Movimento Occupy Wall Street: o principal alvo dos protestos não eram os bancos, mas o governo (Mario Tama/AFP)
Da Redação
Publicado em 6 de fevereiro de 2012 às 09h15.
Nova York - "Retração econômica, protecionismo, isolamento... e o que aconteceu nos anos 30.” Foi com essas palavras agourentas que a diretora do Fundo Monetário Internacional, a francesa Christine Lagarde, descreveu recentemente o caminho que a economia global pode tomar.
“Não há economia no mundo, seja ela de países de baixa renda, mercados emergentes, países de renda média ou economias superdesenvolvidas, que será imune à crise que vemos não somente se desdobrando, mas crescendo.” Lagarde falou dias depois de fechado um acordo para reforçar a disciplina fiscal e a coordenação entre os países da União Europeia.
A crise das dívidas nos países europeus ainda está longe de ser resolvida, assim como segue em aberto o futuro do euro. Certo mesmo é o resultado do pacote de austeridade: risco de uma recessão — talvez profunda — em todo o continente europeu e mais insatisfação entre a população.
Nos outros integrantes do seleto clube dos países ricos, o cenário não é mais animador. Nos Estados Unidos, embora a situação não seja tão dramática, existe um complicado impasse entre o governo e a oposição. Com a eleição presidencial no horizonte, poucos veem uma chance de que sejam resolvidas as diferenças políticas que por três vezes em 2011 ameaçaram paralisar a máquina do governo federal americano.
No Japão, a tarefa de dar um sopro de vida à economia sofreu um golpe com o terremoto de março. Menos de quatro anos depois da crise precipitada pelo estouro da bolha imobiliária americana, o mundo se vê, mais uma vez, diante de um cenário sombrio. Talvez ele não seja tão terrível quanto o pintado pela diretora do FMI — mas o simples fato de que essa possibilidade seja considerada por alguém com a autoridade de Lagarde já é em si motivo para preocupação.
Todos os olhos estarão voltados para a Europa. O plano acordado em dezembro foi considerado essencial para que a moeda única possa sobreviver, mas os riscos de dissolução do euro não foram inteiramente afastados. Itália e Espanha ainda têm contas pesadas para pagar no futuro próximo.
Apesar das novas promessas de recursos para cobrir eventuais inadimplências, não avançou a ideia dos eurobonds, mecanismo pelo qual todos os membros dividiriam o ônus dos calotes. Pelo contrário. O que para alguns foi a atuação decisiva da liderança política para evitar uma crise de proporções comparáveis à de três anos atrás nada mais é, para outros, do que a imposição da vontade dos países mais fortes, especialmente a Alemanha.
Os alemães já deixaram claro que não querem mais pagar a conta da irresponsabilidade dos vizinhos. O que se acertou foram compromissos de bom comportamento — e punições para aqueles que saírem da linha. Em outras palavras, a vida vai ficar ainda mais difícil para os países que estão enforcados.
O Reino Unido rejeitou a proposta e, embora não adote o euro como sua moeda, expôs uma fratura profunda na ideia da união continental forjada ao longo dos últimos 60 anos. Os outros 26 presidentes e primeiros-ministros vão ter de vender a ideia a seus eleitores, o que não vai ser uma tarefa fácil.
“As exigências de cada vez mais austeridade, sem uma compensação que estimule o crescimento, causam um duplo dano”, escreveu recentemente Paul Krugman, vencedor do Nobel de Economia. “Elas fracassaram como política econômica, piorando o desemprego sem restaurar a confiança, e criaram um imenso ódio, com muitos europeus furiosos com o que consideram, justa ou injustamente (ou, na verdade, um pouco de ambos), uma demonstração da mão pesada da Alemanha.”
Com a ressalva de que não está sendo alarmista, Krugman aponta para as consequências políticas do desemprego. Em países como Áustria e Finlândia, partidos de extrema direita começam a rivalizar com os partidos tradicionais. No Leste Europeu, a situação é ainda mais grave: na Hungria, o partido governante vem adotando medidas que na essência garantem sua permanência no poder, solapando as bases da democracia no país.
Foi em meio a uma crise econômica mundial que regimes como o nacional-socialismo e o fascismo tomaram parte da Europa no passado. É claro que ninguém espera a ascensão de um novo Adolf Hitler — mas as consequências do desemprego e da desesperança vão muito além da economia, como mostra a história.
Nos Estados Unidos, também é o desemprego um dos temas mais importantes, se não o mais importante, na eleição presidencial do próximo ano. Parte da perplexidade são as dúvidas sobre quanto da recente alta deve-se a causas conjunturais — e quanto são resultado de tecnologias que poupam mão de obra. As últimas estatísticas, divulgadas no começo de dezembro, dão conta de 13,3 milhões de americanos sem emprego.
Desse total, 5,7 milhões estão fora do mercado de trabalho há mais de seis meses. Havia mais de 60 anos que o desemprego de longo prazo não era tão alto durante tanto tempo. Uma recente queda de braço entre o governo de Barack Obama e a oposição republicana envolve os benefícios oferecidos a quem está sem trabalho.
No modelo americano, em média os primeiros seis meses do seguro-desemprego são de responsabilidade de cada estado. Depois desse período começam os pagamentos do governo federal (a duração da ajuda também depende do estado onde vive o beneficiário). O Partido Republicano quer cortes de até 11 bilhões de dólares nos 40 bilhões previstos com esses gastos em 2012.
O plano também prevê que os estados possam fazer testes de drogas nos candidatos ao seguro. “Não é que as pessoas estejam preguiçosamente esperando o cheque do governo toda semana”, diz Gary Burtless, pesquisador do centro de pesquisas Brookings Institute.
“É por falta de vagas.” Não por acaso, boa parte dos manifestantes nos protestos ligados ao movimento Occupy Wall Street em várias cidades do país estava reclamando menos do sistema financeiro e mais da incapacidade do governo de estimular a economia e gerar empregos.
As perspectivas de uma nova espiral negativa na economia mundial, associada a um crescente senso de descrença de uma geração que não sabe o que é emprego e muito menos poderá contar com os benefícios do Estado — nem hoje, nem no futuro —, é uma mistura perigosa e que não se via havia muitas décadas em países nos quais o conforto e a segurança durante muito tempo foram considerados um dado da realidade. A era da austeridade pode estar apenas começando, e os sinais de alerta estão por toda parte.