Repórter
Publicado em 27 de novembro de 2025 às 06h00.
Última atualização em 27 de novembro de 2025 às 09h11.
Naomi Nascimento Ferreira, Hugo Santos Maia, Emilly Raiane Rodrigues, Gabriela Santos Mendanha, Narayane Ribeiro Medeiros e Pedro Henrique Docema Rodrigues: jovens com excelência acadêmica e projetos com impacto na sociedade (Germano Lüders /Exame)
É o melhor dos tempos, é o pior dos tempos. Assim como na frase de abertura de Um Conto de Duas Cidades, de Charles Dickens, vivemos tempos ambíguos para o ensino superior no Brasil e no mundo. As universidades nunca tiveram tantos alunos, e são relevantes como nunca, mas os debates sobre o papel do ensino superior num mundo em franca transformação raramente foram tão intensos como agora. Em 25 anos, o intervalo de uma geração, o número de estudantes em cursos de ensino superior saltou 163%, para 264 milhões, segundo a Unesco, braço da Organização das Nações Unidas para cultura e educação. No Brasil, no mesmo período, o número de universitários praticamente multiplicou por quatro. Em 2024, cerca de 10 milhões de brasileiros estavam cursando alguma disciplina universitária, de acordo com o Inep, do Ministério da Educação. O acesso ampliado às universidades elevou a fatia de adultos acima de 25 anos com um diploma universitário ao redor do mundo. Mesmo ainda atrás da média da OCDE, o clube dos países desenvolvidos, o percentual de brasileiros com graduação completa atualmente beira os 20%. Em 2000, o canudo era um privilégio de apenas 6% da população.
Os números positivos escondem uma realidade desafiadora: há cada vez mais jovens largando a faculdade pelo caminho. Entre 2000 e 2020, em média, o número de formados no ensino superior cresceu 1 ponto percentual ao ano nos países da OCDE. De 2021 para cá, o ritmo caiu para 0,3 ponto porcentual. O fenômeno acende um alerta global: está mais fácil entrar na universidade. Chegar ao fim dela, nem tanto — ou, no limite, nem muito desejado. Por um lado, há ainda desigualdades no acesso ao ensino superior. Nos países ricos, em média, metade da população chega à fase produtiva com algum diploma de graduação. Nos países emergentes, o índice de pessoas com ensino superior completo mal passa dos 10%.
“O acesso a um ensino superior inclusivo, equitativo e resiliente não deveria ser um privilégio de poucos, mas um direito de todos”, diz Stefania Giannini, ministra da Educação da Itália entre 2014 e 2016 e diretora-geral da Unesco há sete anos.
Finalistas do Prêmio Protagonismo Universitário 2025, do Na Prática: jovens de todas as regiões do Brasil em destaque (Ediago Quinco/Exame)
Além da desigualdade de oportunidades, a universidade enfrenta uma crise de imagem. As razões são variadas. A começar pela escalada nas mensalidades. Nos Estados Unidos, os custos com ensino superior em instituições de ponta, como Harvard, subiram 58% nos últimos 15 anos, segundo o US News Report, uma das principais fontes sobre ensino superior americano. No período, a inflação acumulada nos Estados Unidos foi de 44%. Países como Reino Unido e Austrália também viram o fenômeno da inflação em cursos superiores, muito em razão do fluxo constante de estrangeiros para suas universidades mais prestigiadas.
Em paralelo, há um grande descompasso entre a formação recebida em sala de aula e as verdadeiras necessidades do mercado de trabalho. Para ficar num exemplo brasileiro: em 2022, apenas três cursos (administração, direito e educação) concentraram 46% dos diplomados. Os formados nas engenharias, área do conhecimento essencial para carreiras em tecnologia, foram só 3,9%. E, para piorar, as matrículas nesses cursos caíram 25% entre 2015 e 2023. O resultado é uma escassez ainda maior de profissionais em carreiras onde o desemprego já está perto do zero. (Por ano, o Brasil só consegue formar 1/3 dos profissionais demandados pelas empresas de tecnologia, de acordo com a Brasscom, a associação do setor.)
A tecnologia por si só também ajuda a levantar dúvidas sobre o valor da universidade. Há uma lista de bilionários célebres por terem acumulado riqueza no Vale do Silício depois de abandonar os estudos: Mark Zuckerberg, que abandonou Harvard para fundar o Facebook, hoje Meta; Bill Gates, que também deixou Harvard antes de empreender com a Microsoft; Larry Ellison, que largou as universidades de Illinois e de Chicago antes de fundar a Oracle — três exemplos de empresas americanas avaliadas em mais de 1 trilhão de dólares. Num plano mais mundano, a ascensão de carreiras digitais com pouca barreira de entrada para gente autodidata, como influenciadores ou programadores, faz muitos jovens pensar duas vezes antes de apostar numa graduação.
Atender expectativas num mundo com uma complexidade crescente é, portanto, um enorme desafio para as universidades. A boa notícia é que as lideranças do futuro veem a formação superior com bons olhos. Uma amostra disso é o resultado de uma pesquisa inédita do Na Prática, uma instituição sem fins lucrativos voltada para a inserção de jovens no mercado de trabalho e apoiada pelo braço de responsabilidade social do BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da EXAME). Em novembro, o Na Prática entregou o Prêmio Protagonismo Universitário, uma iniciativa para reconhecer os universitários mais talentosos das cinco regiões brasileiras. O prêmio recebeu mais de 8.000 inscrições. Entre os critérios avaliados pela banca estavam o desempenho acadêmico e o protagonismo do jovem em projetos com impacto social, científico ou econômico. Um total de 15 universitários foi para a fase final do prêmio. Dessa lista, foram escolhidos seis jovens com as melhores trajetórias (veja o perfil deles abaixo). Além do prêmio, os universitários foram convidados a participar de uma pesquisa online sobre percepções a respeito da própria formação e do futuro.
Os resultados do estudo do Na Prática mostram jovens felizes com a própria vivência acadêmica. De um total de 251 respostas, 58% responderam como boa ou excelente a qualidade da instituição onde estudam. Seis em cada dez entrevistados veem como importante o conhecimento acadêmico, complementado com experiências fora de sala de aula, para a construção de uma carreira profissional. Outros 27% elencaram a educação como “essencial e insubstituível”. Apenas 10% responderam ver pouco ou nenhum valor para a própria formação. Entre os aspectos mais valorizados na instituição onde estudam estão o networking e as atividades extracurriculares (primeira opção para 29% dos entrevistados) e a qualidade do conteúdo (28%). “Esses jovens representam um Brasil que acredita na educação como motor de transformação”, diz Anamaíra Spaggiari, CEO do Na Prática.
O conhecimento desejado pelos entrevistados pelo Na Prática está, sim, na universidade, mas não apenas nela. Nove em dez entrevistados fazem algo além da sala de aula — seja um curso, seja uma atividade voluntária, seja um estágio. É, portanto, uma geração disposta a ter um papel ativo na própria formação. E, por isso, pressiona a Academia a mudar o status quo. “A grande maioria das instituições de ensino ainda deixa o aluno num papel passivo, só recebendo conteúdo”, diz Sofia Esteves, fundadora da Cia de Talentos, empresa referência no Brasil em políticas para a inserção de jovens no mercado de trabalho. Em certa medida, as escolas precisam estimular seus alunos a pensar por conta própria, numa educação ágil capaz de preparar o jovem a um mundo incerto. “As universidades precisam abandonar a aprendizagem passiva e migrar para metodologias que envolvam o aluno em desafios reais, com projetos aplicados e resolução de problemas”, diz José Cláudio Securato, CEO da EXAME Educação e fundador da escola de negócios Saint Paul, parte do ecossistema da EXAME desde 2024. Após duas décadas de educação executiva, voltada para profissionais já no mercado de trabalho, a Saint Paul terá a primeira graduação, em administração, no início do ano que vem. A pegada do novo curso será de uma graduação empreendedora, capaz de colocar teoria em prática e, assim, treinar jovens para os desafios do mercado de trabalho desde o primeiro dia de graduação. “Liderança hoje começa pela autoliderança”, diz Securato. “Depois evolui para liderar outras pessoas e, por fim, liderar negócios.”
Mark Zuckerberg: ele largou a universidade, mas foi uma exceção. Segundo estudo da McKinsey, 95% dos fundadores de unicórnios nos Estados Unidos concluíram o ensino superior (Chris Unger/Zuffa LLC/Getty Images)
Em boa medida, o apelo empreendedor da universidade do futuro vem como resposta aos anseios de uma geração que não se contenta em apenas trabalhar com o que gosta. Quem chega ao mercado de trabalho quer ter um maior controle sobre sua rotina de trabalho: 47% dos jovens entrevistados pelo Na Prática colocou “rotina equilibrada” como prioridade para a carreira. Foi a opção número 1 numa lista de dez itens. O formato de contratação, neste caso, pouco importa: 41% dos entrevistados disseram não ter preferência entre ser contratado como CLT ou em algum esquema autônomo. O que fala mais alto aqui é ter muitas opções sobre onde trabalhar. Para 53%, o formato híbrido é o ideal; 12% gostariam de poder escolher todo dia o local de trabalho. Só 19% estão ok com o formato presencial.
No fundo, a pesquisa revela uma identificação dos universitários com o ideal de liberdade normalmente associado a lideranças empreendedoras. (O dia a dia de quem precisa tomar uma infinidade de decisões, muitas vezes sozinho, sobre o futuro de uma empresa pode se mostrar muito mais opressor do que isso, mas esta é outra discussão.) A boa notícia é que pesquisas globais têm reforçado a importância de um diploma, mesmo no ritmo fluido do empreendedorismo. Uma delas, conduzida por professores da escola de negócios da Universidade Stanford, na Califórnia, analisou a formação acadêmica de mais de 2.000 fundadores de startups nos Estados Unidos para entender quantos deles haviam largado os estudos antes de empreender. O resultado: só 4% seguiram os passos de Zuckerberg, Gates e companhia. A evasão nesse grupo é, inclusive, muito inferior à média americana, de 36%. Outra pesquisa, da consultoria global McKinsey, olhou apenas os fundadores das 100 empresas de tecnologia dos Estados Unidos com avaliação de mercado acima de 1 bilhão de dólares — os famosos unicórnios. Desse grupo, 95% concluíram o ensino superior. E mais: 70% avançaram para uma pós-graduação, como mestrado, MBA e doutorado.
Novo campus da Escola de Negócios Saint Paul, em São Paulo: educação empreendedora (Leandro Fonseca /Exame)
Daqui para a frente, a chegada da inteligência artificial (IA) pode colocar mais uma camada de complexidade na conta do estudante sobre o valor de sua formação. Por que ficar anos numa curva de aprendizado dentro de sala de aula quando grande parte do conhecimento que fez a humanidade chegar até aqui pode ser acessada, instantaneamente, num modelo de linguagem de IA? Em 2026, as universidades mundo afora deverão formar as primeiras turmas de estudantes expostos ao ChatGPT desde o início. Boa parte dos egressos pode enfrentar um mercado de trabalho mais desafiador — pesquisas recentes nos Estados Unidos mostram empresas mais abertas a acelerar a adoção da IA do que contratar estagiários, trainees ou empregados em início de carreira. Numa visão niilista do mundo, há quem coloque em dúvida o valor do ensino superior por completo. Por que aprender hoje um ofício à beira de ficar obsoleto em pouco tempo por causa da inteligência artificial?
Os jovens inscritos para o prêmio do Na Prática mostraram uma visão bastante otimista sobre a IA em sua vida — seja na forma de estudar, seja no impacto para suas futuras carreiras. Metade dos entrevistados usa uma ferramenta de inteligência artificial diariamente. Outros 46% usam com frequência. Só 4% disseram ser pouco afeitos à tecnologia. Oito entre dez jovens ouvidos pela pesquisa esperam um impacto “positivo” ou “muito positivo” para suas carreiras em razão da adoção maciça da inteligência artificial, seja porque a tecnologia abre espaço para novas carreiras, seja porque facilita o aprendizado constante. Só 8% têm uma visão negativa. Ao mesmo tempo, questionados sobre quais são as suas maiores preocupações em relação ao avanço da IA, 37% apontaram a necessidade constante de requalificação e 19% citaram o medo de alta no desemprego tecnológico, quando os postos de trabalho são fechados devido à automação. Apenas 6% disseram não ter preocupação alguma com a inteligência artificial. Está aí mais uma ambiguidade que só o tempo — e as boas universidades — poderão resolver.
Entre os desafios e os avanços da educação superior no mundo, o Prêmio Na Prática: Protagonismo Universitário reconhece estudantes das cinco regiões do Brasil que estão usando o conhecimento para trazer inovação e impacto social ao país. Conheça as histórias dos vencedores
Os olhos de uma senhora que voltou a enxergar o rosto do neto após uma cirurgia de catarata explicam por que Gabriela Santos Mendanha, aos 22 anos, decidiu programar, sozinha, uma inteligência artificial para revolucionar a oftalmologia no Brasil. “Foi a primeira vez que ela viu o rosto do neto nitidamente. Ele chorava e agradecia. Aquilo me marcou muito”, lembra a estudante de medicina da PUC-Goiás, vencedora do Prêmio Na Prática: Protagonismo Universitário na categoria Centro-Oeste e na categoria Nacional.
Filha de uma arquiteta e de um administrador, criada em Goiânia, Mendanha entrou em medicina aos 19 anos. No 3o ano, durante uma visita ao Instituto VER — referência em oftalmologia —, encontrou um gargalo: a triagem para cirurgias refrativas (procedimentos que corrigem miopia e astigmatismo) é lenta, exige exames complexos e especialistas experientes para interpretar sinais sutis da córnea. “Em casos subclínicos, a discordância entre médicos ainda é grande”, diz.
Com base em física, matemática e programação, ela criou a RefractAI, uma IA treinada com bancos de dados públicos e exames reais. A ferramenta identifica padrões que antecipam riscos antes de surgirem no laudo, emitindo alertas precoces ao oftalmologista. Como resultado, em simulações com 200 pacientes, a IA já reduziu o tempo de análise de 40 minutos para 1, aumentou em 30% a capacidade preditiva e pode cortar até 70% dos custos da triagem. De acordo com a estudante, a tecnologia já foi apresentada em congressos e está em avaliação internacional.
A conexão de Mendanha com a oftalmologia vem da infância: passou anos sem saber que tinha 4 graus de miopia. “Eu não via o número da sala. Quando coloquei óculos, pensei: ‘Nossa, estou vendo tudo em HD’”, diz. Hoje, defende o impacto social da especialidade. “A oftalmologia devolve trabalho, renda, dignidade. Um pedreiro que não enxerga bem entra num ciclo de pobreza”, diz. “A saúde ocular é muito mais social do que a gente costuma enxergar.”
Entre a faculdade e a atualização da IA, Mendanha ainda dá aula para jovens em olimpíadas científicas, liderou delegações internacionais e ajudou a organizar competições. Depois de concluir medicina no Brasil, o próximo sonho é fazer residência em oftalmologia nos Estados Unidos e transformar sua tecnologia em um negócio de impacto, unindo medicina, pesquisa e inovação.
Layane Serrano
Finalistas do Prêmio na região Centro-Oeste
→ Diogo Godinho Schwartz, de 22 anos
Engenharia elétrica — Universidade de Brasília (UnB): é líder da startup METALA, que faz pesquisa aplicada com nanopartículas para o tratamento de câncer do fígado. Além disso, já foi bicampeão nacional em projetos de biomedicina.
→ Maurício Martinho Lino Junior, de 25 anos
Ciências econômicas — Universidade Estadual de Goiás (UEG): como voluntário no Núcleo de Estudos e Pesquisas Econômicas (Nepe) da UEG, retomou a pesquisa da cesta básica em Anápolis, com um aplicativo próprio para coleta e análise dos dados.
Emilly Raiane Rodrigues, estudante de engenharia aeroespacial da Universidade federal de santa maria (UFSM) (Germano Lüders/Exame)
O satélite reiniciava sozinho no espaço e, toda vez que isso acontecia, perdia a noção do tempo. Sem relógio interno confiável, entrava num modo de economia de energia que o deixava inativo por até 12 horas. Emilly Raiane Rodrigues, estudante de engenharia aeroespacial da UFSM, foi a responsável por resolver esse problema durante um estágio de dez meses na agência espacial francesa. Com um novo sistema de recuperação, o tempo de espera caiu para 10 minutos.
Aos 24 anos, Rodrigues acaba de voltar ao Brasil após dois anos estudando na França pelo programa Brafitec — e foi reconhecida como uma das vencedoras do Prêmio Protagonismo Universitário 2025, promovido pelo Na Prática, na categoria Região Sul. Não foi só pelo projeto. A trajetória dela mistura excelência técnica com impacto social real. Nascida em Jarú (RO) e criada na periferia de Curitiba, passou por escolas públicas com estrutura precária e fez da universidade o trampolim para tentar abrir esse caminho para outros jovens.
Ao retornar ao Brasil, passou a se dedicar a ampliar a Escola Piloto de Engenharia Aeroespacial, projeto que fundou com colegas para levar oficinas práticas de ciência e tecnologia a alunos da rede pública. Com minifoguetes, experimentos e linguagem acessível, a iniciativa já alcançou quase 3.000 estudantes. “Não adianta a universidade ser um mundo à parte. Se a gente quer mudar alguma coisa, tem de começar pela base”, diz.
Nos planos de Rodrigues estão um mestrado (provavelmente no ITA), alguns anos na indústria espacial e, depois, empreender. Ela aposta que o Brasil tem tudo para ocupar um lugar de destaque no setor: localização estratégica, capital humano qualificado e um mercado global bilionário em expansão. “O que falta mesmo é investimento — e gente que saiba traduzir tudo isso para fora da bolha.”
Isabela Rovaroto
Finalistas do Prêmio na região sul
→ Andrês Amado Teixeira, de 22 anos
Engenharia elétrica — Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR): duas vezes eleito melhor estagiário da Huawei, dobrou a produtividade de instalações da empresa e criou automações de alto impacto.
→ Juliana Campos Meurer, de 23 anos
Ciências biológicas — Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS): investigou conservação das águas em iniciativa da National Geographic e se destaca por publicações internacionais em astrobiologia.
Naomi Nascimento Ferreira, estudante de medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC) (Germano Lüders/Exame)
A saúde da mulher ganha força no Brasil. No último mês, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto que cria licença menstrual de até dois dias por mês para mulheres com dores intensas e doenças ginecológicas incapacitantes. Enquanto o país discute políticas públicas, uma jovem de 23 anos do Ceará decidiu agir. Naomi Nascimento Ferreira, estudante de medicina na Universidade Federal do Ceará (UFC), criou a Missão Mulher Saudável, iniciativa que leva diagnóstico, educação sexual e planejamento familiar a comunidades rurais nordestinas. O trabalho já alcançou centenas de famílias e venceu o Prêmio Na Prática: Protagonismo Universitário 2025 na categoria Nordeste.
Nascida em Fortaleza e criada em Caucaia, Ferreira é filha de dois advogados que romperam a extrema pobreza por meio do ProUni e foi a primeira mulher da sua geração a chegar ao ensino superior. “Vi amigas e familiares interrompendo os estudos por gravidez precoce. Esse ciclo pode ser diferente”, diz Ferreira, que entrou na faculdade de medicina aos 19 anos.
Foi no módulo de ginecologia que ela encontrou seu propósito, guiada por um conselho do orientador: “O principal é ouvir a paciente”. O caso de uma mulher com endometriose avançada marcou sua trajetória. “Muitas acham que mulher com dor é normal, mas muitas chegam aqui com diagnóstico avançado. Falta informação e acesso às mulheres”, diz a estudante que vê muitas vindo do interior de longas viagens, o que atrasa ainda mais o tratamento.
Para enfrentar esse cenário, Ferreira estruturou a missão em três frentes: capacitação de 110 profissionais; atendimento em municípios do interior (com doação de 329 DIUs e mais de 300 consultas); e educação em escolas públicas, que impactou cerca de 1.000 estudantes. A atuação cresceu com a Expedição Cirúrgica da USP, que realizou 256 cirurgias (50 ginecológicas), 800 ultrassonografias e 500 atendimentos. “Para muitas mulheres, foi a primeira chance real de diagnóstico”, afirma. Para o futuro, Ferreira quer se especializar no Brasil e continuar no cuidado básico. “Quero mostrar que elas não estão limitadas ao meio em que cresceram. Existe tratamento, existe futuro, existe sonho.”
Layane Serrano
Finalistas do Prêmio na região nordeste
→ Ana Clara Prado Rocha, de 22 anos
Direito — Universidade Federal de Sergipe: criou um sistema que corta 80% do tempo de análise de casos do Ministério Público do Trabalho.
→ José Emanuel Figueredo Lopes Lacerda, de 20 anos
Ciências exatas — Universidade Federal do Maranhão (UFMA): criou uma healthtech que acelera diagnósticos de tireoide e coordena um instituto que pesquisa condições de vida no espaço.
Hugo Santos Maia,estudante de engenharia de energia da Universidade Federal do Pará (UFPA) (Germano Lüders/Exame)
Antes mesmo de saber o resultado, Hugo Santos Maia já tinha feito uma promessa. Se fosse um dos vencedores do Prêmio Protagonismo Universitário na categoria Região Norte, ele caminharia 70 quilômetros, da sua cidade natal, Castanhal, até a capital Belém, em agradecimento à Nossa Senhora de Nazaré. “Agora, com o prêmio e a viagem para a China garantida, vou ter de cumprir”, diz o universitário.
Aos 23 anos, o paraense é estudante de engenharia de energia da Universidade Federal do Pará (UFPA) e um dos seis jovens escolhidos pelo Na Prática como destaques nacionais entre mais de 8.000 inscritos. O que o levou ao pódio foi a criação de um sistema interno de gestão de armazéns na Suzano, onde é estagiário em logística. Com uma estrutura simples, feita usando um celular antigo da equipe, Maia digitalizou o controle de estoque de uma unidade da empresa em Belém. A iniciativa resultou na redução de 50% nas divergências de inventário e de 60% no tempo de devoluções.
O projeto chamou a atenção não só pela eficiência, mas pelo custo quase zero e pela capacidade de engajar a operação — do chão de fábrica à gestão. “Eu vi que tinha muita gente refazendo trabalho, acumulando função. Montei um time, criamos um protótipo do sistema e um processo com QR Code. Agora dá para saber onde está o produto em tempo real, sem sair da cadeira”, conta.
Nascido em Castanhal, no interior do Pará, Maia estudou em escolas públicas de música e terminou o ensino médio em um internato do Sesc no Rio de Janeiro. Voltou ao estado natal para cursar engenharia na UFPA, onde também fundou o Centro Acadêmico de Engenharia de Energia da Região Norte. Foi ali que começou a se envolver com pesquisa e escreveu um artigo sobre hidrogênio verde a partir da hidrólise da água salgada.
Além da atuação técnica, Maia participa de projetos de voluntariado. Na Suzano, dá aulas de matemática e de introdução à indústria para jovens do projeto Formare. Na universidade, ajuda calouros e veteranos a navegar pela burocracia acadêmica. “Sou inconformado por natureza. Vejo um problema e tento resolver antes que ele exploda”, diz.
No futuro, quer trabalhar numa grande empresa, continuar estudando e, um dia, empreender. Mas o plano de longo prazo é voltar a dar aulas de música — uma paixão que rivaliza com a engenharia. “Quero devolver o que recebi da educação pública. Essa é a ideia.”
Isabela Rovaroto
Finalistas do Prêmio na região norte
→ Glauber Wiyampo Tiriyo, de 30 anos
Direito — Universidade do Estado do Amapá (UEAP): atua na defesa de indígenas em contexto urbano. Criou programas de inclusão social e capacitação com drones para monitorar territórios.
→ Rafaela Melo da Silveira, de 21 anos
Engenharia civil — Instituto Federal do Amapá (IFAP): fundou duas startups com foco em inclusão e sustentabilidade. Criou telhas com fibra de coco e mapas táteis premiados no Brasil e no exterior.
Pedro Henrique Docema Rodrigues, estudante de medicina da Universidade de São Paulo (USP) (Germano Lüders/Exame)
Na medicina, há especialidades que salvam vidas em minutos. E há outras, mais silenciosas, como a medicina preventiva e social, capaz de aumentar a expectativa de vida de um país décadas antes de qualquer emergência. É essa a área que inspira Pedro Henrique Docema Rodrigues, estudante da USP que, aos 21 anos, levou o Prêmio Na Prática: Protagonismo Universitário na categoria Sudeste. “Quem aposta nessa área é conhecido como médico sanitarista. São eles que criam impacto com vacinas, saneamento, nutrição e presença contínua em territórios onde o Estado muitas vezes não chega”, afirma.
Nascido em São João da Boa Vista (SP), filho de um mestre de obras e de uma dentista, foi bolsista na escola, participou de olimpíadas acadêmicas e, depois de estudar 17 horas por dia, entrou em medicina na USP aos 17 anos. Na universidade, decidiu reconstruir a Bandeira Científica da USP, projeto criado em 1957, fechado na ditadura, refundado em 1998 e encerrado na pandemia. “A Bandeira era o maior projeto de extensão da USP. Não existe nada parecido na América Latina em saúde”, afirma. Com orientação do patologista Paulo Saldiva, escreveu novo estatuto, criou governança e retomou patrocínios.
Às vésperas da primeira expedição, as enchentes no Rio Grande do Sul o levaram a criar a Liga de Saúde Humanitária, braço emergencial da Bandeira. Com apoio de organizações parceiras, equipes atenderam comunidades indígenas e quilombolas isoladas no Sul. “A gente tirou árvores da estrada com motosserra, chegou de barco, de helicóptero. Era saúde, mas também logística e presença.”
A primeira expedição da “nova” Bandeira Científica ocorreu em dezembro de 2024 no Vale do Ribeira (SP), com 198 estudantes e mais de 4.000 atendimentos em regiões sem acesso. A próxima será na Ilha de Marajó, com foco em saneamento, nutrição e meio ambiente — a captação já supera 750.000 reais.
Enquanto equilibra as matérias da faculdade, Rodrigues se prepara para um doutorado ainda na graduação, pesquisando saúde humanitária ampliada. “Trabalho com populações invisíveis. Quero fazer da medicina minha ferramenta de transformação social,” diz.
Layane Serrano
Finalista do Prêmio na região sudeste
→ João Gabriel Valentim Rocha, de 28 anos
Engenharia da computação — Insper: bolsista integral do Insper, é CTO de startup focada em soluções de IA e conquistou 19 medalhas em competições de conhecimento
Narayane Ribeiro Medeiros, Estudante de Engenharia Aeroespacial no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) (Germano Lüders/Exame)
Se não está em sala de aula, está no laboratório. E, se não está em nenhum dos dois, provavelmente está estudando. Aos 23 anos, Narayane Ribeiro Medeiros faz graduação e mestrado em engenharia aeroespacial no ITA, coordena pesquisas, dá aulas em um cursinho popular — e ainda encontra tempo para pensar no futuro da robótica.
Hoje, é uma das poucas mulheres aprovadas no Instituto Tecnológico de Aeronáutica. Também prestou serviço militar por um ano e lidera a equipe de nanossatélites da instituição. A rotina intensa não é novidade. Natural de Valparaíso de Goiás, ela descobriu o ITA por acaso aos 15 anos e fez uma promessa: “Se eu passar, vou levar outras pessoas comigo”. Durante muito tempo, acordava de madrugada para estudar para o vestibular do ITA antes de ir para a escola.
Com uma bolsa, concluiu o ensino médio em Brasília. Não passou no ITA de primeira. Em vez de desistir, usou suas aprovações em outras universidades como carta de apresentação para cursinhos populares pelo Brasil. Ela conseguiu uma bolsa integral no Ceará, onde estudou por um ano até receber a notícia da aprovação no ITA.
Medeiros é uma das vencedoras do Prêmio Protagonismo Universitário, na categoria Região Sudeste, graças ao GeoPredict, projeto que combina inteligência artificial e imagens de satélite para prever impactos ambientais até 2050. A solução foi finalista global no NASA Space Apps Challenge, entre mais de 10.000 inscritos. Mais do que um algoritmo, o projeto promoveu oficinas de educação climática para mais de 200 alunos da rede pública. A nova fase prevê o mapeamento de reservatórios de água no semiárido, com uso de sensores de radar.
Ela também pesquisa montagem inteligente de aeronaves com apoio da Embraer e da Fapesp, integra o grupo de robótica humanoide do ITA e já planeja um doutorado na China focado em IA e robótica aplicada.
“Ciência não pode ser só sobre diploma bonito na parede”, diz. “Tem de servir para transformar vidas.” No caso dela, já transformou.
Isabela Rovaroto