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Um mico na vida da Tigre

Brigas entre herdeiros são uma ameaça constante aos negócios das empresas familiares. Na Tigre, esse fantasma volta a assombrar

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Da Redação

Publicado em 26 de maio de 2011 às 11h09.

No terceiro andar do prédio em que fica a sede da Tigre, em Joinville, Santa Catarina, dois retratos na parede dominam o vasto salão sem divisórias em que trabalham dezenas de diretores, gerentes e auxiliares. As fotos estão poucos metros à direita da mesa do executivo Amaury Olsen, o presidente da empresa. São de João Hansen Júnior, o fundador da Tigre, e de Carlos Roberto, o segundo de seus três filhos.

Representam a origem familiar da companhia, a maior fabricante brasileira de tubos plásticos para a construção, com faturamento de 1 bilhão de reais em 2000. Olsen conhece bem esse traço: aos 51 anos, tem 32 de casa. Escolhido para ser o principal executivo desde que um sistema de administração profissional foi implantado em 1995, o foco de seu trabalho é o desenvolvimento do negócio e a produção de resultados.

Volta e meia tem sua concentração perturbada. Isso num momento em que o centro das atenções de Olsen deveria estar na volta do crescimento da rentabilidade da empresa.

O assédio de interessados em comprar a Tigre é parte do incômodo. Cobiçada por sua invejável posição de liderança e popularidade da marca, a empresa já foi cortejada por grupos concorrentes como o suíço Amanco, o francês Saint-Gobain, o belga Etex e até uma divisão da anglo-holandesa Shell. "A todos nossa resposta tem sido a mesma: não", diz Olsen.

Movimentos como uma avaliação da marca encomendada à consultoria inglesa Interbrands alimentam os freqüentes rumores sobre venda do controle. A maior das interferências, porém, é o eco de antigas disputas familiares.

É possível separar em duas partes a trajetória de 60 anos da Tigre. No primeiro meio século, a empresa se desenvolveu sob a égide do empresário João Hansen Júnior. Transcorreu nesse período uma típica saga de empreendedor, com traços semelhantes aos de diversas outras histórias de empresas familiares brasileiras.

Hansen vislumbrou o futuro de um tipo de plástico, o PVC, e construiu um império com ele. Aos 82 anos, em 1991, sua saúde sofre um baque. A Tigre passa a enfrentar uma série de turbulências. Entre elas uma tragédia: a morte num acidente aéreo em 1994 de Carlos Roberto, o sucessor ungido por Hansen. No ano seguinte, o próprio patriarca morre. Sucedem-se rixas entre herdeiros, mudanças acionárias e aperto da concorrência.


"As discussões de tempos em tempos reaparecem", diz Olsen. "Bom isso não é. Mas temos conseguido isolar bem a gestão desses problemas. Eles ficam no andar de cima." O quarto andar da sede da Tigre é reservado para os acionistas. Uma vez por mês Olsen precisa subir até lá para prestar contas do negócio ao conselho de administração da empresa.

Dois dos acionistas são investidores institucionais: a Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, dona de 25% do capital, e a Bradesco Capitalização, que possui 18%. Mas o controle é exercido pela soma das participações de duas holdings, a CRH e a Willercape. Ambas representam os interesses de Rosane Maria Fausto Hansen, viúva de Carlos Roberto, e de seus filhos Felipe, Carolina e Cristiane. Rosane preside o conselho e foi a responsável pela condução de Olsen ao posto de presidente executivo.

Avessa a aparições na imprensa, Rosane é o principal alvo de uma ação na Justiça que se arrasta há seis anos. O ataque parte de sua cunhada Eliseth Hansen, caçula do fundador da Tigre. Eliseth reivindica a anulação de uma divisão de patrimônio feita por João Hansen Júnior em 1991.

Na época, após sofrer um problema cardíaco, ele repartiu a Tigre entre seu primogênito João Hansen Neto e Carlos Roberto, reservando a este último a maior parte das ações com direito a voto na JHJ, a holding familiar da época. As diferenças da divisão foram compensadas com dinheiro e outros bens entregues a João Neto. Eliseth ficou de fora porque, numa rodada de doação feita dois anos antes pelo pai, recebera quatro empresas, um iate, um helicóptero, fazendas e imóveis avaliados em 200 milhões de dólares.

O problema é que o quinhão de Eliseth foi diminuindo aos poucos. Seu ex-marido, o empresário Luis Batschauer, pulverizou as quatro empresas que ela originalmente herdara em dezenas de negócios menores, a Corporação HB. Com a recessão do início dos anos 90, a HB começou a fazer água.

A situação se agravou e em 1994 uma das empresas da corporação entrou em concordata. Em 1996 foi a vez da fabricante de acessórios sanitários Cipla, a maior delas. Mais uma, a Interfibra, jogou a toalha em 1997. A falta de recolhimento de contribuições sociais levou Batschauer a acumular processos e a ser preso. A situação ainda não resolvida da HB inclui uma dívida de 10 milhões de reais da Interfibra à Tigre por matérias-primas fornecidas. Como Eliseth era garantidora da transação, está sendo cobrada judicialmente pela Tigre.

O aperto teria reforçado o ânimo de Eliseth para brigar, primeiro com o pai e os irmãos e depois com a cunhada Rosane, pela revisão da partilha. "Desde 1995 eu venho recebendo vários advogados em nome dela que vêm fazer pressão para tentar algum acordo", diz o advogado paulista Ricardo Portugal Gouvea, defensor de Rosane e da Tigre.


"É uma guerrilha jurídica, uma barulheira sem efeito." Os adversários atuais de Gouvea nessa pendenga são Arno Enke, de Joinville, e Acrísio Lopes Cançado Filho, de Curitiba. Enke trabalha para Eliseth há dois anos.

Acrísio está há um ano no caso, mas sua cliente é outra: Lilia Hansen, a viúva do fundador da Tigre. Lilia protagonizou um fato novo no processo em abril de 2000. Assinou uma declaração em cartório reconhecendo a procedência dos pedidos da filha. Uma indenização por danos morais e perdas - de uma parcela dos dividendos distribuídos pela Tigre nos últimos cinco anos - está inclusa na pretensão.

Segundo os advogados de Eliseth e Lilia, caso essa tese seja vencedora, todos os atuais sócios seriam afetados. As participações da Previ e da Bradesco Capitalização teriam de ser revistas. Em outras palavras: por causa de uma briga entre cunhadas, os sócios investidores poderiam perder alguns milhões de dólares.

"Depois da morte do pai, as participações na herança deveriam ter sido reequilibradas", diz Enke. Uma parte dessa argumentação é amparada no fato de que Eliseth recebeu apenas ações preferenciais da holding familiar. "Com o depoimento de dona Lilia houve uma reversão processual considerável", diz Cançado Filho.

Os dois também acusam Rosane, a atual controladora da Tigre, de ter esvaziado a holding JHJ, transferindo ilegalmente as ações da empresa para a CRH e a Willercape, esta sediada no paraíso fiscal britânico da ilha de Man. Segundo Gouvea, tais argumentos são devaneios. "O que houve com as ações não interessa", diz ele. "A situação societária da Tigre sofreu várias mutações, mas é inatacável."

Atualmente, o processo, que corre em Joinville, ainda está em sua fase de reunião de provas. Não foi julgado sequer em primeira instância. Gouvea aposta que o desfecho não se dará em menos de cinco anos. Enke e Cançado Filho falam em um ano.

Para Gouvea, o máximo que Eliseth poderá conseguir será uma revisão da distribuição do patrimônio de 1991, o que lhe renderia algo como 15 milhões de reais. "Isso na pior hipótese, porque não há nada a rever", diz Gouvea. Seus rivais vão brigar por muito mais.


Até que ponto toda essa confusão pode comprometer a Tigre? "Enquanto se discutem as diferenças, vamos tocando o negócio", diz Olsen. A despeito do conflito familiar que envolve o nome da empresa, Olsen procura manter na gestão a disciplina, um traço de sua personalidade manifestado até na hora das refeições.

"Sempre me mantive nos 75 quilos", diz ele, enquanto degusta um frugal sanduíche de pão sírio, queijo branco e pasta de berinjela, seu almoço na mesa de reunião do escritório. Para acompanhar, nada, nem suco de laranja ele toma. De sobremesa, meio mamão papaia. No ano passado, Olsen levou um susto. Seu nível de colesterol, apesar dessa dieta impecável, subiu da faixa de 170 para 220. O médico não encontrou explicação. Olsen não esmoreceu: "Aumentei a carga de ginástica e passei a tomar suco de berinjela toda manh". O colesterol cedeu.

A mesma persistência ele aplica na administração da empresa. Em cinco anos, conseguiu triplicar o volume de produção da Tigre, passando de 80 000 para 220 000 toneladas anuais. Fez quase a mesma coisa com o faturamento. Mas a rentabilidade é um problema. No balanço de 2000 o lucro caiu (veja quadro acima). Olsen tem comandado investimentos: nos últimos dois anos foram 200 milhões de reais em aquisições e expansões, incluindo as internacionais.

Também levou a Tigre a entrar em novas e promissoras áreas, como as de tubos para telecomunicações e para gás, esquadrias de janelas e produtos para saneamento básico. Contudo, o mercado tem achatado os preços, e a concorrência, em especial o grupo Amanco, se fortaleceu para combater a Tigre, dona de cerca de 60% do seu mercado.

A Amanco controla a Akros e a Fortilit, as duas principais marcas do mercado depois da Tigre. Soma cerca de 30% de participação. "Dois mais dois nem sempre é igual a quatro", diz Olsen. "Eles ainda estão digerindo as aquisições." O executivo André Fauth, diretor comercial da Amanco, admite que isso seja verdade. "Estamos otimizando nossa operação", diz ele. "O grupo Amanco investiu pesado no Brasil e vai buscar o retorno."

A bandeira de recuperar pontos vale dentro da própria Tigre. A ultrapassagem do bilhão de reais no faturamento de 2000 não chegou a merecer comemoração. Ao contrário, algumas metas não foram alcançadas. Por isso, os funcionários estão recebendo 0,7 salário na distribuição de resultados. No ano passado, levaram 1,3 salário. "A Tigre não atingiu o almejado", diz Amaury. "Vamos agora entrar num período de crescimento."

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