Metrô de São Paulo: quatro décadas atrás, a maior cidade do país ainda estava começando a operar sua primeira linha de transporte subterrâneo (Mauricio Simonetti/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 2 de agosto de 2013 às 14h00.
São Paulo - No início dos anos 70, o Brasil tinha 90 milhões de habitantes, dos quais pouco mais da metade vivia nas cidades. Hoje somos mais de 190 milhões e, de cada dez pessoas, oito moram em áreas urbanas. Há 40 anos, viajar de avião era acessível apenas para os ricos — o jet set — e muitas famílias sonhavam em comprar seu primeiro televisor em preto e branco.
Naquela época, o Brasil vivia sob um regime autoritário. Os meios de comunicação estavam sob censura e vários grupos de esquerda lutavam contra a ditadura militar – entre os ativistas estava uma jovem estudante de economia, Dilma Vana Rousseff. O Brasil vivia o auge do “milagre econômico”.
Em 1973, crescemos a uma taxa de fazer inveja à China atual: 14%. Desde então, o país passou por várias crises e sobressaltos. A inflação saiu do controle e chegou a quase 2 500% ao ano. Oito planos econômicos foram lançados, seis moedas circularam e nove presidentes governaram o país.
O Brasil voltou a ser uma democracia, o mercado se abriu para a concorrência estrangeira e uma série de empresas estatais foi privatizada. E, em meio a tantas mudanças, salvaram-se as companhias que tiveram jogo de cintura para suportar os solavancos.
Não foram poucas as empresas que sucumbiram nesses 40 anos. Da lista das 500 maiores empresas privadas do país publicada na primeira edição de Melhores e Maiores, em 1974, apenas 230 — menos da metade — continuam em atividade, muitas delas com outro nome ou configuração societária. Das companhias sobreviventes, apenas 87 aparecem no ranking das 500 maiores deste ano.
Isso significa que, da primeira lista, publicada há 40 anos, apenas 17% das companhias permanecem na elite empresarial do país. A americana Cargill, do setor de alimentos, foi a que mais cresceu no período. Saiu de um faturamento, em 1973, de cerca de 200 milhões de reais (em valores corrigidos) para atingir quase 25 bilhões de reais em 2012.
Não há uma explicação única de por que algumas empresas prosperaram, enquanto outras ficaram pelo caminho, mas é certo que se saíram melhor as que souberam se adaptar rapidamente às mudanças no cenário.
“O sucesso resulta, em grande parte, do comando de gestores que sabem olhar para o mercado e para dentro de sua própria estrutura. E conseguem traduzir e transformar o que enxergam em ações viáveis”, diz Clemens Nunes, professor de economia da Fundação Getulio Vargas de São Paulo.
Entre os que conseguiram superar os percalços ao longo das últimas quatro décadas está a família Ermírio de Moraes, do grupo Votorantim — quinto lugar em crescimento no período. O grupo tinha receita de 1 bilhão de reais em 1973 e chegou a quase 35 bilhões no ano passado, com negócios nas áreas de cimento, siderurgia, celulose, suco de laranja, energia e finanças.
“A natureza dos problemas em cada período nos últimos 40 anos foi distinta e, por isso, as soluções foram diferentes”, diz José Roberto Ermírio de Moraes, presidente do conselho de administração do grupo Votorantim. “Mas toda a trajetória foi muito desafiadora.”
Um dos maiores desafios no período foram os choques do petróleo de 1973 e 1979. As duas crises fizeram o preço do barril subir de 2 para 40 dólares. “Isso matou o milagre brasileiro”, afirma João Paulo dos Reis Velloso, ministro do Planejamento de 1969 a 1979, nos governos de Emílio Garrastazu Médici e Ernesto Geisel.
Na época, além de importar 85% do petróleo que consumia, o Brasil comprava do exterior grande quantidade de outros insumos básicos das indústrias, fornecidos por empresas que também sofreram com a disparada dos preços do petróleo.
Enquanto o governo traçava estratégias para equilibrar a balança comercial e incentivar setores-chave, as empresas buscavam alternativas para conter os custos. Para gastar menos com o petróleo importado, base de muitos de seus processos industriais, a Votorantim agiu rapidamente.
Diversificou a matriz energética e passou a usar o carvão vegetal extraído das florestas de eucalipto que cultivava desde os anos 40. Essa iniciativa permitiu que seu negócio de alumínio, por exemplo, batesse recorde de produção em 1984, em plena crise econômica.
Os anos 80, por sinal, ficariam conhecidos como “a década perdida” por causa da estagnação da economia. O governo sofria com a elevada dívida externa — resultado de empréstimos vultosos contraídos na década anterior — e tentava equilibrar as contas públicas.
As empresas, por sua vez, enfrentavam um ambiente de alta inflação e crédito escasso. “A inflação turvava tudo e era fácil quebrar da noite para o dia”, diz Maílson da Nóbrega, sócio da consultoria paulista Tendências e ministro da Fazenda de 1988 a 1990, no governo de José Sarney. “Vivíamos num ambiente repleto de incertezas.”
Ruína de um império
Nesse cenário conturbado, a agilidade na tomada de decisões era crucial. Foi uma das coisas que faltaram para a Indústrias Reunidas Francesco Matarazzo, um império que, no seu auge, somou 365 fábricas e foi um dos cinco maiores conglomerados familiares do mundo. A Indústrias Reunidas ocupava em 1974 o 16º lugar no ranking das maiores empresas brasileiras, mas chegou ao início da década de 80 altamente endividada.
Seus herdeiros — Maria Pia e os irmãos Francisco e Ermelino — disputavam o controle dos negócios da família. Enquanto brigavam entre si, deixaram de lado decisões que precisavam ser tomadas com urgência. O império dos Matarazzo virou pó. A empresa pediu concordata em 1983.
Um dos pontos em comum a muitas empresas que cresceram nos últimos 40 anos no Brasil é o foco nos negócios em que podem se tornar líderes. Essa não era uma característica da empresa dos Matarazzo, que fabricavam uma grande variedade de produtos, mas cresceram tanto que não eram mais líderes em nenhum segmento.
“Uma empresa inteligente se apoia nas redes de fornecedores para obter produtos e serviços de áreas em que não é altamente competitiva”, afirma o ex-ministro Reis Velloso. Os Diniz, da empresa varejista Pão de Açúcar, quase padeceram do mesmo mal dos Matarazzo. No final dos anos 80, as brigas entre os familiares tinham enfraquecido a empresa.
O cenário econômico também não ajudava, pois o país estava mergulhado no caos. “Nessa época, a empresa estava tecnicamente quebrada”, diz Enéas Pestana, atual presidente do Grupo Pão de Açúcar. Mas a história do grupo teve um desfecho diferente. O empresário Abilio Diniz, que tinha se afastado dos negócios, retornou à companhia em 1989 e resolveu as disputas familiares.
O grupo se desfez de negócios como banco e locadora de carros e se concentrou no varejo. Metade das quase 400 lojas existentes na época foi vendida, e o dinheiro ajudou a empresa a se reerguer. Com o tempo, o Pão de Açúcar voltou a ganhar fôlego e adquiriu vários concorrentes, como os supermercados Sé e Sendas, a rede de comércio de eletroeletrônicos Ponto Frio e a rede varejista Casas Bahia.
Nessa expansão, Diniz contou com a ajuda de um sócio, o grupo francês Casino, com quem acabaria se desentendendo (o litígio terminou no ano passado, após o Casino assumir o controle do Pão de Açúcar). Os números comprovam o sucesso nas últimas décadas — o Pão de Açúcar saiu de um faturamento de 2 bilhões de reais em 1973 para se tornar o maior grupo varejista do país, com receita líquida de quase 53 bilhões de reais em 2012.
O impacto da globalização
Entre as empresas que desapareceram ou foram engolidas pelas concorrentes nos últimos 40 anos, muitas sucumbiram diante do fenômeno da globalização — uma integração maior entre as economias, tendência acentuada pelo colapso dos regimes socialistas no final dos anos 80 e início dos 90.
No Brasil, nessa época, o presidente Fernando Collor de Mello iniciou um processo de abertura econômica, eliminando barreiras à importação de cerca de 500 produtos, entre eles computadores e automóveis. Muitas empresas brasileiras não resistiram à concorrência de multinacionais que ofereciam produtos com preços mais competitivos e tecnologia mais avançada.
Uma delas foi a Metal Leve, fabricante de autopeças do empresário José Mindlin. Fundada nos anos 50, era considerada uma ilha de excelência no país — foi eleita a Empresa do Ano de 1974, na primeira edição de Melhores e Maiores. Mesmo assim, a Metal Leve não conseguiu fazer frente ao maior poder de escala das multinacionais.
Em 1996, foi incorporada pela alemã Mahle — e a Mahle Metal Leve voltou a ser eleita a Empresa do Ano em 2003. Hoje, seu principal desafio é avançar na automação da linha de produção para reduzir os custos. “Isso é importante porque os asiáticos, que são competidores globais, gastam 20% com mão de obra, enquanto nós gastamos 30%”, diz Claus Hoppen, presidente da Mahle Metal Leve.
Na luta pela sobrevivência, a capacidade de inovar é um fator cada vez mais crucial. Quando se instalou no Brasil, há 40 anos, a italiana Fiat tinha o desafio de concorrer com a Volkswagen, a General Motors e a Ford, estabelecidas aqui havia décadas. Em 1987, a Fiat já tinha 10% do mercado brasileiro, mas queria mais.
“Era uma participação baixa para a nossa capacidade”, diz Cledorvino Belini, presidente da Fiat. Uma pesquisa no final dos anos 80 apontou que o consumidor brasileiro considerava as peças da Fiat caras, o câmbio duro e os carros pequenos. A estratégia foi apostar em tecnologias que não existiam por aqui.
“Fomos os primeiros a trazer o motor transversal, que proporciona mais espaço interno sem aumentar o tamanho do veículo”, diz Belini. A partir daí foram feitas várias mudanças técnicas e novos modelos foram lançados. Parte dos investimentos de 15 bilhões de reais previstos pela montadora no país de 2011 a 2016 irá para o desenvolvimento de produtos.
Um chamariz recente para atrair o consumidor é o sistema de internet acoplado ao volante e que permite acessar o Facebook. Com essa e outras novidades, a Fiat espera ampliar a fatia no mercado brasileiro, que chegou a 23% em 2012.
Com o Brasil mais amadurecido, depois de atravessar momentos tão complicados nas últimas quatro décadas, as empresas ainda enfrentam velhos gargalos, como a infraestrutura deficiente, a mão de obra pouco qualificada e a carga tributária vergonhosa. São batalhas antigas que o Brasil precisa vencer se quiser entrar no clube dos países desenvolvidos.
O caminho não é tão longo quanto parece, segundo o ex-ministro Maílson da Nóbrega. “O Brasil amadureceu, é avançado democraticamente e chegou à antessala do clube dos países ricos”, diz Nóbrega. Esse clube — lembra — só admitiu um novo membro nos últimos 100 anos: o Japão. “Cruzada a linha divisória da antessala, não se retrocede mais.” É torcer para que ele tenha razão.