o rompimento de uma viga na ponte que liga a Marginal Tietê à Rodovia Presidente Dutra. O local foi interditado na noite de 23 de janeiro. “Manutenção não é prioridade no Brasil”, lamenta Vitor Aly, secretário municipal de Infraestrutura Urbana e Obras de São Paulo.
Mas deveria. O Banco Mundial estima que 57% do total a ser investido em infraestrutura no país deveria ser destinado à preservação de estruturas prontas. O motivo é simples: com o passar dos anos, ocorre o desgaste natural das construções, que, em alguns casos, ficam expostas à amplitude térmica e às chuvas. “Investimos menos do que deveríamos tanto em novas obras quanto nas já existentes”, diz o economista Cláudio Frischtak, presidente da consultoria Inter.B, especializada no setor.
Cálculos do Banco Mundial confirmam isso. De 2001 a 2015, o investimento médio anual em infraestrutura no país foi de 2% do produto interno bruto. O Banco Mundial projeta que, para manter os mesmos níveis de capacidade e qualidade desse patrimônio, precisaria ter sido aplicado 4,2% do PIB de 2001 a 2015 — isso sem falar na necessidade de expansão. Outro estudo, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada em parceria com a Inter.B, aponta que, se o Brasil investir 5% do PIB em infraestrutura a partir de 2020, conseguirá alcançar um patamar mínimo de qualidade e universalização de serviços somente em 2032, na melhor das hipóteses.
“É claro que existem realidades muito diferentes dentro do Brasil. São Paulo é muito mais avançado do que outros estados, e isso acaba puxando a média para cima”, diz o holandês Paul Procee, líder para infraestrutura do Banco Mundial no Brasil. “Mesmo assim, no que se refere à infraestrutura de transportes, o país fica atrás de pares como Rússia, Índia, China, África do Sul e México.” Na maior parte do Brasil, o que se vê é a profusão de estradas com asfalto esburacado, quando não de terra, e sem sinalização adequada. Nas cidades, são comuns as ruas precárias com calçadas ruins para os pedestres, ausência de serviços de saneamento básico e outras mazelas.
O fato é que, se falta investimento em novos equipamentos e serviços, ainda pior é a manutenção do que já existe. As duas frentes precisam caminhar juntas. Segundo Procee, uma saída é usar tecnologias inovadoras. A prefeitura de São Paulo, por exemplo, pretende digitalizar e criar um banco de dados com os 80 000 projetos e obras públicas existentes na cidade. A ideia é coletar informação da vida útil de instalações como as 187 principais pontes de São Paulo. Por meio de voos de drone, é possível fazer uma modelagem tridimensional, de modo a facilitar a detecção de mudanças estruturais das pontes. O uso de novas ferramentas pode, portanto, ser um jeito de tornar a manutenção mais fácil e com menos impacto no dia a dia das pessoas.
É isso o que está por trás do programa de renovação de ramais da Sabesp, a companhia paulista de água e esgoto. A empresa pretende substituir 758 quilômetros de dutos de 2017 a 2020. No subsolo de São Paulo, há redes de distribuição feitas de ferro fundido com quase 100 anos. Devido à deterioração, elas perdem até 40% de água. “Fizemos um mapeamento e demos prioridade às que provocam mais vazamentos”, diz Alex Orellana, gerente do departamento do programa corporativo de redução de perdas da Sabesp. “Escolhemos as tecnologias que provocam o menor transtorno na rotina das pessoas.”
É o caso da tecnologia israelense trazida ao Brasil pela construtora Engeform, de São Paulo, que permite à Sabesp trocar os dutos que passam, por exemplo, debaixo da Catedral da Sé, no centro da cidade, e de mais 52 quilômetros de extensão na área. Com essa tecnologia, a substituição da tubulação antiga caminha por dentro dos próprios canos — os novos tubos, de material sintético, são instalados como se fossem uma espécie de revestimento.
A inovação também tem sido empregada em novos projetos de saneamento, como na ampliação de uma adutora para melhorar o fluxo de água no município de Caieiras. Nessa obra, estão sendo usados drones para acompanhar a topografia da região. A tecnologia ajuda a reduzir os custos com a equipe de topógrafos em até 40% e acelera o levantamento topográfico, segundo a Levitar, que fornece os serviços dessas pequenas aeronaves. A Levitar é uma das 562 startups brasileiras voltadas para a área de construção civil, chamadas de construtechs, que têm ocupado um espaço deixado por grandes construtoras que pararam de investir em inovação, de acordo com dados da Construtech Ventures.
A tecnologia também pode vir de instituições de ensino. Foi graças à colaboração das universidades Columbia e Cornell que a linha L do metrô de Nova York não precisará ser completamente fechada por 15 meses, atrapalhando a vida de 250.000 moradores e turistas. Agora, será possível restaurar o túnel que liga Manhattan ao Brooklin, danificado por uma inundação, com a interrupção das operações apenas à noite e aos fins de semana. O segredo é o uso de tecnologias que permitem instalar novos cabos sem precisar retirar os que estão danificados, acelerando o processo. Isso mostra que, em qualquer país, os investimentos em infraestrutura devem ser contínuos, seja para construir estruturas, seja para manter a qualidade dos serviços e obras existentes. A tecnologia pode e deve ajudar os entes públicos e privados nessa tarefa, reduzindo custos e tempo — e, em alguns casos, poupando vidas.