Revista Exame

Um novo pomar no sertão, em Jaíba, Minas Gerais

Governos tentaram fazer da região de Jaíba, no pobre norte de Minas Gerais, um modelo de agricultura familiar. Deu tudo errado. Bastou esquecer a ideologia para que nascesse ali um dos maiores polos de fruticultura do país


	Jaíba está entre os maiores produtores de banana do Brasil
 (Wikimedia Commons)

Jaíba está entre os maiores produtores de banana do Brasil (Wikimedia Commons)

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Da Redação

Publicado em 7 de abril de 2014 às 19h55.

Jaíba - Jaíba, localizada no norte de Minas Gerais, é uma cidade típica do semiárido brasileiro. O calor é de rachar. Chuva é coisa rara — quando cai, é de uma vez só. Mas a pobreza, uma das características mais marcantes do semiárido, vem sendo suavizada pela agricultura irrigada com as águas do rio São Francisco.

Nos últimos anos, Jaíba, com 32 000 habitantes, tornou-se um polo de produção de frutas. Está entre os maiores do país no suprimento de banana e é o número 1 na produção de sementes de hortaliças. Os sinais de prosperidade se espalham pela região na forma de supermercados, que substituem armazéns acanhados, hotéis que tomam o lugar de pensões, e na chegada de lojas de eletrodomésticos, concessionárias de carros e escolas particulares, o que não existia até pouco tempo por lá.

Cerca de 2 000 casas populares estão sendo construídas, a maioria delas já vendida. Há imóveis sofisticados, no padrão dos condomínios de luxo das capitais brasileiras, localizados principalmente em Janaúba.

O município, vizinho a Jaíba, foi escolhido por empresários que vieram de outras partes do país por ser mais próximo de Montes Claros, o principal centro urbano do norte mineiro, onde há um aeroporto. “Estamos assistindo a um boom econômico”, afirma Lauri Marcos Ribeiro, diretor da Sada Bio-Energia, empresa que produz etanol, açúcar e eletricidade com a cana que brota em terras irrigadas.

A transformação da região está ocorrendo com quatro décadas de atraso. O sistema de irrigação, batizado de Projeto Jaíba, foi idealizado em 1971, durante o milagre econômico. A área de 100 000 hectares desapropriada deveria se transformar no maior perímetro de irrigação do país.

A construção dos canais e das estações de bombeamento de água começou em 1974, mas atrasou e entrou pela década de 80, quando a economia do país declinou e o dinheiro secou. Na hora de começar a ocupação, o modelo original do projeto foi modificado. Em vez de as terras abrigarem simultaneamente pequenos, médios e grandes produtores, os governos estadual e federal, que dividiam a implantação, decidiram deixar os empresários de fora.


Distribuíram quase 2 000 lotes de 5 hectares cada um para assentar pequenos lavradores, com a justificativa de que, assim, fariam justiça social. “Foi um grande erro não incluir os empresários, porque os grandes e médios produtores criariam mercado para a produção, e os assentados produziriam para os maiores”, afirma Alysson Paulinelli, ex-ministro da Agricultura e um dos idealizadores do projeto.

Foi um daqueles casos em que governantes, com sua cabeça iluminada, tentaram distribuir riqueza antes da riqueza existir. Os primeiros ocupantes de Jaíba só conheciam a produção de subsistência. Nada sabiam das técnicas de agricultura irrigada.

A maioria não conseguiu tirar quase nada da terra e  permaneceu, portanto, na miséria. Só na década de 90 foi retomado o modelo original de ocupação. A Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba, do governo federal, leiloou lotes de até 90 hectares e atraiu os primeiros produtores médios. Depois, a estatal mineira Ruralminas assumiu o projeto e conseguiu crédito com o Banco de Desenvolvimento do Japão para instalar a infraes­trutura de uma nova área. Os leilões dessa etapa, destinada a empresários, ocorreram apenas em 2003.

Nessa época, os gaúchos da família Bertoli compraram 2 000 hectares de terra em Jaíba. A maior parte da área foi destinada à produção de tomate, processada numa moderna fábrica do grupo, a Best Pulp, instalada em Janaúba. Hoje, Jefrson (escreve-se assim mesmo) Bertoli, de 40 anos, controla pelo smartphone o andamento da irrigação no campo. Os molhos da processadora são usados em produtos da Sadia e no catchup do McDonald’s.

Nas enormes estufas, a plantação de mudas é toda mecanizada (bandejas vazias entram de um lado da máquina e saem do outro com dezenas de mudas fixadas com distância exata entre elas). A organização, a limpeza e a jardinagem da Best Pulp fazem esquecer que se está no extremo norte de Minas, a região mais pobre do estado.

Mesmo negócios mais modestos, como o Sítio FM (iniciais do proprietário Fabrício Melo), seguem padrões elevados de qualidade. A propriedade tem certificação internacional que lhe permite exportar manga e limão para a Europa. “A disseminação da qualidade é estratégica para todos nós”, afirma Jorge de Souza, presidente da Associação de Produtores do Norte de Minas, que criou o selo “Produzido em Jaíba” para promover os produtos da região.


A “justiça social” só começou a chegar com a vinda dos empresários rurais. Estima-se que eles já tenham investido 800 milhões de reais nas fazendas e nas unidades industriais. Uma das consequências imediatas foi a criação de empregos. Mais de 18 500 pessoas trabalham no Projeto Jaíba com carteira assinada.

A janaubense Thalita Barros, de 27 anos, dirige seu Honda City com desenvoltura pelo centro de embalagem e logística da Brasnica Frutas Tropicais, uma das maiores produtoras de banana-prata do país. Thalita estudou administração de empresas numa faculdade local e, depois de entrar na Brasnica, fez MBA no campus de Montes Claros da FGV.

Outro nativo da região, Edson Borges, de 33 anos, viu a carreira deslanchar no Sítio FM. Ele começou como tratorista há sete anos e atualmente é gerente-geral de campo. “Hoje em dia é difícil ver alguém desempregado por aqui”, diz Borges, cujo pai nunca teve registro em carteira. 

Inclusão

A proximidade entre pequenos, médios e grandes produtores vem surtindo outro efeito positivo: a inclusão dos assentados na economia. Muitos trabalham nas propriedades empresariais e aplicam na roça própria o que aprendem no trabalho. A família de Ronaldo Rodrigues da Silva, de 34 anos, recebeu um lote de 5 hectares em 1997.

Silva ajudou o pai na roça sob o sol escaldante por anos. Hoje, ele trabalha em sala com ar-condicionado, controlando pelo computador o sistema de irrigação de Jaíba. No telão, Silva mostra como funcionam as estações de bombeamento e as comportas que regulam a distribuição da água pelos canais.

Apesar de atuar numa área técnica, Silva se formou em letras por uma faculdade de ensino a distância. Às vezes, ajuda o pai, que só sabe assinar o nome, no planejamento da roça. “A integração entre assentados e empresários é uma experiência que deveria ser replicada”, afirma Eduardo Rebelo, fazendeiro que se mudou em 2005 do sudoeste de Minas, uma das áreas mais ricas do estado, para produzir sementes em Jaíba.

Embora o avanço seja inegável, os produtores e a população em geral têm problemas sérios a resolver. Estradas es­buracadas prejudicam o escoamento da produção e geram prejuízo — afinal, ninguém quer comprar fruta amassada no supermercado. Fora isso, já começa a faltar terra de cultivo para as empresas, apesar de mais da metade da área ir­rigável permanecer desocupada.

Os go­vernos do estado e federal ainda não che­garam à conclusão de como vão ocupar o território e como serão feitos os in­vestimentos na infraestrutura que fal­ta. Sem essa decisão, as obras não come­çam, os produtores não chegam e a região não ganha escala. “A irrigação pode transformar regiões inteiras, como fez na Califórnia, em Israel e aqui mesmo no Brasil”, diz Fernando Tangerino Her­nandez, professor da Universidade Es­tadual Paulista em Ilha Solteira e especialista em irrigação.

“Quando estive em Petrolina em 1983, a cidade não tinha nada. Hoje é um de nossos maiores po­los de fruticultura.” O motor do desenvolvimento da pernambucana Petrolina foi um núcleo de irrigação com me­tade das terras irrigáveis de Jaíba. Se­gundo Hernandez, considerando a área disponível, Jaíba pode se tornar um polo de fruticultura tão relevante ou até maior que Petrolina — que produz por ano 2,8 milhões de toneladas, principalmente de uva e manga.

Jaíba já colhe 1,3 milhão de toneladas de frutas, milho e cana por ano. Outras áreas do país também podem produzir mais. O Brasil irriga só um sexto de seus 30 mi­lhões de hectares de solo de alta ferti­lidade — o restante, por carência de água, produz abaixo do potencial ou nem sequer produz. A agricultura brasileira tem muito espaço para obter novos saltos de produtividade, combinando a irrigação com o dinamismo privado. Jaíba está aí para provar.

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