Presidente Jair Bolsonaro aposta em nomes do Centrão para presidir a Câmara e o Senado (Agência Brasil/Agência Brasil)
Fabiane Stefano
Publicado em 14 de janeiro de 2021 às 05h23.
Última atualização em 11 de fevereiro de 2021 às 13h46.
Mais do que nunca investidores, analistas e empresários no Brasil terão de dividir suas atenções para traçar um cenário certeiro ao longo de 2021. Em meio a uma pandemia que já contaminou mais de 8 milhões de brasileiros e causou 205.000 mortes, o tom é de urgência tanto na agenda política quanto na econômica.
E, num país que demanda reformas profundas — muitas das quais se arrastam há anos —, é hora de focar o essencial. Por isso, quem observa os rumos de Brasília e acompanha os dados econômicos defende uma agenda mínima para 2021, um ano que seria a janela temporal para dar vazão a projetos antes do início da corrida eleitoral de 2022. E tudo isso importa para os investidores, pois mexe com a formação de expectativas e com a correção dos preços dos ativos financeiros no país.
No curtíssimo prazo, as atenções estão voltadas para as eleições que definem as lideranças no Congresso — especialmente para a acirrada disputa na Câmara, em que a escolha será entre Arthur Lira (PP-AL), candidato defendido pelo Palácio do Planalto, e Baleia Rossi (MDB-SP), indicado pelo bloco de Rodrigo Maia (DEM-RJ). “Para pautas econômicas, nenhum dos nomes preocupa. Se houver consenso e apoio do governo em torno das reformas, eles não vão se opor”, diz o analista político Lucas de Aragão, da Arko Advice.
Baleia tem um histórico que tranquiliza o mercado, por ser a favor de medidas reformistas e autor da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45, da reforma tributária. Mas Lira tem histórico igualmente favorável a propostas econômicas, como as reformas da Previdência e trabalhista, e o teto de gastos. E, por ser ligado ao governo, também se dedicaria, em tese, às pautas defendidas pelo Ministério da Economia.
Depois de um encolhimento de 4,4% do PIB em 2020, consequência direta da pandemia sobre a atividade econômica, colocar o país no rumo do crescimento é prioridade absoluta. A expectativa é que a economia cresça 3%, segundo a média das projeções dos analistas ouvidos pelo Banco Central. Esse percentual, porém, embute várias condições a ser cumpridas — a principal delas é, sem dúvida, um cronograma de vacinação que garanta imunizar boa parte da população o mais rápido possível. “Sem vacinação, não há recuperação da economia”, diz o economista Álvaro Frasson, do banco BTG Pactual Digital. “E isso mexe diretamente com a alocação dos investimentos no país.”
O Ministério da Saúde já assinou acordos para a aquisição de 354 milhões de doses de vacinas de diferentes fabricantes — sendo que boa parte dos imunizantes deve ser fornecida pela Fiocruz e pelo Instituto Butantan, que têm parcerias de desenvolvimento das vacinas da AstraZeneca/Universidade de Oxford e da chinesa Sinovac, respectivamente.
De acordo com a gestora de recursos RPS Capital, se o plano nacional de vacinação for cumprido e não houver atrasos, é possível que 147 milhões de brasileiros estejam vacinados até o terceiro trimestre deste ano. A maioria, cerca de 85 milhões de pessoas, receberia as doses entre julho e setembro.
O avanço mais rápido ou não do cronograma de vacinação tem impacto direto nas perspectivas do mercado de trabalho — e, consequentemente, na demanda das empresas. Hoje, há cerca de 14 milhões de desempregados no Brasil.
Quando são incluídos nesse cenário os que desistiram de procurar uma recolocação, os chamados desalentados, e os que fazem apenas bicos e trabalham menos horas do que precisam, esse contingente passa para 52 milhões. A pandemia piorou a situação de um de mercado de trabalho que já estava enfraquecido desde 2015.
É verdade também que o ritmo de contratações vem melhorando nos últimos meses. Dados do Ministério da Economia mostram que, depois de 1,6 milhão de vagas terem sido limadas entre março e junho de 2020, o país gerou 1,5 milhão de novos postos de trabalho de julho a novembro, compensando quase totalmente o impacto da pandemia no mercado de trabalho formal. “Com a perspectiva de vacinação nos próximos meses, as empresas tendem a evitar demitir na expectativa de uma retomada econômica mais consistente”, diz o economista Gabriel Barros, da RPS Capital.
Uma recuperação do mercado de trabalho é fundamental também para compensar o fim do auxílio emergencial, que terminou em dezembro de 2020. Foram quase 300 bilhões de reais distribuídos para cerca de 68 milhões de brasileiros.
Um estudo do banco Santander mostra que, não fossem os programas de auxílio à população e às empresas, a massa salarial ampliada, que soma os rendimentos do trabalho e os benefícios pagos pelo governo, teria sofrido uma queda de 6,6% em 2020, ao contrário de uma expansão de 2,8%. Em 2021, mesmo sem o auxílio emergencial, o indicador deverá avançar 3,8% por causa do aumento do salário mínimo e de uma expectativa de retomada — ainda assim, o nível da massa salarial ampliada retornará apenas ao nível de 2017.
O dinheiro do auxílio emergencial já faz falta. De acordo com cálculos do economista Sergio Vale, da MB Associados, metade dos recursos do auxílio emergencial foi destinada para o consumo de bens e serviços. Outros 143 bilhões de reais foram utilizados para pagar contas e liquidar dívidas — apenas 6 bilhões foram poupados. “Já notamos uma dificuldade das famílias mais pobres quando se vê o forte crescimento do crédito consignado de aposentados do INSS nos meses de outubro e novembro, que mais do que dobrou em relação aos meses anteriores”, diz Vale, referindo-se a quando o valor do benefício passou para a metade do pago inicialmente.
É nesse ponto que os olhos se voltam novamente para Brasília. A pandemia expôs a necessidade de ampliar a rede de proteção social. O problema é fazer isso sem estourar o teto de gastos do governo. Ao longo de 2020, foram diversas tentativas nessa seara. O presidente Jair Bolsonaro tentou tirar da gaveta um desejo antigo: transformar o programa Bolsa Família em um novo programa de transferência de renda que levasse a marca de sua administração.
O projeto do Renda Brasil, que ficou meses empacado entre o Executivo e o Congresso, voltou no final de 2020 rebatizado como Renda Cidadã, mas carregando o mesmo problema de origem: falta de fonte de recursos para financiá-lo. A expectativa é que, após a definição das novas lideranças da Câmara e do Senado, o redesenho dos programas sociais esteja entre as pautas prioritárias do Congresso.
Isso não quer dizer que o ambiente estará propício para superar as divergências e que a base do governo estará fortalecida para enfrentá-las. “O terreno é péssimo para a aprovação de qualquer matéria difícil”, avalia a cientista política Carolina Botelho, pesquisadora do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Especialistas são céticos com a possibilidade de grandes avanços, tanto pelo timing político quanto pela falta de engajamento do governo nas pautas. Soma-se a isso a relação precária do governo com o Congresso. Quem tem expectativa de melhora no cenário deve ficar atento mais às movimentações no Congresso do que ao Ministério da Economia, que tem adotado uma atuação tímida em relação às pautas mais aguardadas. “Não creio que cheguem grandes novidades do ministro Paulo Guedes. Está tudo empacado”, diz Botelho.
É nesse cenário também que precisará ser apreciada a PEC Emergencial, que une três propostas de cunho fiscal. Apresentada pelo governo em 2019, a proposta cria gatilhos em caso de descumprimento do teto de gastos, mas o desenho final deve ficar muito aquém do original. O senador Márcio Bittar (MDB-AC), relator da PEC, tem protelado a apresentação da proposta final. Uma das medidas mais importantes, a possibilidade de redução de 25% da jornada dos funcionários públicos com redução proporcional dos vencimentos, já foi retirada.
Se fosse aprovada e aplicada a um quinto dos servidores, o potencial de economia seria de quase 9 bilhões de reais por ano. Outro tema polêmico é a inclusão da desindexação de despesas pela inflação, que também deve ser limada. No final, deve imperar o pragmatismo. “Se a proposta conseguir, por exemplo, preservar a regra do teto, já vai ser uma tremenda notícia boa para os investidores”, diz a economista Zeina Latif. “Pode até ser que saia alguma medida tributária ao longo do ano, mas uma reforma mais ambiciosa, sem a participação do governo, é uma possibilidade distante.”
O que está na lista de possibilidades reais, segundo os especialistas, é a agenda micro, que traz atualizações de regras para alguns setores e novos marcos regulatórios. A lei do gás, por exemplo, está a um passo de tramitação de ser aprovada. O projeto já passou pela Câmara e pelo Senado, mas precisou voltar à Câmara depois de os senadores aprovarem o texto com algumas mudanças, em dezembro de 2020, o que exige o aval dos deputados.
O objetivo é abrir a concorrência no setor e baratear o preço do gás. O governo pretende destravar investimentos de até 43 bilhões de reais com a aprovação da proposta e, com isso, assegurar projetos de expansão de infraestrutura de transporte, escoamento e armazenamento do gás. “É provável que vá para a frente ainda no primeiro semestre”, acredita Aragão, da Arko.
Outra notícia que impacta o ímpeto dos investidores é a proposta de autonomia do Banco Central. O Senado aprovou o projeto em novembro. Agora falta a Câmara. O texto prevê mandato fixo de quatro anos para presidente e diretores do BC, sem coincidir com o do presidente da República, e cria regras para a demissão dos dirigentes.
O principal objetivo é afastar o banco do risco de influências políticas em sua gestão. O texto que foi aprovado traz uma espécie de “duplo mandato”, quando a autoridade monetária deve ter foco nas metas de inflação, mas também ficar de olho no desemprego. Em meio a um ano tão desafiador, surpresas positivas devem surgir no horizonte. Ou o país entrega uma agenda mínima embalada por vacinação, gastos sociais com teto preservado e medidas emergenciais, ou será mais um ano perdido.